Pesquisar este blog

25 de nov. de 2008

A mediação vítima-infractor e os direitos das vítimas

O apoio à vítima e a mediação



Se quisermos, numa frase, descrever a postura dominante entre os profissionais e organizações de apoio à vítima relativamente à mediação vítima-infractor, podemos dizer o seguinte: esta prática tem vindo gradualmente a merecer aceitação, se bem que com algumas reservas e colocada no seu devido lugar.

As reservas decorrem de todos os aspectos acabados de enunciar, porquanto estes contendem com salvaguardas fundamentais das vítimas no âmbito da mediação: questões como o consentimento livre e informado, a preparação das vítimas ou a adequada formação dos mediadores têm que estar devidamente garantidos sob pena de ocorrência de fenómenos de vitimação secundária.

Quanto ao posicionamento da mediação, os técnicos e organizações de apoio à vítima chamam a atenção para o facto de, na prática, este mecanismo estar disponível apenas para uma escassa minoria de vítimas: sabendo que uma percentagem significativa de crimes não é reportada às autoridades; sabendo que, de entre os crimes que são reportados, apenas nalguns se apura o seu autor; sabendo que, de entre estes, só nalguns se pode recorrer à mediação, em virtude dos critérios, legais ou convencionais, em vigor; e sabendo, por fim, que de entre estes, apenas nalguns os infractores acedem a participar, fica claro que a mediação acaba por ter um campo de aplicação bastante limitado.



Por outro lado, os timings não coincidem, isto é, o momento em que a vítima começa a necessitar de apoio não é sincronizável, por ser obviamente anterior (imediatamente após o crime), com o momento em que a mediação é possível e adequada.

Estas razões demonstram a impossibilidade de a mediação responder, de forma exclusiva, a todas as necessidades das vítimas, pois estas vão muito para além daquilo que pode resultar de um processo de comunicação com o infractor. A mediação vítima-infractor não é apoio especializado à vítima de crime.

Isto não significa contudo um juízo de inutilidade da mediação, pois as suas virtudes relativamente às vítimas são por demais reconhecidas. Deve assim ser perspectivada como um dos instrumentos integrantes de um plano alargado de apoio e assistência que, em conjugação com outros, pode contribuir decisivamente para a ultrapassagem por aquelas dos efeitos resultantes do crime sofrido.



O Victim Support Europe, entidade que congrega organizações nacionais de apoio à vítima existentes na Europa, aprovou em Maio de 2004 a Declaração relativa ao Estatuto da Vítima no Processo de Mediação, na qual, aderindo à justiça restaurativa (enquanto meio de promoção e protecção dos direitos e interesses das vítimas) e reconhecendo o impacto e os méritos da mediação, levanta contudo algumas questões ainda mal ou não totalmente resolvidas e que cumpre acautelar.



Propõe esta Declaração alguns princípios, relativos às vítimas, que devem nortear a mediação:

» A mediação requer o envolvimento da vítima, sendo como tal essencial que os interesses desta sejam plenamente considerados – e o interesse das vítimas tem que começar a ser considerado logo na selecção, quer destas, quer dos infractores;

» O recurso à mediação depende do consentimento livre e informado das partes, devendo reconhecer-se a estas o direito de desistirem a todo o tempo;

» A mediação vítima-infractor difere dos processos de mediação noutras áreas – o processo de mediação vítima-infractor deve incluir a assumpção por este da responsabilidade pelo seu acto e o reconhecimento das consequências nefastas do crime para a vítima;

» É imprescindível que o mediador e outros intervenientes no processo de mediação tenham recebido formação adequada relativamente às problemáticas específicas das vítimas de crimes.



São igualmente preconizados alguns direitos fundamentais das vítimas de crimes no processo de mediação:

» Reconhecimento do seu estatuto enquanto vítimas e protecção da sua posição;

» Informação cabal sobre o processo e possíveis resultados bem como informação acerca dos procedimentos de supervisão da implementação de eventuais acordos;

» Informação sobre onde obter apoio e aconselhamento;

» Disponibilização do tempo necessário para a tomada de decisão e obtenção de aconselhamento (varia consoante o crime e as características da vítima);

» Igualdade de acesso a assistência jurídica antes, durante e depois do processo, assistência que deve estar prevista no âmbito do apoio judiciário;

» Possibilidade de escolha entre mediação directa e indirecta.


Associação Portuguesa de Apoio à Vítima.

Nenhum comentário:

“É chegada a hora de inverter o paradigma: mentes que amam e corações que pensam.” Barbara Meyer.

“Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado opressor.” Desmond Tutu.

“Perdoar não é esquecer, isso é Amnésia. Perdoar é se lembrar sem se ferir e sem sofrer. Isso é cura. Por isso é uma decisão, não um sentimento.” Desconhecido.

“Chorar não significa se arrepender, se arrepender é mudar de Atitude.” Desconhecido.

"A educação e o ensino são as mais poderosas armas que podes usar para mudar o mundo ... se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar." (N. Mandela).

"As utopias se tornam realidades a partir do momento em que começam a luta por elas." (Maria Lúcia Karam).


“A verdadeira viagem de descobrimento consiste não em procurar novas terras, mas ver com novos olhos”
Marcel Proust


Livros & Informes

  • ACHUTTI, Daniel. Modelos Contemporâneos de Justiça Criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
  • AGUIAR, Carla Zamith Boin. Mediação e Justiça Restaurativa. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
  • ALBUQUERQUE, Teresa Lancry de Gouveia de; ROBALO, Souza. Justiça Restaurativa: um caminho para a humanização do direito. Curitiba: Juruá, 2012. 304p.
  • AMSTUTZ, Lorraine Stutzman; MULLET, Judy H. Disciplina restaurativa para escolas: responsabilidade e ambientes de cuidado mútuo. Trad. Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
  • AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de. A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006.
  • CERVINI, Raul. Os processos de descriminalização. 2. ed. rev. da tradução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
  • FERREIRA, Francisco Amado. Justiça Restaurativa: Natureza. Finalidades e Instrumentos. Coimbra: Coimbra, 2006.
  • GERBER, Daniel; DORNELLES, Marcelo Lemos. Juizados Especiais Criminais Lei n.º 9.099/95: comentários e críticas ao modelo consensual penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
  • Justiça Restaurativa. Revista Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 37, Out./Dez. 2006, Editora Almedina.
  • KARAM. Maria Lúcia. Juizados Especiais Criminais: a concretização antecipada do poder de punir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
  • KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional: Desvelando Sentidos no Itinerário da Alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
  • LEITE, André Lamas. A Mediação Penal de Adultos: um novo paradigma de justiça? analise crítica da lei n. 21/2007, de 12 de junho. Coimbra: Editora Coimbra, 2008.
  • MAZZILLI NETO, Ranieri. Os caminhos do Sistema Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
  • MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Fávio. Criminologia. Coord. Rogério Sanches Cunha. 6. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
  • MULLER, Jean Marie. Não-violência na educação. Trad. de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Atenas, 2006.
  • OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A Vítima e o Direito Penal: uma abordagem do movimento vitimológico e de seu impacto no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
  • PALLAMOLLA, Raffaella da Porciuncula. Justiça restaurativa: da teoria à prática. São Paulo: IBCCRIM, 2009. p. (Monografias, 52).
  • PRANIS, Kay. Processos Circulares. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
  • RAMIDOFF, Mario Luiz. Sinase - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - Comentários À Lei N. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. São Paulo: Saraiva, 2012.
  • ROLIM, Marcos. A Síndrome da Rainha Vermelha: Policiamento e segurança pública no século XXI. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2006.
  • ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato Infracional - Princípios e Garantias Constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
  • SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: Introdução a uma Leitura Externa do Direito. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
  • SALIBA, Marcelo Gonçalves. Justiça Restaurativa e Paradigma Punitivo. Curitiba: Juruá, 2009.
  • SANTANA, Selma Pereira de. Justiça Restaurativa: A Reparação como Conseqüência Jurídico-Penal Autônoma do Delito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
  • SANTOS, Juarez Cirino dos. A Criminologia Radical. 2. ed. Curitiba: Lumen Juris/ICPC, 2006.
  • SCURO NETO, Pedro. Sociologia Geral e Jurídica : introdução à lógica jurídica, instituições do Direito, evolução e controle social. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
  • SHECAIRA, Sérgio Salomão; Sá, Alvino Augusto de (orgs.). Criminologia e os Problemas da Atualidade. São Paulo: Atlas, 2008.
  • SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal - O Novo Modelo de Justiça Criminal e de Gestão do Crime. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
  • SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maíra Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (Orgs.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça, 2006.
  • SLAKMON, Catherine; VITTO, Renato Campos Pinto De; PINTO, Renato Sócrates Gomes (org.). Justiça Restaurativa: Coletânea de artigos. Brasília: Ministério da Justiça e PNUD, 2005.
  • SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia Clínica e Psicologia Criminal. prefácio Carlos Vico Manãs. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
  • SÁ, Alvino Augusto de; SHECAIRA, Sérgio Salomão (Orgs.). Criminologia e os Problemas da Atualidade. São Paulo: Atlas, 2008.
  • VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2008.
  • VEZZULLA, Juan Carlos. A Mediação de Conflitos com Adolescentes Autores de Ato Infracional. Florianópolis: Habitus, 2006.
  • WUNDERLICH, Alexandre; CARVALHO, Salo (org.). Novos Diálogos sobre os Juizados Especiais Criminais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
  • WUNDERLICH, Alexandre; CARVALHO, Salo de. Dialogos sobre a Justiça Dialogal: Teses e Antiteses do Processo de Informalização. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
  • ZEHR, Howard. Justiça Restaurativa. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
  • ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2008.