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26 de jun. de 2008

Entrevista: Jacqui Gallinetti




Em uma nação onde não existe Justiça Juvenil, onde crianças de sete anos podem ser condenadas sem que existam regras para sua detenção ou proteção dos seus direitos, uma revolução está a caminho: o Estatuto da Criança e do Adolescente da África do Sul.

Produto de uma série de consultas populares realizadas desde 1996, a lei incorpora, de forma pioneira, uma análise dos custos inerentes à sua aplicação e ao treinamento dos profissionais de Justiça. A lei deve ser aprovada até o fim de 2008.

Uma vez aprovado, o Estatuto possibilitará o apoio do país à Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente através de uma lei nacional. A nova lei estabelece uma Justiça Juvenil e equilibra justiça retributiva com medidas progressistas que incorporam valores da Justiça Restaurativa e Ubuntu, uma abordagem holística das relações sociais baseadas nas trdições africanas.

"O Estatuto trata as crianças da forma apropriada à sua idade ao mesmo tempo que as responsabiliza pelas suas ações. Equilibra as necessidades da criança, da vítima e da sociedade e estabelece uma idade mínima de responsabilidade criminal", explica Jacqueline Gallinetti, representante da Child Justice Alliance, uma rede de ONGs, CBOs, instituições acadêmicas e indivíduos que trabalham para garantir que o Estatuto da Criança e do Adolescente seja aprovado pelo Parlamento sul-africano, em entrevista ao Comunidade Segura.


Qual foi o papel da sociedade civil na criação desta lei?

A sociedade civil e a justiça juvenil têm uma longa história. Esse processo de reforma da lei começou na década de 90 por ONGs que lançaram campanhas que chamava a atenção para crianças que estavam sendo presas por serem suspeitas de cometer crimes em contraposição a crimes de natureza política e ligados à luta contra o Apartheid.

Nessa época, o Centro Legislativo Comunitário contratava estudantes universitários para intervir informalmente nos tribunais criminais e prover assistência às crianças presas tentando assegurar sua liberdade enquanto aguardavam julgamento.

Um outro aspecto do impacto da atuação da sociedade civil nesse processo é o fato de que, quando foi formado um comitê em 1996 para pesquisar a Justiça Juvenil, todos os seus membros faziam parte de ONGs que estavam envolvidas nas campanhas que tratavam da detenção de crianças. Isso garantiu a contribuição direta da sociedade civil na elaboração da nova legislação e comprova que as ONGs têm o conhecimento a experiência prática necessários para identificar áreas da lei que requerem mudanças e a abilidade de efetuar essas mudanças..


Como a senhora se envolveu nesse processo?

Em 2001 fui convidada para criar e coordenar a Child Justice Alliance, uma rede colaborativa nacional de ONGs, CBOs, acadêmicos e indivíduos comprometidos com uma mudança no campo da Justiça Juvenil. O propósito da Aliança é defender e arregimentar apoio para o Estatuto e para a implementação do novo sistema de Justiça Juvenil. O maior objetivo da Aliança é assegurar que haja apoio da sociedade civil para que a lei seja aprovada pelo Parlamento. O apoio da sociedade só pode ser conquistado através do debate qualificado e da disseminação de informação. Para isso, a Aliança lançou publicações coordenou pesquisas organizou oficinas sobre o atual sistema de justiça infanto-juvenil e sobre o projeto de lei.


Como a sociedade civil sul-africana interage com os parlamentares?

Na África do Su, nossa Constituição contém algumas claúsulas que visam dar transparência e accountability às ações do governo e acabam facilitando a interação da sociedade civil com o mesmo. Essas claúsulas fornecerm uma agenda legislativa formal a qual a sociedade civil pode se apropriar para monitorar ou defender certas causas junto ao governo. Isso pode ser útil particularmente nos movimentos de reforma da lei.


Mesmo com esses mecanismos, não existem soluções rápidas...

Essa intreração com o processo legislativo pode ser recompensador ou frustrante. Em 2003, o Comitê de Justiça e Desenvolvimento Constitucional no Parlamento, que estava negociando o projeto de lei não era receptivo à participação da sociedade civil e deixou de lado contribuições significativas.

No entanto, o atual comitê facilitou altos níveis de participação. O presidente do Comitê encorajou a participação da sociedade civil e, em certos aspectos, nos acreditamos que essa abordagem deve ser considerada uma boa prática de participação parlamentar da sociedade.

A presença de representantes da sociedade civil em todas as deliberações do Congresso é um exemplo de como este Comitê deu vida à claúsula da Constituição que fala sobre participação civil no Parlamento.


Qual é a sua opinião sobre a Justiça Juvenil na África do Sul hoje em dia, antes da aprovação da lei?

Quando o comitê responsável pelo projeto se reuniu, e até hoje, não existe NENHUMA legislação dedicada a crianças e jovens em conflito com a lei. Os diferentes departamentos, polícias e leis que atualmente norteiam o tratamento da criança ou jovem que tenha cometido ato infracional são incoerentes e problemáticos, além de muitas vezes ocasionar sérias violações aos direitos básicos da criança e do adolescente.


A lei como existe hoje faz alguma distinção entre crianças, jovens e adultos?

Crianças no sistema de justiça criminal recebem o mesmo tratamento legal que adultos. Há algumas recomendações específicas para crianças, como a exigência de que tenham julgamentos sigilosos e a possibilidade de (além de todas as outras opções de sentença) cumprir sua pena em um reformatório.

No entanto, essa lei não constitui um processo de justiça criminal distinto para crianças.

A organização Child Justice Alliance chama atenção para o fato de que a lei inclui aspectos da justiça restaurativa que coincidem com as tradições e costumes africanos...

A lei prevê a promoção da justiça restaurativa e do ubuntu (humanidade, solidariedade, generosidade) como um de seus objetivos. Na prática, isso acontece, particularmente, no fato de oferecer um panorama legislativo que permita a adoção de penas alternativas. A justiça restaurativa é hoje um dos princípios que regem várias de nossas instituições governamentais de justiça. Ao incluir a justiça restaurativa tão expressivamente na nova lei, o governo mostra que pretende se afastar da simples abordagem de justiça retributiva ao tratar de justiça criminal.


A nova lei muda a idade de responsabilidade penal?

A idade de responsabilidade penal é regulada pela lei comum. Uma criança menor que sete anos são irrefutavelmente consideradas doli incapax; uma criança entre sete e 14 anos é refutavelmente considerada doli incapax (DOLI CAPAX. Capaz de enganar, criar problemas e de discernir entre o que é certo e errado). Os adolescentes maiores que 14 anos têm total responsabilidade criminal.

Pela nova lei, uma criança que tenha menos de dez anos no momento em que tenha cometido ato infracional não pode ser processada.

A lei também presume que uma criança com idade entre dez e 14 anos no momento em que tenha cometido o ato infracional é inimputável, a menos que ao longo do processo apareça uma prova concreta de que ela tinha ciência do que supostamente fazia. Adolescentes com mais de 14 anos seguem com total responsabilidade criminal.


O juiz sul-africano Eberhard Bertelsman pediu soluções que garantissem a segurança de crianças vítimas ou testemunhas de crimes. A nova lei inclui disposições a esse respeito?

Não especificamente. A lei provê mecanismos e procedimentos relacionados a quem comete crimes contra uma criança, para garantia de seus direitos ao longo de seu processo no sistema de justiça criminal especificamente, mas não provê diretamente a garantia de segurança da criança.

O que temos é o Victim’s Charter, que é apenas um documento político e não possui força de lei. Existem outros mecanismos de proteção da criança vítima, na lei sobre ofensas sexuais e no Children’s Act 38, de 2005, que ainda não foram promulgados.


Qual é a sua expectativa para a promulgação da nova lei?

A expectativa é de que aprove a lei até o fim do ano. Antes da promulgação, os regulamentos precisam ser desenhados e o parlamento assegurado de que os departamentos estão prontos para implementá-la.


Algum comentário final?

Esse é um processo muito longo, que se tentou apressar em alguns momentos. Felizmente, a sociedade civil tem sido pró-ativa e foi muito além do advocacy e da disseminação da informação. Os departamentos de governo têm também implementado partes da lei, mesmo antes de sua aprovação. Houve também muita cooperação entre governo e sociedade civil. Infelizmente, alguns propositores de políticas públicas do Departamento de Justiça tenham descaracterizado o projeto original (de 2002), que eu espero que seja recuperado em sua essência até o fim do ano, depois dos debates parlamentares sobre a lei.


Comunidade Segura, Redes de Idéias e Práticas em Relações Humanas. Disponivel em: http://www.comunidadesegura.org/?q=pt/node/39360. Acesso em: 26/06/2008.

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Livros & Informes

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  • ALBUQUERQUE, Teresa Lancry de Gouveia de; ROBALO, Souza. Justiça Restaurativa: um caminho para a humanização do direito. Curitiba: Juruá, 2012. 304p.
  • AMSTUTZ, Lorraine Stutzman; MULLET, Judy H. Disciplina restaurativa para escolas: responsabilidade e ambientes de cuidado mútuo. Trad. Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
  • AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de. A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006.
  • CERVINI, Raul. Os processos de descriminalização. 2. ed. rev. da tradução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
  • FERREIRA, Francisco Amado. Justiça Restaurativa: Natureza. Finalidades e Instrumentos. Coimbra: Coimbra, 2006.
  • GERBER, Daniel; DORNELLES, Marcelo Lemos. Juizados Especiais Criminais Lei n.º 9.099/95: comentários e críticas ao modelo consensual penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
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