Conceito embrionário no País, a justiça restaurativa é considerada saída para evitar mazelas nos superlotados centros de ressocialização
Publicado em 03/06/2012, às 14h00
Ciara Carvalho
Juiz Paulo Brandão conversa com pais em um colégio municipal do Recife sobre violência juvenil
Hélia Scheppa / JC Imagem
Achar uma solução de consenso, que ajude a restaurar os vínculos e a construir um projeto de vida para o adolescente infrator é, na avaliação de quem lida diretamente com a delinquência juvenil, a saída para enfrentar a violência com uma cultura de paz. “Ou se investe no diálogo, na escola e na família ou vamos enxugar gelo”, defende o juiz da Vara Regional da Infância e Juventude de Pernambuco, Paulo Brandão. Responsável por aplicar medidas socioeducativas para jovens infratores, ele está convencido de que a “excepcionalidade está na medida judicial, na internação, no regime fechado”. As rebeliões e assassinatos de quatro adolescentes só este ano nas unidades da Funase atestam o que o juiz fala com conhecimento de causa: a falência dos centros de ressocialização, na prática, locais que reproduzem a mesma lógica dos presídios.
E ele não está sozinho nesse entendimento. Pelo contrário. A novíssima lei que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), em vigor desde o mês passado, determina em seu artigo 35, que seja dada a “prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas”. Fala também em favorecer “meios de autocomposição de conflitos”. Paulo Brandão faz questão de esclarecer que não se trata de impunidade. De passar a mão na cabeça do infrator e desobrigá-lo da responsabilização do delito. “De forma alguma. A justiça restaurativa é executada dentro da formalidade da lei”, garante.
O adolescente infrator passa por todo o processo legal: é levado para a GPCA (Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente), representado pelo Ministério Público e conduzido até a Vara da Infância e Juventude. É nesse momento, o da aplicação da medida socioeducativa, que são adotadas as práticas restaurativas. E só para os casos em que a equipe técnica identifica serem adequados. O sucesso do novo modelo, no entanto, depende da construção de uma rede inteligente e articulada. “O Judiciário sozinho não faz nada. Precisamos juntar todo mundo, comunidade, escola, família, ONGs, sem heróis ou egocentrismos institucionais. Essa é uma briga coletiva”, alerta Paulo Brandão.
EMBRIÃO - Embora Pernambuco ainda não tenha uma experiência de justiça restaurativa, um primeiro passo já foi dado nesse sentido e com resultados promissores. O embrião do que possa vir a ser a prática da mediação para jovens infratores foi plantado em cerca de 200 colégios do Estado, por meio do Escola Legal. O projeto, criado há dois anos, numa parceria entre Poder Judiciário e Secretaria Estadual de Educação, é baseado no mesmo princípio da justiça restaurativa. Aposta-se no diálogo para gerar a consciência do erro praticado e a construção de uma nova relação no ambiente social.
Professor que atua tanto na rede estadual como municipal de ensino, George Pereira diz que o projeto tem conseguido resultados concretos. “A escola é um depurador social. Ela recebe o aluno com toda a problemática familiar que o acompanha. E isso, muitas vezes, gera sérios conflitos. Nós, professores, não estamos preparados para lidar com essa violência. A mediação feita com a ajuda do Judiciário tem permitido solucionar conflitos e evitar que eles se tornem mais graves”. É a velha máxima de que prevenir é sempre melhor do que remediar.
O primeiro passo para o novo modelo
A criação de um Centro de Pesquisas de Práticas Restaurativas será o pontapé inicial para implantar em Pernambuco a experiência da mediação nos processos de jovens infratores. O projeto já está pronto na mesa do juiz da Vara Regional da Infância e Juventude de Pernambuco, Paulo Brandão, e será encaminhado esta semana ao desembargador Luiz Carlos Figueiredo, coordenador do Centro Integrado da Criança e do Adolescente. A ideia é ter um espaço para estudar o conceito e os vários modelos de justiça restaurativa implantados dentro e fora do Brasil. E, a partir daí, definir o caminho que será adotado em Pernambuco.
Esta semana o assunto entra na pauta das entidades que atuam na área da infância e juventude do Estado. Amanhã e terça-feira, será realizado na Fundação Joaquim Nabuco, no Derby, região central do Recife, o I Seminário sobre Práticas Restaurativas da Justiça Juvenil de Pernambuco. O encontro é promovido pela Fundação Abrinq - Save the Children e Centro Dom Helder Câmara (Cendhec). Especialistas brasileiros e estrangeiros com experiência em justiça restaurativa vão discutir o tema com gestores públicos, juízes, promotores e representantes da sociedade civil.
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