Pesquisar este blog

23 de jun. de 2015

Crianças têm de ser educadas para uma cultura de tolerância e paz


Posto que as guerras nascem na mente dos homens, é na mente dos homens onde devem erigir-se os baluartes da paz (ONU)
A intolerância que presenciamos atualmente no Brasil e no mundo com suas profundas desigualdades educacionais, sociais, culturais, econômicas, violência e opressões de todo gênero nos desafia a buscar novos caminhos, métodos de ensino, investimento no preparo dos educadores do país, fortalecimento das famílias, da democracia, da redução das desigualdades sociais, dos espaços de convivência comunitários com a implementação de políticas públicas sérias e eficientes que cumpram as recomendações da Declaração de Princípios sobre Tolerância, da Unesco, aprovada em 16 de novembro de 1995 e incorporem a Cultura de Paz.
Qual é o significado de tolerância? A resposta está no seu artigo 1º - intitulado Significado da tolerância, descreve no item 1.1 “A tolerância é o respeito, a aceitação e apreço da riqueza e da diversidade das culturas de nosso mundo, de nossos modos de expressão e de nossas maneiras de exprimir nossa qualidade de seres humanos. É fomentada pelo conhecimento, a abertura de espírito, a comunicação e a liberdade de pensamento, de consciência e de crença. A tolerância é a harmonia na diferença. Não só é um dever de ordem ética; é igualmente uma necessidade política e jurídica. A tolerância é uma virtude que torna a paz possível e contribui para substituir uma cultura de guerra por uma cultura de paz.”
No seu artigo 4º — intitulado Educação — prevê em seu item 4.1 que “A educação é o meio mais eficaz de prevenir a intolerância. A primeira etapa da educação para a tolerância consiste em ensinar aos indivíduos quais são seus direitos e suas liberdades a fim de assegurar seu respeito e de incentivar a vontade de proteger os direitos e liberdades dos outros.” Ressalta, portanto, que o meio mais eficaz à prevenção de intolerância é a educação.
Visando a implementação da Cultura de Paz no mundo, e levando em conta todos os tratados internacionais afins, em 20 de novembro de 1997,a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a Resolução 52/15, na qual elegeu o ano de 2000 como o “Ano Internacional da Cultura de Paz” e, na sequência, aprovou a Resolução 53/25, de 10 de novembro de 1998, em que proclamou o período 2001-2010 a “Década Internacional para uma Cultura de Paz e não-violência para as crianças do mundo”.
Em 6 de outubro de 1999, por meio da Resolução   53/243, aprovou solenemente a Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz  que em seu artigo 1º, letra ”a” reza: “Uma Cultura de Paz é um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados:  a) No respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não-violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação;”
No item “9” firmou as Medidas para promover uma Cultura de Paz por meio da educação, dentre elas, a) Revitalizar as atividades nacionais e a cooperação internacional destinadas a promover os objetivos da educação para todos, com vistas a alcançar o desenvolvimento humano, social e econômico, e promover uma Cultura de Paz; b) Zelar para que as crianças, desde a primeira infância, recebam formação sobre valores, atitudes, comportamentos e estilos de vida que lhes permitam resolver conflitos por meios pacíficos e com espírito de respeito pela dignidade humana e de tolerância e não discriminação.
O movimento Cultura de Paz foi iniciado oficialmente pela Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura, em 1999, e visa prevenir situações que possam ameaçar a paz e a segurança, dentre elas, o desrespeito aos direitos humanos, discriminação, intolerância, exclusão social, pobreza extrema e degradação ambiental, valendo-se, para tanto, utiliza ferramentas  como a conscientização, a educação e a prevenção.  De acordo com a Unesco, a cultura de Paz “está intrinsecamente relacionada à prevenção e à resolução não violenta de conflitos” e fundamenta-se nos princípios de tolerância, solidariedade, respeito à vida, aos direitos individuais e ao pluralismo.
Por aí se vê, que não basta fornecer educação para todos para se alcançar a tolerância e paz. É preciso que a educação seja de qualidade e para a paz, ou seja, que incorpore uma cultura de paz, efetivando, pois, as recomendações encartadas nas Resoluções da ONU e Declaração da Unesco para a paz. Estamos falando apenas de uma das recomendações para a promoção da paz que é a educação, claro que ela deve ser implantada em conjunto com todas as demais medidas recomendadas: promover o desenvolvimento econômico e social sustentável e o respeito a todos os direitos humanos; garantir a igualdade entre mulheres e homens; promover a participação democrática; promover a compreensão, a tolerância e a solidariedade, destinadas a apoiar a comunicação participativa e a livre circulação de informação e conhecimento; e, para promover a paz e a segurança internacionais.
Cultura de paz exige, portanto, mudança de paradigmas já que os praticados nas últimas décadas revelaram-se equivocados, na medida em que a humanidade e o planeta estão em colapso. É tempo de mudança para que juntos possamos reinventar uma nova forma de viver que nos traga a paz e parte dela já foi delineada pela ONU em seus tratados, Resoluções e Declarações. 
É preciso educar nossas crianças para a convivência em sociedade no regime democrático e isso passa pela obrigatória inclusão de matérias como política e cidadania no currículo escolar. É preciso resgatar a história política do Brasil nas escolas para que as crianças saibam que tudo foi construído com muito sacrifício de pessoas corajosas que enfrentaram os regimes ditatoriais. Não é possível avançar sem resgatar a verdade e instruí-las de molde a que possam entender e vivenciar a democracia com o objetivo de que os regimes de exceção não voltem nunca mais, bem como para que vivam de forma adequada e equilibrada em sociedade. Cada criança brasileira deve se sentir parte de uma grande nação que ainda está em construção com a participação e colaboração de todos, para que tenham um futuro decente e sem violência.
Importante que se resgate e se fortaleça o valor das diferentes famílias, nas escolas e na sociedade em geral na educação das crianças. Toda a sociedade participa dessa educação. Um ser humano não se faz sozinho! Se faz com a participação e o amor da família; com o empenho, preparo e dedicação dos professores e com o compromisso pela paz da sociedade em geral.
A cultura de paz nas escolas e na sociedade, portanto, nada mais é do que o ensino da vida democrática de um povo e do resgate da ética, da moralidade, da igualdade, da honestidade, dos direitos humanos, da cidadania, do respeito às diferenças, da resolução pacífica dos conflitos e da convivência ambientalmente sustentável em sociedade. É a valorização do ser humano em desprestígio do ter humano; a valorização de um estilo de vida fraterno e solidário! É, em última análise, a formação de um ser politizado apto a viver de acordo com os dogmas impostos pela nossa Constituição Federal, autoconfiante para se expressar e conhecedor dos limites legais e das consequências dos seus atos, podendo assim conviver em sociedade com todas as diferenças de cor, raça, credo, sexo, gênero e etc., de molde a não agir com violência, respeitando a si mesmo e aos outros.
Vale lembrar a famosa frase de Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta.” (Long Walk to Freedom, Nelson Mandela, 1995).
O Ministério Público erigido como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”(artigo 127 da CF) tem um relevante papel que lhe foi reservado pela Carta Cidadã de 1988 e deve envidar todos os esforços necessários à efetiva implantação da Cultura de Paz nos moldes recomendados pela ONU. Acredito que podemos ensinar a paz. Esse é o grande desafio do nosso século e a melhor herança que poderemos deixar às futuras gerações.
Sueli Riviera é procuradora de Justiça dos Direitos Difusos e Coletivos, membro do MPD.
Revista Consultor Jurídico, 22 de junho de 2015.

Nenhum comentário:

“É chegada a hora de inverter o paradigma: mentes que amam e corações que pensam.” Barbara Meyer.

“Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado opressor.” Desmond Tutu.

“Perdoar não é esquecer, isso é Amnésia. Perdoar é se lembrar sem se ferir e sem sofrer. Isso é cura. Por isso é uma decisão, não um sentimento.” Desconhecido.

“Chorar não significa se arrepender, se arrepender é mudar de Atitude.” Desconhecido.

"A educação e o ensino são as mais poderosas armas que podes usar para mudar o mundo ... se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar." (N. Mandela).

"As utopias se tornam realidades a partir do momento em que começam a luta por elas." (Maria Lúcia Karam).


“A verdadeira viagem de descobrimento consiste não em procurar novas terras, mas ver com novos olhos”
Marcel Proust


Livros & Informes

  • ACHUTTI, Daniel. Modelos Contemporâneos de Justiça Criminal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
  • AGUIAR, Carla Zamith Boin. Mediação e Justiça Restaurativa. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
  • ALBUQUERQUE, Teresa Lancry de Gouveia de; ROBALO, Souza. Justiça Restaurativa: um caminho para a humanização do direito. Curitiba: Juruá, 2012. 304p.
  • AMSTUTZ, Lorraine Stutzman; MULLET, Judy H. Disciplina restaurativa para escolas: responsabilidade e ambientes de cuidado mútuo. Trad. Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
  • AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de. A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006.
  • CERVINI, Raul. Os processos de descriminalização. 2. ed. rev. da tradução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
  • FERREIRA, Francisco Amado. Justiça Restaurativa: Natureza. Finalidades e Instrumentos. Coimbra: Coimbra, 2006.
  • GERBER, Daniel; DORNELLES, Marcelo Lemos. Juizados Especiais Criminais Lei n.º 9.099/95: comentários e críticas ao modelo consensual penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
  • Justiça Restaurativa. Revista Sub Judice - Justiça e Sociedade, n. 37, Out./Dez. 2006, Editora Almedina.
  • KARAM. Maria Lúcia. Juizados Especiais Criminais: a concretização antecipada do poder de punir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
  • KONZEN, Afonso Armando. Justiça Restaurativa e Ato Infracional: Desvelando Sentidos no Itinerário da Alteridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
  • LEITE, André Lamas. A Mediação Penal de Adultos: um novo paradigma de justiça? analise crítica da lei n. 21/2007, de 12 de junho. Coimbra: Editora Coimbra, 2008.
  • MAZZILLI NETO, Ranieri. Os caminhos do Sistema Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
  • MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Fávio. Criminologia. Coord. Rogério Sanches Cunha. 6. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
  • MULLER, Jean Marie. Não-violência na educação. Trad. de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Atenas, 2006.
  • OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A Vítima e o Direito Penal: uma abordagem do movimento vitimológico e de seu impacto no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
  • PALLAMOLLA, Raffaella da Porciuncula. Justiça restaurativa: da teoria à prática. São Paulo: IBCCRIM, 2009. p. (Monografias, 52).
  • PRANIS, Kay. Processos Circulares. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
  • RAMIDOFF, Mario Luiz. Sinase - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - Comentários À Lei N. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. São Paulo: Saraiva, 2012.
  • ROLIM, Marcos. A Síndrome da Rainha Vermelha: Policiamento e segurança pública no século XXI. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2006.
  • ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato Infracional - Princípios e Garantias Constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
  • SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: Introdução a uma Leitura Externa do Direito. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
  • SALIBA, Marcelo Gonçalves. Justiça Restaurativa e Paradigma Punitivo. Curitiba: Juruá, 2009.
  • SANTANA, Selma Pereira de. Justiça Restaurativa: A Reparação como Conseqüência Jurídico-Penal Autônoma do Delito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
  • SANTOS, Juarez Cirino dos. A Criminologia Radical. 2. ed. Curitiba: Lumen Juris/ICPC, 2006.
  • SCURO NETO, Pedro. Sociologia Geral e Jurídica : introdução à lógica jurídica, instituições do Direito, evolução e controle social. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
  • SHECAIRA, Sérgio Salomão; Sá, Alvino Augusto de (orgs.). Criminologia e os Problemas da Atualidade. São Paulo: Atlas, 2008.
  • SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal - O Novo Modelo de Justiça Criminal e de Gestão do Crime. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
  • SLAKMON, Catherine; MACHADO, Maíra Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (Orgs.). Novas direções na governança da justiça e da segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça, 2006.
  • SLAKMON, Catherine; VITTO, Renato Campos Pinto De; PINTO, Renato Sócrates Gomes (org.). Justiça Restaurativa: Coletânea de artigos. Brasília: Ministério da Justiça e PNUD, 2005.
  • SÁ, Alvino Augusto de. Criminologia Clínica e Psicologia Criminal. prefácio Carlos Vico Manãs. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
  • SÁ, Alvino Augusto de; SHECAIRA, Sérgio Salomão (Orgs.). Criminologia e os Problemas da Atualidade. São Paulo: Atlas, 2008.
  • VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2008.
  • VEZZULLA, Juan Carlos. A Mediação de Conflitos com Adolescentes Autores de Ato Infracional. Florianópolis: Habitus, 2006.
  • WUNDERLICH, Alexandre; CARVALHO, Salo (org.). Novos Diálogos sobre os Juizados Especiais Criminais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
  • WUNDERLICH, Alexandre; CARVALHO, Salo de. Dialogos sobre a Justiça Dialogal: Teses e Antiteses do Processo de Informalização. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
  • ZEHR, Howard. Justiça Restaurativa. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
  • ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2008.