Com a introdução da Mediação de Conflitos em Portugal, começou-se também a falar da Mediação em contexto escolar. O ambiente emocional que se vive neste contexto é uma condicionante para o papel que todos os intervenientes devem desempenhar.
A direcção da escola, os docentes, o pessoal auxiliar e administrativo, os estudantes e os pais não podem alhear-se da construção do ambiente escolar nas suas diversas responsabilidades.
Um programa de Mediação Escolar implica que todos os elementos da comunidade educativa possam intervir de modo a serem ouvidos, numa mudança de cultura e de hábitos de resolução de conflitos. Esta nova forma de lidar com o conflito é necessária às diversas componentes da nossa vida, pois ele é inerente às relações entre pessoas e entre grupos. Infelizmente, as crianças, os jovens e os adultos não possuem as ferramentas necessárias para resolver os conflitos da forma mais benéfica para todos. A escola tem a obrigação e a responsabilidade de formar os estudantes para a vida em sociedade, propondo uma concepção democrática do funcionamento escolar, através da participação de todos os intervenientes, procurando que analisem as suas condutas e que estas possam ter influência na conduta dos outros.
Procura-se a descoberta de habilidades individuais e em grupo, para uma resolução pacífica e criativa dos conflitos. Atente-se, por exemplo, nas palavras do antigo secretário-geral da UNESCO, Federico Mayor Zaragoza, quando diz: “Temos de desarmar a história. Ensinamos aos nossos filhos a história do poder. Não do saber. A da guerra, não a da cultura. História repleta de acontecimentos bélicos, com o ruído das armas como única banda sonora. Temos, pois, de mudar. Sim, temos de aprender a pagar o preço da paz, como tivemos que pagar o preço da guerra. É necessário estabelecer novas prioridades.”
Pequena resenha histórica da resolução de conflitos em contexto escolar
É uma história relativamente curta. O seu início não tem mais de três décadas e tem sofrido um crescimento notável nos últimos anos. Os programas de resolução de conflitos tiveram origem fora do contexto escolar. Na década de 1970, nos Estados Unidos da América, a administração do presidente Jimmy Cárter impulsionou a criação de centros de Mediação Comunitária. O objectivo destes centros era oferecer uma alternativa aos tribunais, permitindo aos cidadãos reunir-se e procurarem uma solução para a questão que ali os levava. Estes programas, que tiveram enorme
êxito, estenderam-se a todos os Estados Unidos e, um pouco mais tarde, a todo o mundo.
Foi no início da década de 1980 que alguns programas de Mediação Comunitária procuraram abarcar também a escola, ensinando os estudantes a mediar conflitos com os colegas. Para Cohen, a transferência da resolução do conflito da comunidade para a escola partiu de quatro pressupostos:
1. O conflito é parte integrante da vida social e pode constituir uma oportunidade de aprendizagem e de crescimento pessoal para os participantes da vida escolar.
2. Já que o conflito é inevitável e inerente aos relacionamentos, a aprendizagem das habilidades para lidar com ele é tão inevitável como o estudo de outras disciplinas.
3. Os intervenientes na comunidade escolar podem, na maioria dos casos, resolver os seus conflitos com a ajuda de outros intervenientes.
4. Constitui uma forma de prevenir futuros conflitos, pois apela a um espírito de colaboração e não a uma cultura de imposição.
Em Portugal, têm surgido algumas experiências em Mediação Escolar, que terão sido iniciadas no final do séc. XX. A maioria destas experiências é centrada no aluno e alheia-se da comunidade escolar no seu todo. Por isso, tem terminado ao fim de dois/três anos por não conseguir gerar uma mudança de paradigma na área escolar, levando à manutenção de uma cultura de imposição.
Porquê a Mediação em contexto escolar
A aplicação de medidas, como os processos disciplinares ou as sanções, não dá uma resposta adequada, pois gera insatisfação nos intervenientes, desgastando-os emocionalmente. Muitas vezes, gera novos conflitos, pois os intervenientes não encontram os canais adequados para os gerir. Esta insatisfação afecta toda a instituição escolar, levando os alunos a sentirem que os adultos que trabalham na escola transmitem valores contrários aos da participação responsável e ao protagonismo crítico e transformador da sociedade. A escola acaba por adoptar determinados modelos administrativos que nem sempre alcançam os resultados desejados.
Abordar os conflitos escolares através da Mediação permite criar um sistema onde o conflito é encarado como natural, sendo dado protagonismo aos intervenientes para que o possam resolver. São estimulados os valores da solidariedade, tolerância, igualdade, bem como um juízo crítico, que promove a capacidade para inovar com a procura de novas soluções. Com a Mediação dá-se realce a princípios básicos como a cooperação, a co-responsabilidade e o respeito, lutando-se, desta forma, contra a instabilidade emocional que afecta os intervenientes na organização que é a escola.
Para que seja possível a implementação de um programa de Mediação de conflitos escolares, é necessário que sejam trabalhados diversos conceitos, como, por exemplo:
- Cooperação: os intervenientes na comunidade escolar aprendem a trabalhar juntos, a confiar, a ajudar e a partilhar com os outros intervenientes. Enquanto a cultura dominante leva a que os indivíduos procurem ganhar em vez de resolverem o problema, com a Mediação procuramos mudar a conduta individual. Os intervenientes na comunidade escolar devem trabalhar em conjunto para alcançar finalidades comuns. Deste modo, pensam a longo prazo, pois estabelecem regras de convivência para o futuro ao comunicarem de modo franco e preciso, procurando informar o outro e ser informado. Estabelecem a confiança como base comunicacional e estão dispostos a ouvir desejos, necessidades e pedidos do outro. Reconhecem o interesse em encontrar soluções que satisfaçam as necessidades de ambas as partes, definindo os conflitos como problemas comuns que devem ser solucionados para uma satisfação mútua.
- O conflito: devemos ensinar os alunos e os adultos a identificarem quando estamos ou não perante um conflito. Os conflitos são inevitáveis. Devemos é procurar administrá-los de forma construtiva. Se o conseguirmos fazer,
a) Todos os intervenientes saem satisfeitos com o resultado;
b) As relações fortalecem-se e melhoram;
c) Aumenta a capacidade para resolver futuros conflitos;
d) A atenção é canalizada para a resolução dos problemas atendendo às necessidades individuais;
e) Permite conhecermo-nos a nós próprios e saber quais os valores pelos quais nos regemos;
f) Ajuda-nos a compreender a outra pessoa e os seus valores;
g) Eliminamos ressentimentos e permite-nos expressar sentimentos positivos;
h) Permite-nos libertar as emoções (como ira, angústia, insegurança e tristeza). Não reprimir as emoções permite uma mente mais clara e saudável;
i) Permite-nos obter uma visão mais clara sobre os nossos interesses, compromissos e valores;
j) Trazemos novas metas e uma maior variedade à nossa vida.
- Comunicação: os intervenientes na comunidade escolar aprendem a observar cuidadosamente, a comunicar com precisão e a escutar sensivelmente.
- Respeitar a diversidade: os intervenientes na comunidade escolar aprendem que as pessoas são diferentes e que todos podemos ter entendimentos diferentes sobre determinada questão.
- Expressar as emoções: os intervenientes na comunidade escolar aprendem a expressar os seus sentimentos de forma não agressiva e não destrutiva e a autocontrolar-se.
- Resolução de conflitos: os intervenientes na comunidade escolar aprendem a utilizar algumas habilidades para resolverem criativamente alguns conflitos. Devem procurar negociar cooperativamente com o outro. Caso não seja possível, devem procurar recorrer a um terceiro (Mediador) que os ajude a mediar os conflitos com os companheiros.
Quando iniciamos a implementação de um projecto de Mediação Escolar temos de:
• Identificar as necessidades das instituições que vão beneficiar com o programa.
• O êxito do programa requer o apoio total da comunidade educativa.
• Há vantagens em ter professores treinados em Mediação de conflitos.
• É benéfico que esteja estabelecido de início:
- Quem poderá ser treinado em Mediação;
- Que disputas podem ser objecto de Mediação;
- Horários em que a Mediação poderá ser levada a cabo;
- Como serão encaminhados os casos para a Mediação;
- Quem coordena o programa dentro da escola.
• Um programa de formação em Mediação de conflitos delineado.
• A visualização de que o programa poderá trazer uma melhor organização para a escola.
Deste modo, Moore refere que um programa de Mediação Escolar global pretende:
1. Um programa de Mediação entre colegas, que trata de conflitos entre estudantes (dimensão horizontal), entre estudantes e adultos (dimensão vertical) e entre adultos (dimensão horizontal).
2. Os pais aceitam o programa, usando as habilidades em casa, dando apoio constante aos filhos.
3. A direcção da escola, os professores, o pessoal auxiliar e administrativo aceitam o programa, usando os princípios da Mediação, implementando-o e dirigindo os conflitos para a Mediação.
4. Ensinam-se todos os estudantes, na aula, a resolver conflitos através da comunicação eficaz e do desenvolvimento de habilidades pessoais (Mediação entre-pares).
5. Os adultos procuram resolver os seus conflitos através da Mediação (conflitos entre professores, entre professores e pais, etc., com recurso a Mediadores externos à instituição).
Com a Mediação procuramos alcançar a cooperação, que é definida por Deutsch como a situação em que os objectivos dos indivíduos são estabelecidos de tal forma que para que o objectivo de um deles possa ser alcançado, todos os demais integrantes deverão igualmente alcançar os seus respectivos objectivos. Para que um beneficie, todos devem beneficiar.
Bibliografia
Aldenucci, L. (2000), Estudo sobre conflitos nas organizações, Curitiba.
Alzate Saez de Heredia, R. (1998), “Análisis y resolución de conflictos. Una perspectiva psicológica”, Servicio editorial de la Universidad del País Vasco.
Boqué Torremorell, M.C. (2003), Cultura de mediación y cambio social, Editorial Gedisa, Barcelona.
Boqué Torremorell, M.C. (2005), Tiempo de Mediación, Editorial CEAC educación, Barcelona.
Brandoni, F. (Comp. 1999), Mediación escolar. Propuestas, reflexiones y experiencias, Editorial Paidós, Buenos Aires.
Cohen, R. (1995), “Student resolving conflict”, GooYearBooks.
Johnson, D.W., e Johnson, R.T. (1999), Cómo reducir la violencia en las escuelas, Editorial Paidós, Barcelona.
Moore, M., e Thorpe, V. (1996), Using Conflict Resolution for Whole School Change, San Francisco.
Torrego, J.C. (2000), Mediación de conflictos en instituciones educativas. Manual para la formación de mediadores, Editora Narcea, Madrid.
Vezzulla, J. C. (2005), Mediação, Teoria e Prática. Guia para Utilizadores e Profissionais, 2.ª edição, Ministério da Justiça de Portugal.
Vezzulla, J. C. (2006), Adolescentes, Família, Escola e Lei: A Mediação de Conflitos, Ministério da Justiça de Portugal.
Pedro Morais Martins, Mediador de Conflitos e Vice-Presidente do IMAP - Instituto de
Mediação e Arbitragem de Portugal.
Fonte: Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios
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