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4 de jun. de 2012

O caminho é a mediação


Conceito embrionário no País, a justiça restaurativa é considerada saída para evitar mazelas nos superlotados centros de ressocialização

Publicado em 03/06/2012, às 14h00

Ciara Carvalho

Juiz Paulo Brandão conversa com pais em um colégio municipal do Recife sobre violência juvenil / Hélia Scheppa / JC Imagem

Juiz Paulo Brandão conversa com pais em um colégio municipal do Recife sobre violência juvenil

Hélia Scheppa / JC Imagem

O conceito é novo. Em Pernambuco, desconhecido até. Muitos dos que atuam na área da infância e juventude pouco ou nunca ouviram falar em justiça restaurativa. Mas a experiência de outros Estados brasileiros revela que essa prática tem produzido resultados efetivos no processo de ressocialização do adolescente infrator. Um caminho para desafogar unidades de internação superlotadas, palco reincidente de mortes bárbaras, como as que ocorreram este ano nas unidades da Funase no Estado. Em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, só este ano já são quase 200 casos tratados de forma conciliatória, a grande maioria sem precisar recorrer ao regime fechado. No novo modelo, o foco passa a ser a mediação do conflito gerado pelo ato infracional. Com a intermediação do Judiciário, sentam-se à mesa infrator, vítima, familiares das partes envolvidas e agentes do Estado. O propósito maior é a responsabilização do ato praticado, fazendo com que o adolescente tenha a real consciência do que fez e se disponha a mudar.

Achar uma solução de consenso, que ajude a restaurar os vínculos e a construir um projeto de vida para o adolescente infrator é, na avaliação de quem lida diretamente com a delinquência juvenil, a saída para enfrentar a violência com uma cultura de paz. “Ou se investe no diálogo, na escola e na família ou vamos enxugar gelo”, defende o juiz da Vara Regional da Infância e Juventude de Pernambuco, Paulo Brandão. Responsável por aplicar medidas socioeducativas para jovens infratores, ele está convencido de que a “excepcionalidade está na medida judicial, na internação, no regime fechado”. As rebeliões e assassinatos de quatro adolescentes só este ano nas unidades da Funase atestam o que o juiz fala com conhecimento de causa: a falência dos centros de ressocialização, na prática, locais que reproduzem a mesma lógica dos presídios.

E ele não está sozinho nesse entendimento. Pelo contrário. A novíssima lei que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), em vigor desde o mês passado, determina em seu artigo 35, que seja dada a “prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas”. Fala também em favorecer “meios de autocomposição de conflitos”. Paulo Brandão faz questão de esclarecer que não se trata de impunidade. De passar a mão na cabeça do infrator e desobrigá-lo da responsabilização do delito. “De forma alguma. A justiça restaurativa é executada dentro da formalidade da lei”, garante.

O adolescente infrator passa por todo o processo legal: é levado para a GPCA (Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente), representado pelo Ministério Público e conduzido até a Vara da Infância e Juventude. É nesse momento, o da aplicação da medida socioeducativa, que são adotadas as práticas restaurativas. E só para os casos em que a equipe técnica identifica serem adequados. O sucesso do novo modelo, no entanto, depende da construção de uma rede inteligente e articulada. “O Judiciário sozinho não faz nada. Precisamos juntar todo mundo, comunidade, escola, família, ONGs, sem heróis ou egocentrismos institucionais. Essa é uma briga coletiva”, alerta Paulo Brandão.

EMBRIÃO - Embora Pernambuco ainda não tenha uma experiência de justiça restaurativa, um primeiro passo já foi dado nesse sentido e com resultados promissores. O embrião do que possa vir a ser a prática da mediação para jovens infratores foi plantado em cerca de 200 colégios do Estado, por meio do Escola Legal. O projeto, criado há dois anos, numa parceria entre Poder Judiciário e Secretaria Estadual de Educação, é baseado no mesmo princípio da justiça restaurativa. Aposta-se no diálogo para gerar a consciência do erro praticado e a construção de uma nova relação no ambiente social.

Professor que atua tanto na rede estadual como municipal de ensino, George Pereira diz que o projeto tem conseguido resultados concretos. “A escola é um depurador social. Ela recebe o aluno com toda a problemática familiar que o acompanha. E isso, muitas vezes, gera sérios conflitos. Nós, professores, não estamos preparados para lidar com essa violência. A mediação feita com a ajuda do Judiciário tem permitido solucionar conflitos e evitar que eles se tornem mais graves”. É a velha máxima de que prevenir é sempre melhor do que remediar.

O primeiro passo para o novo modelo

A criação de um Centro de Pesquisas de Práticas Restaurativas será o pontapé inicial para implantar em Pernambuco a experiência da mediação nos processos de jovens infratores. O projeto já está pronto na mesa do juiz da Vara Regional da Infância e Juventude de Pernambuco, Paulo Brandão, e será encaminhado esta semana ao desembargador Luiz Carlos Figueiredo, coordenador do Centro Integrado da Criança e do Adolescente. A ideia é ter um espaço para estudar o conceito e os vários modelos de justiça restaurativa implantados dentro e fora do Brasil. E, a partir daí, definir o caminho que será adotado em Pernambuco.

Esta semana o assunto entra na pauta das entidades que atuam na área da infância e juventude do Estado. Amanhã e terça-feira, será realizado na Fundação Joaquim Nabuco, no Derby, região central do Recife, o I Seminário sobre Práticas Restaurativas da Justiça Juvenil de Pernambuco. O encontro é promovido pela Fundação Abrinq - Save the Children e Centro Dom Helder Câmara (Cendhec). Especialistas brasileiros e estrangeiros com experiência em justiça restaurativa vão discutir o tema com gestores públicos, juízes, promotores e representantes da sociedade civil.
Entre os participantes está a juíza Vera Lúcia Deboni, da 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e Juventude de Porto Alegre, que desde 2006 adota práticas restaurativas nos processos de jovens infratores. A coordenadora da Fundação Abrinq, em Pernambuco, Ana Dourado, diz que o seminário é pioneiro e chega no momento em que o sistema de internação de Pernambuco dá claros sinais de falência. “É preciso evitar a judicialização excessiva dos processos. As experiências mostram que a mediação ajuda a restaurar vínculos e retomar um projeto de vida para o adolescente de forma muito mais eficiente.”

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Livros & Informes

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