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12 de dez. de 2009

O desafio de mediar conflitos nas escolas

A grande chave do funcionamento da escola é ter pessoas da comunidade trabalhando dentro da instituição.

A grande chave do funcionamento da escola é ter pessoas da comunidade trabalhando dentro da instituição.





Um conflito no ambiente escolar pode funcionar como uma granada e detonar uma verdadeira guerra entre estudantes, professores, funcionários e a comunidade escolar. Mas os conflitos também podem ser sementes de frutos saborosos, que impulsionam mudanças na aprendizagem.
Tudo depende do modo de compreender e gerenciar tais processos. Muitas vezes associados a situações violentas, os conflitos adquirem conotação negativa no ambiente escolar. Podem vir de fora ou brotar dentro das unidades de ensino. Porém, é possível cultivar um clima de paz e de cidadania em meio à hostilidade? É possível transformar os conflitos em momentos de aprendizagem? Diversos atores do cenário escolar procuraram respostas para esta questão no debate realizado no último dia 27, no Museu da República, durante o lançamento do livro "Conflitos na escola: modos de transformar", realizado durante a Primavera dos Livros.
Mediada pelo diretor-executivo do Centro de Criação de Imagem Popular (Cecip) e autor do livro, Claudius Ceccon, a mesa foi composta pela coordenadora pedagógica do Cecip e autora do livro, Madza Ednir; pela coordenadora de projetos do Cecip, Monica Mumme; pela diretora do Colégio Estadual República da Argentina, Regina de Carvalho; e pela secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro, Cláudia Costin.
Diretora do Colégio Estadual República da Argentina, que durante o dia é a Escola Municipal República da Argentina, Regina de Carvalho contou que a maior parte dos 752 alunos atendidos pela escola provém da comunidade do Morro dos Macacos. Durante o dia, a instituição oferece ensino fundamental e, no terceiro turno, o ensino médio.
"Vivemos conflitos que nos são impostos. Não geramos os conflitos externos. Eles nos são colocados e precisamos resolvê-los. Já nossos conflitos internos são os conflitos de classe, raciais, típicos da sociedade", explicou a diretora. Um dos impactos da violência no ambiente escolar, explicou Regina de Carvalho, ocorre no processo de ensino-aprendizagem. "Muitas vezes, temos que liberar os alunos mais cedo. Nossa aula acaba 22h20, 22h15. Mas nós nunca conseguimos liberá-los às 22h20. É sempre mais cedo. E aí o processo ensino-aprendizagem fica prejudicado", completou a educadora.
Um dos segredos para a gestão nestas áreas ser bem sucedida, acrescentou Regina de Carvalho, é estabelecer parcerias e vínculos com a comunidade. "À noite temos conflitos, mas não temos violência. Os funcionários que trabalham à noite na escola são contratados porque falta pessoal. E eles moram no Morro dos Macacos.
A grande chave do funcionamento da escola é ter pessoas da comunidade trabalhando dentro da instituição. Com isso, minimizamos os conflitos", completou a gestora. Já a secretária municipal de Educação, Cláudia Costin, anunciou que o programa Escolas do Amanhã, cuja integralização vai ocorrer em 2010, tem como perspectiva de trabalho a mediação de conflitos e propostas para melhorar a qualidade de ensino em comunidades localizadas em áreas conflagradas da cidade.
Além de anunciar a estrutura do programa e as principais metas do Escolas do Amanhã, Cláudia Costin frisou que a parceria com a sociedade civil vai ser uma marca de sua gestão. "É importante definir claro em uma parceria qual é o papel do Estado e qual é o papel da sociedade civil. Temos um decreto que estabelece qual é o papel do poder público e qual é o papel da ONG. Começamos abrindo a possibilidade de trabalho voluntário e recebemos mais de quatro mil inscrições. Hoje, 850 escolas recebem voluntários. E as instituições decidem se querem ou não trabalhar com voluntários", revelou a secretária de Educação.
Nesse sentido, Costin adiantou que as negociações com o Cecip estão adiantadas e que pretende distribuir o livro "Conflitos na escola: modos de transformar" para as escolas municipais. "Negociamos com o Cecip a forma como eles vão nos ajudar a instaurar um processo de Justiça Restaurativa nas Escolas do Amanhã e, certamente, o livro será adquirido para as bibliotecas. Também queremos firmar uma parceria com o Cecip e com o projeto Centro Cultural da Criança, desenvolvido no Morro dos Macacos. A escola não pode se fechar para a sociedade. Ela é pública, não é estatal", finalizou Cláudia Costin.


Escolas do Amanhã

Evasão elevada e baixo rendimento escolar fazem parte da realidade das escolas localizadas em áreas de risco. Segundo a SME, enquanto o índice médio de evasão na rede é de 2,6%, nas unidades localizadas em áreas violentas, esse índice passa para 5,1%.
Já o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) médio da rede é de 4,5 nas séries iniciais e de 4,1 nas séries finais do ensino fundamental. Nas áreas de risco, o desempenho cai para 4,3 nas séries iniciais e para 3,7 nas séries finais. Uma das alternativas para enfrentar os impactos da violência no ambiente escolar é o programa Escolas do Amanhã, lançado no início do ano.
Nestas unidades, os alunos recebem educação em tempo integral e, no contra-turno, participam de reforço escolar e de atividades esportivas e culturais. O programa adota o conceito de "Bairro Educador", cujo objetivo é transformar a comunidade em extensão do espaço escolar, valorizando os talentos e a cultura locais e integrando a escola com todo o seu entorno. Ao todo, serão beneficiadas 150 escolas, localizadas em 63 bairros da cidade.
As Escolas do Amanhã contarão com programa de Ciências — com manipulação de materiais e equipamentos modernos —, internet em banda larga, bibliotecas e cineclube. O projeto Escolas do Amanhã também estabelece parcerias entre as Secretarias de Educação, Saúde e Cultura. Professores das Escolas do Amanhã têm salário diferenciado e os que atingirem a meta de aprendizagem vão receber bônus de um salário e meio (para as demais unidades do município, o bônus será de um salário).


Experiência no Morro dos Macacos - O Centro Cultural da Criança, inaugurado em dezembro de 2006, é um espaço alternativo para as crianças do Morro dos Macacos. Construído pelo Cecip em parceria com o Centro Comunitário Lídia dos Santos, dispõe de uma biblioteca, uma brinquedoteca, uma videoteca, além de espaços de informática, artes, música, e expressão corporal. No espaço, crianças com idades entre 4 e 10 anos, no contra-turno, brincam e têm acesso a bens culturais normalmente fora do seu alcance.
Esta experiência foi relatada no livro "CCCRIA - Centro Cultural da Criança, O Castelo das Crianças Cidadãs", lançado no último dia 28, também durante a Primavera de Livros. Segundo Claudius Ceccon, diretor executivo do Cecip, o projeto tem condições de se transformar em uma política pública.
"Nesse livro, contamos nossa experiência exitosa, que pode se transformar em política pública. O trabalho do Morro dos Macacos pode ser reproduzida em outras comunidades. As crianças freqüentam o Centro no contra-turno e têm acesso a bens culturais que não estariam a sua disposição de outra maneira. As crianças aprendem a se auto-gerir. Estamos conversando com a Secretaria Municipal de Educação e analisaremos as propostas com carinho", explicou Claudius Ceccon, assinalando a perspectiva de trabalho conjunto com a SME.


Metodologias diferenciadas - Embora não tenha uma receita pronta, o livro "Conflitos na escola: modos de transformar" traz experiências bem sucedidas e conceitos e metodologias para gestores e educadores refletirem sobre as manifestações de violência e as perspectivas de uma cultura de diálogo, de paz.
A obra foi escrita por uma equipe de brasileiros do Cecip, composta por Claudia Ceccon, Claudius Ceccon e Madza Ednir; e por outra de holandeses, do Centro Internacional do Aperfeiçoamento de Escolas (APS): Boudewjin van Velzen e Dolf Hauvast. Depois de o livro estar estruturado, houve uma oficina com professores e gestores das redes públicas do Rio de Janeiro e de São Paulo, que resultou em colaborações, enriquecendo a publicação.
Segundo Madza Ednir, coordenadora pedagógica do Cecip e uma das autoras do livro, a publicação faz parte de um trabalho voltado para a mediação de conflitos. Em 2006, houve a publicação do livro "Os Mestres da Mudança". Contudo, a nova publicação apresenta sugestões e procedimentos objetivos para transformar conflitos em oportunidades de mudança e de aprendizagem.
"Trabalhando em vários lugares do Brasil, notamos que os diretores tinham muitas orientações gerais do tipo ‘sejam participativos’, ‘construam junto com as comunidades’, mas não se especificava como tornar essas grandes idéias práticas. Então, decidimos junto com nossos colegas holandeses criar uma série dedicada especificamente às lideranças educacionais: gestores, lideranças comunitárias e jovens que assumem lideranças dentro das escolas", completou Madza Ednir.


Justiça Restaurativa - Segundo a coordenadora pedagógica do Cecip, a violência surge quando o diálogo é rompido em um conflito. "Conflitos fazem parte do processo de diálogo. O importante é que, ao entrarmos em conflito porque somos diferentes do outro, porque o outro tem necessidades diferentes das nossas, não interrompamos o diálogo.
Precisamos continuar escutando o outro, percebendo suas necessidades e diferenças para chegarmos a acordos que permitam acomodar as diferenças de um e de outro. Assim, o conflito não se transforma em violência", enfatizou a especialista. Por isso, um dos princípios utilizados na mediação de conflitos é a "Justiça Restaurativa". Segundo Madza Ednir, a Justiça Restaurativa parte da idéia de conflito como uma oportunidade de transformação.
"A Justiça Restaurativa procura basicamente reparar e restaurar relações que foram rompidas quando o conflito se transformou em violência. E aí, o diálogo interrompido por meio dos procedimentos da Justiça Restaurativa é retomado. Os processos restaurativos abordam as causas da ruptura do diálogo, que são as causas da violência", observou a educadora.

Alessandra Moura Bizoni. Edição:  Prof. Christian Messias  | Fonte:  Folha Dirigida, 08/12/2009 - Rio de Janeiro RJ


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Livros & Informes

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  • AGUIAR, Carla Zamith Boin. Mediação e Justiça Restaurativa. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
  • ALBUQUERQUE, Teresa Lancry de Gouveia de; ROBALO, Souza. Justiça Restaurativa: um caminho para a humanização do direito. Curitiba: Juruá, 2012. 304p.
  • AMSTUTZ, Lorraine Stutzman; MULLET, Judy H. Disciplina restaurativa para escolas: responsabilidade e ambientes de cuidado mútuo. Trad. Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
  • AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de. A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006.
  • CERVINI, Raul. Os processos de descriminalização. 2. ed. rev. da tradução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
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