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19 de nov. de 2008

Lógica do ganha-ganha na resolução de conflitos




Resolver conflitos através do diálogo, promover o acesso a direitos fundamentais, criar redes de cooperação entre moradores de comunidades violentas é a proposta do Programa Mediação de Conflitos (PMC) desenvolvido pela Secretaria de Estado e Defesa Social de Minas Gerais (SEDS). Desde a sua implantação em 2005, até o mês de agosto de 2008, o Programa Mediação de Conflitos já realizou 48.635 atendimentos, nos 35 núcleos espalhados pelo estado.

O Programa Mediação é instalado nas comunidades de acordo com índices locais de crimes violentos. Em Belo Horizonte e região metropolitana, bairros como Ribeiro de Abreu, com 80 mil habitantes, Taquaril, com 95 mil habitantes, e aglomerados como a Pedreira Prado Lopes, com 12 mil habitantes, por exemplo, ganharam o seu núcleo. No estado, o programa está em Ipatinga, Governador Valadares e Montes Claros. Para o ano que vem estão previstos mais três núcleos.

Segundo a coordenadora do PMC Ariane Gontijo, o programa veio integrar a proposta do estado em promover a segurança cidadã. “Em Minas Gerais nós não temos uma Secretaria de Segurança, mas sim a Defesa Social, porque entendemos que o problema da segurança não passa somente pela repressão do crime, mas por ações integradas das polícias, da qualificação do sistema prisional e de medidas sócio-educativas e as políticas de prevenção”, explica.

O Programa Mediação chega às comunidades integrando ao Núcleo de Prevenção à Criminalidade que possui, dependendo da localidade, outros programas da política de prevenção, tais como o Fica Vivo!, que trabalha com inclusão social de jovens promovendo oficinas de arte e esporte. O Ceapa, que estimula os sentenciados ao cumprimento de penas alternativas ao sistema prisional e o Egressos, que trabalha com a reinserção de pessoas que passaram por este sistema.

Diálogo como prevenção

A mediação pode ser entendida como técnica de resolução pacífica de conflitos. Sua metodologia consiste na promoção do diálogo entre as partes envolvidas num litígio, de modo que estes encontrem a melhor solução para a sua questão, sem a intervenção de um terceiro, mas através da facilitação do diálogo pelos mediadores.

O conflito, nesta técnica, é visto de forma positiva, como possibilidade de transformação da visão das partes, segundo a lógica do ganha-ganha, que significa que numa demanda, as duas partes podem sair vencedoras, ambas com os seus interesses satisfeitos.

No programa, os atendimentos são feitos por uma dupla interdisciplinar composta por um advogado e um psicólogo capacitados semanalmente nas técnicas de resolução pacífica de conflitos.

Segundo a psicóloga e mediadora Eunice Rezende, a mediação é diferente do Judiciário, que se utiliza da lógica ganha-perde, podendo muitas vezes estimular um conflito onde deveria apaziguá-lo. “A mediação estimula que as pessoas conversem e se responsabilizem pela sua demanda. Elas não precisam de um juiz para lhes apontar a solução do conflito. Com isto, as pessoas saem do processo empoderadas, com soluções criadas por elas mesmas e a sua relação preservada”, diz.

Foi o que aconteceu com o casal Rosa e Sebastião que chegaram ao núcleo da Pedreira Prado Lopes encaminhados pela delegacia após registrarem inúmeros boletins de ocorrência em virtude de uma briga de vizinhança. Sebastião quase foi atingido por uma pedra de cinco quilos jogada pelo seu vizinho. Isto porque, segundo ele, o vizinho sentia-se incomodado com a reforma que ele estava fazendo na sua casa, além de temer perder a vista da sua janela por causa da construção. A briga já durava meses.

Convidados pelo Mediação, depois de uma conversa que durou horas, envolvendo familiares e outros moradores da rua, os vizinhos firmaram um acordo. Rosa saiu do núcleo surpreendida: “eu não acreditava que somente conversando nós pudéssemos resolver o problema”, conta.

A metodologia empregada no Programa Mediação foi criada pela Universidade Federal de Minas Gerais, através do Projeto de Extensão Pólos de Cidadania. Segundo a professora Miracy Gustin, idealizadora do projeto, o método não é novo. “Ele foi baseado em literatura nacional e internacional, mas tem as peculiaridades que foram sendo criadas ao longo de oito anos de experiência”, explica.

Dentre as peculiaridades do Programa Mediação em Minas Gerais está a sua atuação em comunidades de baixa renda, que têm pouco acesso à Justiça comum. Segundo Miracy, isto fez com que fossem acopladas à metodologia clássica da mediação figuras que não existiam, tais como a orientação sócio-jurídica dos atendidos, a presença da dupla interdisciplinar formada por um psicólogo e um advogado nos atendimentos e a mediação comunitária.

Moradora da Pedreira Prado Lopes, a enfermeira Elenice dos Santos beneficiou-se da orientação sócio-jurídica prestada pelo programa. Elenice procurou o núcleo a fim de conseguir um advogado para um pedido de pensão alimentícia para a filha de dois anos. Segundo ela, o seu ex-companheiro cumpria com as obrigações, mas ela queria que o valor da pensão fosse descontado na folha de pagamento dele.

Os mediadores então, a orientaram a procurar o núcleo de assistência jurídica de uma faculdade, além de lhe esclarecer todo o procedimento da ação. Elenice conta que, no fundo, queria um serviço de advogado. “Mas a orientação já é um caminho. Ainda mais sendo pertinho da casa da gente”, diz.

Segundo a psicóloca Eunice Rezende, o papel da orientação é muito importante. “Mesmo quando a pessoa é encaminhada, trabalhamos com ela todos os princípios da mediação que é a promoção da autonomia, emancipação e a importância do diálogo na resolução do conflito mesmo no judiciário”, explica.

Outras frentes de trabalho

A mediação comunitária é a atuação do programa no seu viés coletivo. Toda a metodologia do atendimento é empregada para fomentar grupos nas comunidades, orientá-los quanto ao acesso a direitos, acompanhá-los frente a reivindicações junto ao poder público e ainda estimular a formação da rede social para atendimento da comunidade.

O aposentado Ernani Filipe da Cruz procurou o núcleo do Ribeiro de Abreu, após ver uma reportagem sobre o programa na televisão para reivindicar a melhoria das ruas de seu bairro, que estavam esburacadas. “Começamos pelo Mediação. Foi formado um grupo e uma comissão. As técnicas participaram das nossas reuniões. Hoje, a associação tem estatuto, inscrição, a prefeitura está tapando os buracos das ruas e melhorando a passagem”, conta.

Além disso, o PMC trabalha com projetos institucionais e temáticos. Segundo a coordenadora Ariane Gontijo, “quando os técnicos percebem uma recorrência num determinado tipo de demanda, o programa contribui com os projetos institucionais e temáticos que vão atuar nos fatores de risco nessas comunidades”, esclarece.

Um exemplo disto é a parceria que o Mediação fez com o Instituto Albam, especializado em violência contra a mulher, em 2007. Percebidas a recorrência da violência de gênero nos atendimentos, foram criados grupos de discussão orientados por psicólogos do instituto em algumas comunidades para a discussão do tema com os moradores.

Para Ariane, a mediação comunitária também é uma forma de evitar qualquer processo de incriminação. Segundo ela, dentro de uma visão mais ampla da segurança, incriminar não é somente passar pelo sistema criminal formal. “O acesso restrito a direitos já deixam as pessoas criminalizadas”, diz. “Não adianta intervir somente nos crimes, existem espaços em que a pessoa não sofre violência, mas sofre pelas ausências do estado, explica.

Dificuldades

A mudança de uma cultura de paz dentro de comunidades acostumadas à solução dos conflitos de forma violenta é a grande dificuldade apontada pelos técnicos do Mediação, seguida pela falta de uma rede mais completa para os encaminhamentos.

Segundo a advogada e mediadora Juliana Mourão, existe um preconceito ao diálogo. "Os atendidos acham que a mediação é uma conversa informal. Eles já vêm querendo que um terceiro resolva o problema para eles, poucos estão dispostos a participar da construção da solução para o seu caso”, explica. “Além disso, enfrentamos dificuldades para encaminhá-los para uma rede que os atenda satisfatoriamente”, conta.

Para o psicólogo e mediador João Bernardes, a mediação é um processo a médio e longo prazo, porque exige uma mudança que deve acontecer no âmbito cultural nas comunidades. “Na prática, a cultura violenta é muito enraizada. Algumas relações são tão tensas, que não é possível o diálogo. A mediação deve atuar no processo preventivo”, conta.

Ariane Gontijo aponta a mesma dificuldade da cultura do diálogo até mesmo nas instituições. Segundo ela, a lógica do perde-ganha é disseminada política e culturalmente. “A gente pede que um outro resolva os problemas para nós. Quando trabalhamos com a idéia de que nós podemos resolver os nossos problemas, nós exigimos uma reforma em todas as estruturas”, avalia.

A coordenadora, acredita, no entanto, que esta visão tem sido mudada dentro da Secretaria de Defesa Social. “A Seds começa a perceber que o método perde-ganha é pouco efetivo e a mediação é um método possível”, conta.

Segundo ela, outras esferas da secretaria começam a demandar o método da mediação. “O sistema penitenciário começa a perceber nesta uma via possível e as polícias também. Já existe o projeto Mediar em algumas delegacias e o policiamento com viés comunitário, exemplifica.

Os dados de redução de criminalidade violenta na capital mineira também são um estímulo às políticas de prevenção. Segundo dados da secretaria, ele registrou queda de 22,61% no segundo trimestre de 2008 na comparação com o mesmo período de 2007, passando de 102 ocorrências por 100 mil habitantes, para 79 ocorrências por 100 mil habitantes.

Para o crime de homicídio verificou-se redução bastante significativa na capital, da ordem de 35% nas taxas trimestrais médias. No segundo trimestre de 2008, observaram-se dois homicídios por 100 mil habitantes, ante uma taxa média de três ocorrências por 100 mil habitantes entre abril e junho de 2007.

Ariane Gontijo chama a atenção, no entanto, para o significado destes dados. “A redução da criminalidade não é mérito de um programa específico, mas tem a ver com políticas sociais no estado inteiro, uma vez que a defesa social é hoje vista em Minas Gerais de uma forma ampla”, conclui.


Comunidade Segura. Flávia Resende 19/11/2008.

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Livros & Informes

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