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30 de dez. de 2009

Vannuchi detalha terceira edição do Programa Nacional dos Direitos Humanos

Publicado em: 22/12/2009 16:27

Diante do lançamento do terceiro Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3), o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH), Paulo Vannuchi, disse em entrevista exclusiva à Agência Brasil que o programa representa um grande passo, mas ainda há muito mais por fazer.

"Temos muito o que valorizar, mas temos muito ainda para conquistar, porque o cotidiano ainda está muito longe de ser um cotidiano minimamente aceitável. A estrada é muito longa."

Ligado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde a campanha para deputado constituinte em 1986, Paulo Vannuchi, elogia os programas sociais do governo e a rápida recuperação do Brasil diante da crise econômica mundial.

O novo programa contempla as resoluções aprovadas na 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos rea lizada em dezembro do ano passado. Além disso, o documento propõe a formação da Comissão Nacional de Verdade. O colegiado deverá examinar as violações de Direitos Humanos praticadas durante a repressão politica.

Agência Brasil (ABr): Hoje é o lançamento do novo Programa Nacional de Direitos Humanos, o que há de inovador em relação as outras edições?Paulo Vannuchi: A primeira marca desse programa é que ele foi coordenado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos, que é um ministério, mas 30 ministérios assumem a responsabilidade pelas propostas. Nesse sentido, as ações estão sempre acompanhadas de ministérios responsáveis. Outro avanço é que ele apresenta recomendações repetidas vezes aos demais poderes da República, lembrando que a defesa dos direitos humanos tem que ser uma ação conjunta da sociedade e dos poderes públicos e que os poderes públicos envolvem uma participação muito importante do Legislativo e do Judiciário. Uma novidade marcante é o destaque novo ao processo de educação em direitos humanos, que tem cinco eixos: o da formação básica na escola, o da universidade, o da formação do próprio agente do estado, o da mídia e o da educação não formal, aquela que as igrejas, sindicatos, clubes e associações fazem. Além disso, no texto, a segurança pública é abordada como um tema essencial dos direitos humanos, então rompe e supera aquela tradição de que polícia estava sempre associada com repressão política, dos tempos da ditadura. Por último, a ideia de que o programa introduz uma novidade que é um compromisso governamental, para se criar a Comissão Nacional da Verdade com o objetivo de resgatar as informação sobre tudo que se passou no período da repressão ditatorial recente na história do Brasil.

ABr: No eixo contexto e igualdade há uma contemplação ao direito da alimentação. Isso ainda não está consagrado no Brasil, não é mesmo?Vannuchi: Bom, pode não estar consagrado, mas é um dos passos em que o Brasil deu um avanço gigantesco na história do país e do mundo. O país lidera em âmbito mundial a política de erradicação da fome e da extrema pobreza. Isso é uma marca. O Brasil há décadas vivia a questão dessa violência. Josué de Castro já fez livros de geografia da fome, sabia-se de um número de 48 milhões de pessoas não tinha o direito sequer de ter três refeições por dia, e de 2003 pra cá o Brasil criou os programas Fome Zero e Bolsa Família. E se os 48 milhões ainda não estão atingidos, já podemos falar que provavelmente 40 milhões, sim. Se a gente for comparar as diferentes áreas dos direitos humanos, esse setor avançou muito mais do que outras áreas, como a questão do sistemas prisional, da igualdade racial, a questão da violência.

ABr: Sobre a segurança pública, o Brasil ao adotar essa terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos, ainda vai ter espaço para ideias e projetos de "tolerância zero"?Vannuchi: Veja bem, "tolerância zero" é uma proposta, uma informação que mesmo a imprensa brasileira nunca conseguiu explicar bem. A imprensa apresentou como um grande resultado da política do prefeito Rudolph Giuliani em Nova York e sequer conseguiu explicar. O programa Tolerância Zero, quando Giuliani lançou, era para as violações e crimes cometidos por policiais. Isso não foi tratado assim aqui, porque alguns segmentos conservadores reacionários cuidaram de dizer que era sair matando bandido. Hoje a melhor política de combate ao crime, no mundo inteiro, aponta para que haja o reconhecimento que segurança pública é o problema de toda a sociedade, não é só da polícia. Essa polícia está nascendo antes do governo Lula. Cuidaram de introduzir na academia de polícia cursos de direitos humanos e outras mudanças, mas nunca tinha sido passo comparável ao do Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) do Ministério da Justiça. A gente pode mencionar o Espírito Santo como poderia mencionar vários outros estados. Cada vez que chega denúncia, como chegou no caso do Espírito Santo, envolvendo uma situação inaceitável de tratamento aos presos, nós interviemos sempre no esforço de diálogo para fazer a autoridade estadual trabalhar junto com a autoridade federal para superar tal situação.

ABr: Outra coisa interessante no programa é a garantia da participação de comunidades atingidas por grandes empreendimentos na discussão do impacto socioambiental. Que importância tem essa medida?Vannuchi: Direitos humanos no Brasil e praticamente no mundo inteiro vivem a contradição entre o que está na lei e o que é efetivado na prática. Se todas as leis brasileiras, a Constituição Brasileira e os seus artigos fossem inteiramente aplicados, o Brasil seria um país que teria violações de direitos humanos muito esporádicas e ocasionais. As conquistas legais estão dadas, o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] garante a defesa e a proteção da criança e do adolescente e seus direitos ainda não são razoavelmente seguidos no Brasil. As famílias ainda aplicam castigos corporais, abusos sexuais, o Estado não assegura o perfeito atendimento de saúde, de educação, de preparação para a cidadania. Nesse sentido, o programa procura sempre atualizar o balanço do que a lei assegura: políticas para cumprimento das leis e aperfeiçoamento desse sistema de leis. No capítulo sobre desenvolvimento de direitos humanos, nós introduzimos um debate muito importante. Temos empresas como a Petrobras, a Vale do Rio Doce, que compõem uma espécie de orgulho nacional na sua intervenção, produção e comércio em outros países. Essas empresas não podem se colocar ou ser vistas como opostas, inconciliáveis, com o pequeno empreendimento, o chamado desenvolvimento local e territorial. Temos que articular esses dois circuitos da economia, não podemos pensar em realizar o necessário programa energético do país desconsiderando os direitos das populações ribeirinhas, os que serão ou estão sendo atingidos por barragens. E cabe aos direitos humanos liderar esse diálogo, de convencimento interno. O PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] é o programa extremamente necessário e é um orgulho, é uma das razões que leva o Brasil a ser um dos primeiros países a sair da crise de 2008, mas ao mesmo tempo o PAC tem que ser combinado com um conjunto de obras muito menores que vão assegurar esse circuito interior, que é tão importante para a história do país.

ABr: Com o estabelecimento do novo programa, a formação e o funcionamento do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana vai mudar? Outro conselho vai assumir as atribuições do CDDPH?Vannuchi: O programa reafirma a pressão da histórica que há 15 anos tramita no Legislativo brasileiro a transformação do CDDPH em Conselho Nacional dos Direitos Humanos. Eu quero que essa seja uma das primeiras agendas, vou visitar o presidente [da Câmara dos Deputados] Michel Temer. Já visitei ele duas vezes com esse tema. Vou pedir a ele no começo do ano que faça todo empenho, até porque não existe grandes divergências sobre esse assunto, é praticamente uma acordo de lideranças entre todos os partidos.

ABr: O país tem cerca de 100 casos em avaliação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) não sei se esses estão lá, mas há casos muito emblemáticos, como foi o da morte da missionária Dorothy Stang e também a do advogado Manoel Mattos. São casos que o senhor mesmo faz questão de que não sejam esquecidos. Nessa terceira edição, o país está indo para o 13º ano do Programa Nacional dos Direitos Humanos. Por que que essas coisas ainda acontecem a ponto de termos tantos processos?Vannuchi: Primeiro, o número de 100 processos não é um número elevado. Comparado com os demais países é muito pequeno. É um bom indicador para o Brasil. Segundo, são levados ao sistema interamericano casos de violações dos direitos humanos em que o país se revelou desinteressado ou excessivamente moroso ou incapaz de promover apuração, punição e o procedimento reparatório e preventivo para que não se repita mais a mesma violência. Sempre que se leva [um processo ao sistema interamericano] é preciso considerar isso, não o esgotamento dos recursos internos e na dinâmica difícil e delicada da relação entre o Poder Público e sociedade civil. Nem sempre os organismos da sociedade civil se pautam também pela posição mais ponderada. Muitas vezes consideram que é melhor fazer um tensionamento, inclusive político, levando casos que ainda estão em procedimento, com muita possibilidade de solução dentro do Brasil. Então, nesse sentido o sistema interamericano representa uma espécie de diferencial, que obriga o Brasil a melhorar, mas em vários casos o Estado brasileiro obteve um encerramento, porque foi demonstrado que a intervenção dos peticionários era prematura. Estão começando a recorrer pelo sistema da OEA [Organização dos Estados Americanos]como se fosse um segundo Judiciário, o que está errado e tem que ser corrigido. Ele existe exatamente para trabalhar casos como o da guerrilha do Araguaia, que durante duas décadas o Estado brasileiro não trabalhou. Lamentável que tenha ido agora para a Corte. quando pela primeira vez o Brasil começa a cumprir uma sentença judicial federal sobre o Araguaia, pela primeira vez promove uma busca séria, pra valer, por decisão do presidente da República com empenho do ministro da Defesa e participação dos direitos humanos. Esse sistema dos direitos humanos ainda é um sistema em construção e cada um dos participantes dele pode acertar e pode errar.

ABr: Por que ainda há tanta violação no país?Vannuchi: Porque o novo não nasce do novo, o novo nasce do velho e o velho sobrevive e esses se misturam e a mudança vai sendo gradualmente o novo desenho, a nova face. E o Brasil de 2009 já é um país muito melhor do que o de 1988, o ano zero da reconstrução democrática. A nova Constituição Federal estabeleceu, o respeito à dignidade da pessoa humana, a busca de erradicação da fome e da extrema pobreza, o combate às desigualdades sociais e regionais como pressupostos básicos e fundamentos da construção republicana brasileira. Muito melhor 1988 do que 1978, do que 1973 quando se praticava tortura rotineira contra opositor político, violações sexuais, mortes, desaparecimentos e destruição ou ocultação de cadáveres. O Brasil de 2009 tem avanços palpáveis em relação ao de 2003 e o de 2015 terá avanços palpáveis em relação ao ano atual. A situação de direitos humanos é sempre a comparação entre avanços e violações. Então nós temos muito o que valorizar e saudar, mas temos muito mais ainda para realizar, para conquistar porque o cotidiano ainda está muito longe de ser um cotidiano minimamente aceitável. O país está no caminho certo e está caminhando em passos largos, mas a estrada é muito longa.

ABr: O senhor citou 2015 porque vem a revisão do programa ou por motivo de explanação?Vannuchi: Citei como um ano qualquer, mas 2015 ele é um ano possível de revisão do plano, não está definido isso, mas certamente é o ano em que algumas das metas da ONU [deverão ser cumpridas], que os Objetivos do Milênio estabeleceram como prazo. Então costumamos usar 2015 e, no caso do Brasil, tem a vantagem de que será um ano entre a Copa do Mundo e as Olimpíadas do Rio de Janeiro.

ABr: O senhor falou do caráter democrático e interdisciplinar da elaboração e da discussão do programa. O Ministério da Defesa está entre os 30 ministérios que assinam o programa?Vannuchi: O importante nesse passo que está sendo dado é que o Brasil tinha uma espécie de dívida no tema do direito à memória e à verdade. O programa lançado pelo presidente é uma ação de governo, então envolve necessariamente todos os ministérios. O Ministério da Defesa não é um deles, mas participou do seu debate e todas as elaborações, são partes de um consenso construído ao longo de dois anos de trabalho. O governo Lula se compromete no programa a apresentar até abril ao Legislativo um projeto de lei do governo instituindo uma Comissão Nacional da Verdade. Não [há nisso] qualquer sentimento anti-Forças Armadas. Primeiro porque a repressão política não envolveu apenas as Forças Armadas. Segundo, as Forças Armadas têm participado claramente em missões de defesa dos direitos humanos hoje. Terceiro, a redação não é a que eu escrevi, eu gostaria decerto. Assim como não é certamente aquela que o ministro da Defesa teria preferido. Ela é sempre a busca de composição, de um meio termo, de um ponto de acordo que seja concreto e viável.

ABr: Gostaria que o senhor falasse também do que se espera para 2010 no que diz respeito ao direito da verdade e ao restabelecimento da memória do que aconteceu no período militar.Vannuchi: O assunto foi relativamente sufocado se tentou dar como superado numa experiência histórica dolorosa e uma verdadeira democracia não permite esse tipo de bloqueio ou interdição. O debate hoje no governo do presidente Lula se ampliou muito, o balanço de realizações nessa área é muito consistente. Nós lançamos o livro Direito à Memória e à Verdade em 2007, lançamos o debate no Ministério da Justiça em comissão de anistia sobre limites e impunidades de torturadores. Uma interpretação correta da Lei de Anistia de 1979, não o senso comum que foi forjado que tenta ser imposto até hoje. Nós criamos o arquivo Memórias Reveladas, interligação digital de milhões de páginas de documentos, fizemos uma campanha publicitária pedindo informações. Estamos buscando restos mortais no Araguaia, organizando homenagens e memoriais aos que morreram nessa luta. Quando eu falo estamos, quero dizer governos, quero dizer presidente Lula. Uma parte é feita pelos direitos humanos, outra parte é feita pelo Ministério da Justiça, uma parte é a ministra Dilma Rousseff na Casa Civil, o ministro Franklin Martins na Secretaria de Comunicação. Então é uma ação de governo que dá um passo adiante que está voltado para o futuro e não para o passado, é uma questão importantíssima que tem que ser levada ao lado de outras. Não é mais importante, por exemplo, do que o problema que existe hoje de violência contra a criança, contra populações carcerárias, violência em áreas rurais É preciso levar conjuntamente. Nesse espírito de um país que finalmente está encontrando seu caminho histórico, a sua vocação e não ser uma nação periférica e sim uma nação fadada à vida democrática.

ABr: A partir do projeto de lei é que o cidadão comum vai ter direito de acesso aos arquivos ou a partir do ano que vem isso já vai estar franqueado?Vannuchi: O acesso aos arquivos já está amplamente franqueado nos termos da Constituição e da Lei brasileira. Como já citei o Brasil tem um volume de arquivos e documentos da ditadura abertos e nenhum um outro país tem igual. O que nós dizemos é que possivelmente nem todos os arquivos estejam segurados lá, porque é da lógica de criminosos e de ditadores destruírem as provas das suas violências, dos seus crimes. A transição política brasileira se arrastou por muitos anos, houve muito tempo para destruição de arquivos.

ABr: Que expectativa o senhor tem sobre o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito à Lei de Anistia?Vannuchi: A minha expectativa é positiva. A composição atual do Supremo dificilmente decidirá uma sentença em que o assunto da violência está encerrado e não pode mais ser debatido. Se acontecer isso, nós acataremos, mas a minha convicção é de que dentro de alguns anos o sistema judiciário brasileiro estará examinando de novo. Porque só assume esse tipo de posição uma nação disposta a não ter qualquer herança daquela fase em que se falava a gíria "república de bananas". De qualquer modo, se o Supremo decidir, de um jeito ou de outro, a atividade da Comissão Nacional da Verdade guarda completa independência sobre isso e, como formulada no Programa Nacional dos Direitos Humanos, não será uma comissão para punir responsáveis e sim encaminhar às autoridades e poderes todas as suas conclusões. As conclusões serão tomadas ao final de um longo processo de tomada de depoimentos de vítimas, convocação e inquisição de pessoas acusados, mapeamento de locais, instrumentos legais autorizados, apoiadores, estimuladores. As responsabilidades são amplas e têm que ser colhidas muito mais como aprendizado nacional histórico do que uma individualização e o judiciários terá a atribuição de decidir também se faz a atribuição individual e nos diretos humanos não damos lugar para revanchismo. O espírito é de reconciliação, os direitos humanos defende justiça restaurativa, ou seja, quem causou dano promove ações pedindo perdão, pedindo o reconhecimento, busca reparar.

Fonte: JM News.

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Livros & Informes

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