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18 de nov. de 2008

Justiça Restaurativa nas Escolas de Porto Alegre: desafios e perspectivas.

Delitos cometidos em ambiente escolar podem ser resolvidos em reuniões que visam ressarcir a vítima ao invés de punir o infrator.

O furto de um aparelho celular em uma escola brasileira dificilmente teria um desfecho positivo. Seriam grandes as chances de a vítima simplesmente ter de arcar com a perda do telefone, ou de o transgressor, se descoberto, ser indiciado pelo crime e vir a ser preso. Em qualquer dessas hipóteses, o resultado prejudicaria pelo menos uma das partes, seja porque caracterizaria um dano material, seja porque implicaria no ingresso do adolescente que cometeu o delito em um sistema de recuperação que apresenta graves falhas em sua tarefa reabilitar o menor ao convívio social.

Na cidade de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, no entanto, um episódio desse tipo teve um final diferente. O jovem que testemunhou o furto relatou-o à direção da escola, que propôs às famílias da vítima e do acusado uma reunião para tentar resolver o problema. Os envolvidos e seus responsáveis compareceram ao encontro em que estiveram presentes professores e um promotor de Justiça. Durante as conversas, cada parte relatou o acontecido; em seguida, os participantes procuraram esclarecer os motivos que levaram o adolescente a cometer o delito, para evitar que isso voltasse a ocorrer. Ao final, decidiu-se que o celular seria devolvido e que o autor do furto teria uma segunda chance. O acordo foi transcrito em um documento, assinado por todos e encaminhado à Justiça.

O encaminhamento dado ao caso é resultado do projeto Justiça e Educação: Parceria para a Cidadania, apoiado pelo PNUD e idealizado e coordenado por Eduardo Melo, juiz do Juizado da Infância e Juventude da Comarca de São Caetano e vice-presidente da ABMP (Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Juventude de São Paulo). Esse modelo de resolução de conflitos é típico da Justiça Restaurativa — que defende que o infrator deve, primeiro, entender o que ocorreu, conscientizar-se dos danos que causou e assumir a responsabilidade por sua conduta; depois, reparar o dano sofrido pela vítima e restabelecer as relações na comunidade.

O projeto de Melo está sendo implantado em quatro escolas públicas voltadas aos alunos do antigo ginásio — da 5º a 8º série — de São Caetano do Sul que foram selecionadas por seus índices de vulnerabilidade à violência, de evasão escolar e de atendimento do Conselho Tutelar. Em cada uma, funciona um comitê gestor responsável pelas reuniões para a resolução dos conflitos em que participam um juiz de Direito e representantes do Ministério Público, da Secretaria Municipal de Educação, da Diretoria Regional de Ensino, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Conselho Tutelar e da direção da escola.

Também chamadas de câmaras restaurativas, as reuniões visam solucionar conflitos envolvendo crianças e jovens dentro das escolas, em seus arredores ou, em casos específicos, nos bairros mais violentos. O encontro entre os envolvidos e seus familiares é acompanhado por um conciliador — que pode ser um professor ou um aluno previamente preparado para conduzir as conversas. Se aceita por ambas as partes, as câmaras restaurativas podem ser aplicadas desde em casos mais corriqueiros no ambiente escolar, como agressões ou troca de ofensas entre alunos, a casos considerados mais violentos, como roubo e estupro.

Os conflitos ocorridos na área de cobertura do projeto são encaminhados a um promotor, que avalia a possibilidade de instalação de uma câmara restaurativa. Se aceitos por ambas as partes, os ciclos são agendados e realizados com a presença dos envolvidos, das famílias, dos conciliadores e, eventualmente, de advogados. No início de cada encontro, cada um dos jovens relatam o que aconteceu, sob seu ponto de vista. Os participantes procuram então refletir sobre o que desencadeou aquela situação conflituosa. Em seguida, é feita a reparação do dano, se possível, e avalia-se se há necessidade de prestação de serviço público. Firma-se, então, um compromisso que é redigido, assinado e enviado à Justiça.

Segundo Melo, o projeto ainda está “engatinhando”, mas já promoveu cerca de dez câmaras restaurativas e está preparado para trabalhar com casos mais graves. “Até agora foram mais casos de bullying [ofensas generalizadas praticadas contra um aluno], agressão e furto, mas não estamos fechados a casos mais graves, como de roubo e até mesmo de estupro. Nós pretendemos trabalhar também para desmobilizar algumas gangues que se concentram nas portas das escolas”, conta.

O que é Justiça Restaurativa

O sistema de Justiça Restaurativa enfatiza não a punição ao criminoso, mas dois outros aspectos: o que fazer para que o dano à vítima seja minimizado e para que o infrator não volte a cometer o crime.

Esse sistema foi implantado inicialmente na Nova Zelândia há dez anos, e é aplicada em projetos-pilotos no Canadá, na Austrália, na África do Sul e em alguns países da Europa Ocidental. No Brasil, o PNUD apóia três projetos na área.


PNUD. São Caetano do Sul, 27/06/2005

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Livros & Informes

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  • AGUIAR, Carla Zamith Boin. Mediação e Justiça Restaurativa. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
  • ALBUQUERQUE, Teresa Lancry de Gouveia de; ROBALO, Souza. Justiça Restaurativa: um caminho para a humanização do direito. Curitiba: Juruá, 2012. 304p.
  • AMSTUTZ, Lorraine Stutzman; MULLET, Judy H. Disciplina restaurativa para escolas: responsabilidade e ambientes de cuidado mútuo. Trad. Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
  • AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de. A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006.
  • CERVINI, Raul. Os processos de descriminalização. 2. ed. rev. da tradução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
  • FERREIRA, Francisco Amado. Justiça Restaurativa: Natureza. Finalidades e Instrumentos. Coimbra: Coimbra, 2006.
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