Sempre que um crime capta especialmente a atenção e a emoção de todos, me espanto com algumas reações. Que possamos nos sensibilizar com a dor do outro é esperado e louvável, mas o que as pessoas chamam por aí de sede de justiça tem mais a ver com desejo de vingança.
E se, ao invés de simplesmente punir aquele que nos causou dano, pudéssemos focar na vítima, tentando restaurar o estado anterior das coisas? Quem sabe até com a participação de quem causou o prejuízo, de forma a recuperá-lo também? Essa é a ideia por trás do conceito de Justiça Restaurativa:
“A Justiça Restaurativa é um novo modelo de Justiça voltado para as relações prejudicadas por situações de violência.
Valoriza a autonomia e o diálogo, criando oportunidades para que as pessoas envolvidas no conflito (autor e receptor do fato, familiares e comunidade) possam conversar e entender a causa real do conflito, a fim de restaurar a harmonia e o equilíbrio entre todos.
A ética restaurativa é de inclusão e de responsabilidade social e promove o conceito de responsabilidade ativa. É essencial à aprendizagem da democracia participativa, ao fortalecer indivíduos e comunidades para que assumam o papel de pacificar seus próprios conflitos e interromper as cadeias de reverberação da violência.”
O que se busca é ir além dos papéis tradicionais de vítima e criminoso. É reconhecer que estamos todos confusos e que esses papéis não surgem do éter, do mundo metafísico, de um mal abstrato ou cartunesco.
“A maldade não é algo inerente às pessoas, assim como a gripe não é inerente ao doente. Somos vítimas não exatamente uns dos outros ou de agentes do mal, mas da nossa própria inabilidade, do nosso nervosismo, ignorância, orgulho, preguiça, ciúmes, ansiedade, raiva, tristeza, depressão.
O dito mal é como um surgimento circunstancial e relacional, uma coisa que paira no ar e se instala logo que há chance. E o dito bem, também.” –
Fábio Rodrigues
Que a Justiça Restaurativa não seja confundida com moleza, bondade, permissividade ou tática para reduzir a reincidência criminal. Muitas vezes o sistema tradicional de punição é necessário, nem que seja para tirar da sociedade alguém que está causando mal aos outros – e, em última análise, a si mesmo.
Mas passada a etapa da punição – ou, quem sabe, antes dela – podemos ter a sorte de reconhecer que restaurar é melhor do que simplesmente punir.
Que confrontar o criminoso com a vítima oferece a ele a experiência moral de tomar contato real com o sofrimento causado. Ou alguém acha que jogá-lo num inferno vai fazê-lo refletir sobre algo?
E também que confrontar a vítima com o criminoso permite a ela a experiência do perdão, ou pelo menos, reconhecer que o mal não é algo abstrato que pode acontecer sem aviso, algo bem mais assutador do que o mal humano, passível de manifestação em todos nós. Basta um momento de descuido.
Dito isso, seguem três boas iniciativas de Justiça Restaurativa no Brasil e uma na Índia. Critique-se o quanto quiser, não consigo ver esses projetos como piores do que deixar seres em risco apodrecerem sozinhos.
Papo de Homem. por Tiago Xavier. em 19/02/2013
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