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29 de abr. de 2013

Encontramos a cultura do perdão nos cinco continentes

Martinha Garcia, formadora na área da justiça restaurativa

O primeiro curso das Escolas de Perdão e Reconciliação (ESPERE) em Portugal pode não resolver o problema da crise, mas serve para «dar vida à economia e à sociedade», através da promoção dos valores e da dignidade humana, defende uma das formadoras


Martinha Garcia é uma das formadoras que vai estar em Portugal, entre 10 a 19 de maio, para orientar o primeiro curso na Europa das Escolas de Perdão e Reconciliação (ESPERE), promovido pelos Missionários da Consolata. Em entrevista à FÁTIMA MISSIONÁRIA, a religiosa, doutorada em Ciência da Religião, sublinha que uma das virtudes do projeto é conseguir tocar na vida das pessoas. Das mais simples às mais intelectuais. 

FÁTIMA MISSIONÁRIA Como podem as ESPERE contribuir para uma verdadeira Justiça Restaurativa em países como Portugal que vive mergulhado numa crise económica e social? 
Martinha Garcia Sou consciente da resposta simples que posso dar diante da complexidade e abrangência desta pergunta. A Justiça Restaurativa não vem para resolver o problema da crise económica no sentido de criar empregos, aumento de produção e de consumo, mas tem como meta criar o justo e promover a dignidade das pessoas. Nesse sentido sim, vem para trazer vida para a economia e para a sociedade, muitas vezes fixadas em valores que não levam à vida e não se orientam para o futuro. 

FM Trabalha há vários anos como educadora na área de Justiça Restaurativa. Onde exerce esta atividade, de que forma e com que objetivos? 
MG Há seis anos colaboro com uma equipe no programa de Perdão e Justiça no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular na cidade de São Paulo, no Brasil. Este programa inclui as Escolas de Perdão e Reconciliação - ESPERE - e a formação em Práticas de Justiça Restaurativa. Nosso trabalho iniciou-se na periferia da zona sul de São Paulo, considerada uma das mais violentas. Nos nossos cursos participam educadores e educadoras que trabalham com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Há três anos, a Pastoral Carcerária organizou cursos nas várias regiões do Brasil com essa formação e, assim, o trabalho vem se estendendo. Agora iniciamos um trabalho sistemático de formação de agentes do sistema prisional no sul do país. Entre os vários compromissos que temos, recentemente inauguramos um Núcleo Comunitário de Práticas de Justiça Restaurativa. O objetivo deste núcleo é atender casos de conflitos da região e continuar exercitando a arte das práticas de Justiça Restaurativa, visando à transformação do conflito e não a sua judicialização que muitas vezes endurece as posições.

FM Os conceitos base utilizados nas ESPERE são aplicáveis a todos os países ou é necessário fazer ajustamentos? 
MG Os conceitos base utilizados nas ESPERE tocam em estruturas da emoção, do entendimento e do comportamento humano, comuns a nossa cultura. Nos países até onde as ESPERE chegaram, esses conceitos têm sido aplicáveis. Esses países hoje se concentram principalmente na América Latina, mas estudiosos do tema estão também nos Estados Unidos da América e na Europa. Encontramos elementos culturais de perdão e reconciliação também em outras culturas de povos originários presentes nos cinco continentes. 

FM Como tem sido recebido e desenvolvido o projeto no Brasil? 
MG O Brasil foi um dos primeiros países da América Latina onde o Padre Leonel Narvaez, missionário da Consolata, levou as ESPERE. Ainda são experiências germinais para poder falar do Brasil como um todo. A nossa experiência é de uma receção acolhedora e grata, em geral. Um dos valores das ESPERE é trabalhar com metodologia acessível ao público mais simples, mas também atinge pessoas com níveis superiores de formação. Isto acontece, creio eu, porque toca na vida das pessoas. 

FM Portugal é o primeiro país da Europa onde se vai experimentar o conceito. Tendo em conta as diferenças culturais em relação aos países latino americanos que tipo de desafios espera encontrar? 
MG Cada experiência com o curso ESPERE é nova. Cada pessoa é única, cada grupo é único. Vamos com essa abertura para Portugal. Queremos deixar-nos surpreender. Acreditamos na humanidade comum que nos une e na capacidade de aprender e nos enriquecer com os participantes. Nosso saudoso Paulo Freire já dizia, quem ensina aprende e quem aprende ensina.

FM Deve conhecer inúmeras histórias de sucesso em matéria de perdão e reconciliação. Quer partilhar uma que a tenha marcado? 
MG As histórias que conheço são as das pessoas que partilham algo de sua vivência no fim dos cursos. Uma delas foi numa cadeia de São Paulo. Um dos homens que fazia o curso, até ao fim, ficava com olhos baixos e rosto sombrio. No penúltimo dia do curso, desenhou um caminho que fazia com frequência; um caminho que lhe trazia à memória a pessoa por cuja causa estava na cadeia. Ele repetia a palavra traição em relação a essa pessoa que ele tanto tinha cuidado e repetia também: «Eu não perdoo». Após 15 minutos de ser escutado acolhedoramente pelo grupo, enquanto expunha sua dor, começou a levantar os olhos com brilho e disse, colocando a mão no coração, «parece que tem um calor aqui». Depois de um ano encontrei-o novamente na cadeia e voltou a dizer: «Perdoar, não perdoo» mas agora tenho amigos, converso. Seu rosto tinha-se transformado.


Fátima Missionária. 29.04.2013

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“Perdoar não é esquecer, isso é Amnésia. Perdoar é se lembrar sem se ferir e sem sofrer. Isso é cura. Por isso é uma decisão, não um sentimento.” Desconhecido.

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Livros & Informes

  • ACHUTTI, Daniel. Modelos Contemporâneos de Justiça Criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
  • AGUIAR, Carla Zamith Boin. Mediação e Justiça Restaurativa. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
  • ALBUQUERQUE, Teresa Lancry de Gouveia de; ROBALO, Souza. Justiça Restaurativa: um caminho para a humanização do direito. Curitiba: Juruá, 2012. 304p.
  • AMSTUTZ, Lorraine Stutzman; MULLET, Judy H. Disciplina restaurativa para escolas: responsabilidade e ambientes de cuidado mútuo. Trad. Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
  • AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de. A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006.
  • CERVINI, Raul. Os processos de descriminalização. 2. ed. rev. da tradução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
  • FERREIRA, Francisco Amado. Justiça Restaurativa: Natureza. Finalidades e Instrumentos. Coimbra: Coimbra, 2006.
  • GERBER, Daniel; DORNELLES, Marcelo Lemos. Juizados Especiais Criminais Lei n.º 9.099/95: comentários e críticas ao modelo consensual penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
  • Justiça Restaurativa. Revista Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 37, Out./Dez. 2006, Editora Almedina.
  • KARAM. Maria Lúcia. Juizados Especiais Criminais: a concretização antecipada do poder de punir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
  • KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional: Desvelando Sentidos no Itinerário da Alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
  • LEITE, André Lamas. A Mediação Penal de Adultos: um novo paradigma de justiça? analise crítica da lei n. 21/2007, de 12 de junho. Coimbra: Editora Coimbra, 2008.
  • MAZZILLI NETO, Ranieri. Os caminhos do Sistema Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
  • MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Fávio. Criminologia. Coord. Rogério Sanches Cunha. 6. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
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  • OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A Vítima e o Direito Penal: uma abordagem do movimento vitimológico e de seu impacto no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
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