O Brasil precisa enfrentar decisivamente a crença de que ter acesso à Justiça é entrar com processos nos fóruns e tribunais do país. O cidadão que tem direitos violados quer mais do que as portas do Judiciário abertas a suas demandas. Ele busca uma resposta efetiva que recoloque as coisas em seus devidos lugares. E isso pode ser feito no Poder Judiciário ou, preferencialmente, fora dele.
É com esse conceito em mente que o secretário da Reforma do Judiciário, Flávio Caetano, encomendou seis linhas de pesquisa para identificar os problemas que tornam O Judiciário lento e obter soluções para colocar em prática uma política nacional de acesso à Justiça que tenha como um de seus eixos a resolução de conflitos por meio de mediação e conciliação.
Aos 42 anos de idade, Caetano deixou a chefia de gabinete do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e assumiu a Secretaria da Reforma do Judiciário, que fica sob o guarda chuva do Ministério da Justiça, em janeiro passado. De pronto, estabeleceu um canal de diálogo com juízes, desembargadores, ministros e com o Conselho Nacional de Justiça para começar a tatear seu campo de atuação.
O secretário considera que, dos países que compõem os Brics, o Brasil se destaca em termos de segurança jurídica. Para ele, o arcabouço legislativo e a estrutura do Poder Judiciário do país são exemplos, em muitos pontos, para outros países. O problema é a morosidade. E morosidade se resolve com gestão e investimento. “Dos possíveis problemas, a gestão é o menor. Se tivéssemos de mudar o arcabouço legal ou a estrutura do Judiciário, levaríamos mais de um século”, afirmou.
Em entrevista concedida à revista Consultor Jurídico em seu gabinete no Ministério da Justiça, Flávio Caetano contou alguns de seus planos, defendeu a aprovação de linhas de financiamento, via BNDES, para investimentos nos órgãos que compõem o sistema de Justiça e falou da possibilidade de se estabelecer parcerias público-privadas no Judiciário. “Temos de ser criativos”, defendeu.
A criação de uma rede de advocacia popular e a fixação de câmaras administrativas de solução de conflitos em torno de serviços regulados, como energia elétrica e telefonia, dentro das agências reguladoras, são duas das possibilidades de aperfeiçoamento do sistema de Justiça lançadas pelo secretário. A ideia é estudar as possibilidades e, a partir dos resultados dos estudos, conversar com as instituições que possam auxiliar na implantação das soluções. “Não se faz política pública sem diálogo”.
Leia os principais trechos da entrevista:
ConJur — A Secretaria encomendou uma série de pesquisas sobre acesso à Justiça. Qual o objetivo?
Flávio Caetano — A principal preocupação da Secretaria hoje é o acesso à Justiça. Vamos participar e promover alguns eventos sobre esse tema. O primeiro, no Mercosul, possivelmente em novembro, com todos os países integrantes e associados. No ano que vem, pretendemos fazer a primeira conferência nacional sobre acesso à Justiça. A ideia é que da conferência nasça um projeto de política nacional de acesso à Justiça. Para isso, é importante fazer pesquisas. Nossa percepção é a de que, embora o Brasil viva um excesso de litígio com 84 milhões de processos em andamento, ainda há muita gente sem acesso à Justiça. Quando se fala em acesso à Justiça, remete-se ao Poder Judiciário. Mas, muitas vezes, esse acesso pode se dar por mediação extrajudicial. O que importa é que a pessoa que tem um direito violado possa reclamar esse direito. No Judiciário ou fora dele.
ConJur — Acesso à Justiça não significa necessariamente ajuizar processos.
Flávio Caetano — Exatamente. Esse é um termo mais amplo. E ter acesso à Justiça não é só entrar. É sair. O cidadão tem que poder discutir seu direito, mas ter uma resposta efetiva. Para achar os mecanismos corretos, encomendamos pesquisas. Lançamos uma série de editais dentro de uma linha que nós chamamos de “Pensando a Justiça”, para identificar soluções e formular políticas públicas de acesso.
ConJur — O senhor pode dar um exemplo?
Flávio Caetano — Pedimos pesquisas sobre como resolver, na esfera judicial e extrajudicial, conflitos fundiários urbanos e agrários. Isso não está bem resolvido no Brasil.
ConJur — O caso da comunidade de Pinheirinho mostra isso.
Flávio Caetano — É um caso que mostra que o sistema de Justiça não funcionou bem. Deveria estar mais presente, tanto com um trabalho de mediação quanto de solução no momento do conflito. No caso, houve discussões sobre competências, sobre atuações, e aquele fim catastrófico, que não é o que desejamos. Quando nós pensamos nos conflitos agrários, envolvam ou não indígenas ou quilombolas, percebemos o mesmo problema. Nessas situações, quem está presente sempre é a polícia. A polícia como a última força, nem sempre agindo como deve agir. Às vezes, com abuso de autoridade. E o sistema de Justiça, que deveria estar presente para observar direitos, fazer a mediação e resolver o conflito, muitas vezes está de longe. Nossa ideia é fazer uma pesquisa que nos dê diretrizes para aproximar a Justiça dos conflitos.
ConJur — Quais as outras linhas de pesquisa?
Flávio Caetano — Outra é sobre transparência. A ideia é alcançar um sistema de Justiça aberto e transparente. Acaba de entrar em vigor a Lei de Acesso à Informação, que é daquelas leis que o ministro Ayres Britto, presidente do Supremo, costuma dizer que são revolucionárias, que vêm para mudar a cultura. A publicidade passa a ser a regra. Excepcionalmente, nós temos sigilo, ou segredo, e isso atinge a todos os Poderes. Hoje há situações no Poder Legislativo em que votações são sigilosas, atos do Executivo e do Judiciário guardados por sigilo. Mas sigilo deve ser a exceção. A regra é que os atos sejam públicos. Por isso, pedimos uma pesquisa para entender bem qual é o conceito de transparência ativa e qual é o conceito de transparência passiva.
ConJur — Qual a diferença?
Flávio Caetano — Transparência ativa supõe aqueles dados que devem estar disponíveis para consulta a qualquer tempo, sem qualquer requisição. A passiva traria dados que são divulgados a partir de uma provocação do cidadão. O cidadão não precisa mais dizer os motivos ou justificar o seu pedido. Basta pedir. Há um procedimento e prazos para isso. Nossa ideia é estudar mais detalhadamente quais são esses conceitos, como aplicá-los ao sistema de Justiça e analisar como é a prática em outros países.
ConJur — Alguma pesquisa voltada para a defesa de pobres, para a Defensoria Pública?
Flávio Caetano — Vamos estudar também o fenômeno da advocacia popular. Temos hoje um verdadeiro exército de estudantes de Direito no Brasil. Mais de um milhão de pessoas estudando Direito. Há mais de 800 mil advogados no país. Nós percebemos que, em alguns estados, a resistência ao crescimento da Defensoria é proporcional ao número de advogados que atuam como dativos. Se for assim, porque não estudar essa advocacia popular como uma rede que pode complementar a Defensoria? Enquanto nós não temos a Defensoria dos nossos sonhos, que é aquela que esteja à disposição do cidadão que não tem condições de pagar um advogado, podemos ter uma rede de advocacia popular, com advogados capacitados para atender os mais pobres. Não basta dizer que eu tenho um advogado dativo quando esse advogado não está capacitado para me atender.
ConJur — Há uma reclamação recorrente dos defensores de que advogados dativos não dão assistência plena. Como se a advocacia dativa no lugar da Defensoria fosse usar esparadrapo para tratamento de fratura exposta. Ou seja, não resolve e agrava o problema...
Flávio Caetano — O importante é ter em mente que o cidadão não pode ter uma defesa apenas formal. Alguns relatam situação de negativa geral em uma contestação, por exemplo. Não é assim que se faz uma defesa. A defesa tem que ser material, atacar todos os pontos da acusação. No estudo dessa rede de advocacia popular, poderíamos pensar em algo que complementasse o atendimento, mas a partir da Defensoria. A Defensoria seria a senhora do sistema, responsável por capacitar e aperfeiçoar essa advocacia popular.
ConJur — Hoje o sistema de advocacia dativa fica sob o comando da OAB. Ficaria sob a tutela da Defensoria?
Flávio Caetano — Pode-se até pensar em um sistema conjugado, mas necessariamente deveria haver aperfeiçoamento, especialização e capacitação para o atendimento. Não só para as causas, mas para a clientela, que é diferente. Vamos ver o que a pesquisa nos aponta. Queremos também formatar uma Escola Nacional de Mediação. A mediação pode ser uma ferramenta muito importante para combater a morosidade e o excesso de litígio. Com mediação, conciliação e até de arbitragem, as taxas de êxito de resolução de conflitos são muito altas. Na Justiça do Trabalho, chegam a 40%. Alguns dizem que nos Juizados Especiais já chegou a atingir o patamar de 80%, que hoje é mais baixo. As formas de composição podem ser extrajudiciais ou judiciais. Em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, podemos capacitar não só juízes para serem mediadores, mas advogados e leigos de determinadas comunidades.
ConJur — O senhor concorda com a tese de que um acordo razoável é sempre melhor do que a mais bela sentença?
Flávio Caetano — Se a Justiça deve ser contemporânea aos fatos, quanto mais rápida a solução, melhor. Não concordo com a ideia de que a Justiça tarda, mas não falha. Só por tardar, já está falhando. É preciso repensar isso.
ConJur — O que será feito com o resultado dessas pesquisas?
Flávio Caetano — A Secretaria da Reforma do Judiciário é de articulação. A partir dos diagnósticos das pesquisas, vamos elaborar propostas de políticas públicas para aperfeiçoar o sistema de Justiça. Acredito que haverá pontos a serem trabalhados junto com o CNJ, outros com o Conselho Nacional do Ministério Público e outros que podem se transformar em projetos de lei. Isso tem dado certo.
ConJur — Existem exemplos anteriores?
Flávio Caetano — Sim. A Secretaria fez o 3º Diagnóstico das Defensorias Públicas dos estados e constatou que elas aplicam 97,8% dos recursos em custeio. Sobram apenas 2,2% para investir. Ou seja, as defensorias pagam suas contas e não crescem. Com esses dados em mãos, procuramos o BNDES para conseguir uma linha de financiamento para investir nas defensorias estaduais. A proposta foi levada à discussão no Conselho Monetário Nacional e aprovada. O BNDES abriu uma linha de financiamento de R$ 300 milhões para as defensorias dos estados, com o principal objetivo de aparelhá-las. Ou seja, dinheiro para equipamentos, softwares, capacitação e pesquisas. O estado que irá receber menos ficará com R$ 8 milhões. E o que receberá mais, ganhará R$ 12 milhões. A ideia é padronizar o sistema a partir de um atendimento de qualidade em todo o Brasil. É necessário criar um Disque-Defensoria, que deve ser o número 129, como há o 190 da Polícia, que funcione 24 horas por dia. Passa a ser um salto de qualidade nesse serviço que é vital para o cidadão. Ações como essas só se fazem assim, a partir de um diagnóstico. Esse é o modelo que o governo preza: trabalho a partir de dados empíricos, que mostrem a realidade para que, então, se pense em soluções conjugadas com outros órgãos. Não se faz política pública sem diálogo.
ConJur — Do ponto de vista da segurança jurídica, o Brasil é um porto seguro para investidores?
Flávio Caetano — O Brasil é um país rico. No que diz respeito ao sistema de Justiça, o país é bem visto. Em relação aos Brics [sigla que se refere a Brasil, Rússia, índia, China e África do Sul], o Brasil é bem visto por investidores em termos de competitividade. Quando olham para a Justiça brasileira, veem um sistema bem formado, com pessoas capacitadas, juízes membros do Ministério Público, advogados e defensores preparados e que atuam em um poder independente, que não é submetido a outros poderes. A realidade de outros países dos Brics não é como a nossa. O Brasil tem um arcabouço legal bom, leis que são consideradas exemplares em nível mundial. Uma Constituição cidadã. Ou seja, não temos problemas de formação ou problemas legais. Nosso problema é de gestão. Temos um Judiciário moroso e esse é o fator capaz de afugentar investimentos porque gera instabilidade.
ConJur — Ainda assim o país é atraente?
Flávio Caetano — Dos possíveis problemas, a gestão é o menor. Se tivéssemos de mudar o arcabouço legal ou a estrutura do Judiciário, levaríamos mais de um século. O problema está centrado na gestão e precisamos enfrentar isso. O Conselho Nacional de Justiça foi criado para isso. Para ser um órgão correcional, claro, mas principalmente para ser um órgão de planejamento do Judiciário do país. O CNMP também. Cabe ao Poder Executivo colaborar para buscar soluções. Veja essa solução do BNDES para as defensorias dos estados. Por que não pensar em algo parecido com isso para o Judiciário? Para aparelhar os tribunais de Justiça? O CNJ tem hoje o projeto de implantar o processo eletrônico nacionalmente — e não há dúvidas de que o processo eletrônico reduz o tempo de tramitação de um processo. Mas muitos tribunais não têm condições financeiras de implantá-lo. Por que não discutir com o BNDES uma linha de financiamento para os tribunais de Justiça?
ConJur — Mas em vez de buscar linhas de financiamento, não bastaria aumentar o orçamento do Judiciário?
Flávio Caetano — Essa é outra discussão. Nós não atingimos o grau ideal de maturidade institucional quando se fala em autonomia dos Poderes. Acho que a questão dos orçamentos merece um estudo mais aprofundado. Será que o Judiciário tem gasto bem o seu dinheiro? Será tem aplicado mais em pessoal e menos em investimento?
ConJur — Os governos estaduais e o federal não devem se animar em aumentar orçamento quando temos fóruns sem papel higiênico, mas desembargadores recebendo milhões de reais em salários e vantagens atrasadas de uma vez, como mostrou o CNJ...
Flávio Caetano — Alguns doutrinadores dizem que Século XIX foi o século do Parlamento, com as declarações de direito e o fortalecimento do Legislativo. O Século XX foi do Executivo. Dizem que o Século XXI é o século da Justiça, que foi o Poder menos discutido até hoje. Um poder mais hermético, mais fechado e que agora tem que se abrir, que se reinventar. E isso é perceptível no Brasil. Hoje há um interesse maior pela Justiça. As pessoas sabem quem são os ministros do Supremo, coisa que não sabiam até há pouco tempo. Esse movimento oxigena e acho que o caminho normal é que com o tempo se consiga discutir melhor o que é orçamento e a autonomia dos Poderes. Talvez seja possível discutir inclusive fontes próprias de financiamento.
ConJur — O CNJ está discutindo se é possível fazer parcerias público-privadas no âmbito do Poder Judiciário. O que o senhor acha disso?
Flávio Caetano — As PPPs são uma novidade. É uma ideia importada de Inglaterra, Portugal, Espanha, entre outros países. A ideia partiu do fato de que era preciso fazer grandes obras de infraestrutura e o governo sozinho não tinha recursos suficientes para isso e buscou apoio na iniciativa privada. Hoje, temos exemplos de PPPs bem sucedidas até em presídios, em Minas Gerais e Alagoas. O fato é que nós não nos aprofundamos no assunto de parcerias no Poder Judiciário. Mas pode ser uma solução, se bem estudada.
ConJur — Há um fato apontado por críticos das PPPs no Judiciário. Por exemplo, uma empresa que faz parceria com o governo para recuperar uma estrada, depois explora o pedágio como contrapartida. Qual a contrapartida possível de uma empresa que constrói um prédio de um tribunal? E como os processos desta empresa seriam julgados de forma imparcial?
Flávio Caetano — Esse argumento não se sustenta. Uma empresa que ganha uma licitação para construir um fórum, por exemplo, não poderá ter seus processos julgados de forma isenta pela Justiça? Houve o caso do Fórum Trabalhista de São Paulo, emblemático. A empresa envolvida naquele caso não respondeu à Justiça? Respondeu. Qualquer licitação acaba no Poder Judiciário, inclusive concorrências para prestar serviços ao próprio Judiciário. Isso não fere a independência do Poder. Temos que ser criativos. O nosso desafio é de gestão. Parece-me que as PPPs podem ser um instrumento para ajudar neste aperfeiçoamento.
ConJur — Levantamentos apontam que o governo e suas autarquias ainda são os maiores clientes do Judiciário. O INSS é um dos mais ativos clientes da Justiça. O senhor defende a mediação e conciliação como forma de resolver conflitos. O governo não deveria investir em composições extrajudiciais também? Por exemplo, criar postos do INSS apenas para resolver pendências sem que o beneficiário tenha de acionar o Judiciário?
Flávio Caetano — De fato, dados mostram que 51% das ações são oriundas do Poder Público. Nós, do Poder Executivo, temos muita responsabilidade nesse volume de processos. Como autores e demandados. A Advocacia-Geral da União tem feito um trabalho de aprovar súmulas administrativas para deixar de recorrer em temas já pacificados pelos tribunais. Isso é um avanço. O INSS também fez um belo trabalho nesse sentido, mas é preciso aprimorar. As iniciativas são esplêndidas, mas podemos avançar. Por exemplo, uma de nossas pesquisas diz respeito aos serviços regulados. Ou seja, o que é possível resolver dentro das agências reguladoras, de forma extrajudicial, sem que os processos cheguem ao Judiciário. Há um volume grande de litígios nas áreas relacionadas a energia elétrica e telefonia que podem ser resolvidos nas agências reguladoras em câmaras de mediação e conciliação. Nós não temos a ideia de como seria, por isso pedimos uma pesquisa para descobrir quais as possibilidades de fazer isso. Há um enorme contingente de ações que chegam ao Judiciário, principalmente aos Juizados Especiais, que nos parece que poderiam entrar no âmbito das agências de forma administrativa. Há outra preocupação, que é com as execuções fiscais.
ConJur — As execuções fiscais são hoje o maior gargalo?
Flávio Caetano — Execuções fiscais correspondem hoje a 32% das ações no país. Será que isso também não poderia ter uma solução administrativa? O próprio CNJ pediu uma pesquisa sobre execução fiscal, chegou a esses números e quer pensar em alternativas. Se conseguirmos discutir medidas para que as composições sejam mais feitas na esfera administrativa, é um ótimo começo para diminuir o número de litígios no Judiciário. Essa é outra de nossas preocupações. Não é uma atividade fim da Secretaria, mas podemos articular com o governo algumas saídas, porque isso é responsabilidade do Executivo.
ConJur — A Secretaria atua de alguma forma na área legislativa, de aperfeiçoamento da legislação?
Flávio Caetano — A Secretaria de Assuntos Legislativos é responsável por todos os projetos de lei de interesse do Ministério da Justiça. A Secretaria da Reforma do Judiciário atua de forma subsidiária sobre o mérito de questões que envolvam a Justiça. Com isso, acompanhamos as discussões de reforma do Código de Processo Civil, do Código Penal, de aperfeiçoamento das leis de execução penal e do sistema penitenciário. Mas o acompanhamento é subsidiário. O acompanhamento direto é feito pela Secretaria de Assuntos Legislativos. Mas o 3º Pacto Republicano, que se relaciona com o sistema de Justiça, é de nossa responsabilidade no Ministério da Justiça. A ideia é que saia o 3º Pacto. O presidente do Supremo, ministro Ayres Britto, procurou o ministro José Eduardo Cardozo (da Justiça) e disse querer conversar sobre o pacto por acreditar que há ambiente para isso. Seus juízes auxiliares nos procuraram e tivemos uma excelente conversa a partir da ideia do próprio ministro Britto, de que esse pacto privilegie aquelas leis que ele chama de leis revolucionárias. São leis aprovadas, que vieram para mudar a cultura predominante, e que precisam ser reforçadas. São leis como a da Ficha Limpa, de Acesso à Informação, de Improbidade Administrativa, Lei Maria da Penha.
ConJur — Trabalhar para colocar em prática com força um arcabouço legal que já existe. É isso?
Flávio Caetano — Reforçá-lo. Mas esse arcabouço que veio para mudar. Verificar quais são as iniciativas que tramitam hoje no Congresso nacional que digam respeito a esses temas e trabalhar para reforçá-los. Esse é o corte. O ministro da Justiça está entusiasmado com a ideia e o ministro Ayres Britto também.
ConJur — A Secretaria também decidiu atacar a baixa elucidação de homicídios no Brasil. Como é esse projeto?
Flávio Caetano — Um dos principais problemas do país é a baixa elucidação do crime de homicídios. Apenas 8% dos crimes são elucidados, de acordo com dados recentes, enquanto no Reino Unido se elucidam 90%, na França 80%, nos Estados Unidos 65%, o Brasil elucida apenas 8%. O que significa que matar no Brasil vale a pena. É uma situação horrível. De nossa parte, temos que olhar é como essa impunidade acontece no sistema de Justiça. Quais são os problemas na investigação? Quais são os processos que levam a júri? A presidenta Dilma Rousseff pediu que fosse feito um grande programa de combate à criminalidade violenta, com foco na redução dos crimes violentos. O Ministério da Justiça tem feito isso a partir da Secretaria Nacional de Segurança Pública. Há uma parte desse combate que compete à nossa secretaria. Esse projeto está em fase final de concepção, mas diante da situação alarmante de Alagoas, que tem 66 homicídios por cada 100 mil habitantes, número seis vezes acima do máximo aceitável internacionalmente, lançamos o primeiro projeto naquele estado. Mas, como frisou o ministro Cardozo, Alagoas não é cobaia.
ConJur — O que foi efetivamente feito?
Flávio Caetano — Com a ajuda de alguns dos maiores especialistas do país, fomos a Alagoas, entendemos a situação do estado, preparamos o plano e o lançamos. Primeiro, haverá um forte investimento, tanto do poder público federal como do estadual, em investigação, em equipamentos de perícia, contratação de novos peritos, construção de um centro de perícia, fortalecimento do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa, contratação de delegados, de policiais. Enfim, a parte da investigação será efetivamente fortalecida. E formamos uma câmara permanente de monitoramento dos processos, em uma sala criada dentro do Tribunal de Justiça de Alagoas, que vai envolver Judiciário, Ministério Público, Defensoria, OAB, Polícia e nós, do Ministério da Justiça, através da Secretaria de Reforma do Judiciário. Iremos fazer um diagnóstico: quantos processos, não só de homicídios, mas de crimes violentos contra a vida existem, qual é o tempo de duração, quais são as comarcas em pior estado. A partir desse diagnóstico, vamos monitorar e fazer forças-tarefa para que esses processos sejam julgados. Todas as instituições estão engajadas nesse trabalho. O projeto piloto de Alagoas, em seguida, será repetido em todo o país. Isso faz parte de uma estratégia nacional de segurança pública.
Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 22 de julho de 2012
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