Tribunal de São Paulo passou a adotar modelo de “justiça restaurativa” para evitar alto número de internações de menores
O Tribunal de Justiça de São Paulo passou a adotar, já no fim de 2016, o método conhecido como “justiça restaurativa” para resolver conflitos envolvendo adolescentes infratores na capital paulista. Nesse modelo, agressor e vítima são colocados frente a frente, numa roda, para que o primeiro entenda os traumas e as consequências do seu ato de violência. Depois, as partes tentam entrar em acordo para que o adolescente repare sua infração. Um dos objetivos é reduzir o número de medidas socioeducativas aplicadas a jovens envolvidos em casos de agressão, bullying e furtos.
Apenas nos cinco primeiros meses do ano passado, a Polícia Militar realizou, em média, uma apreensão em flagrante a cada três horas na capital. Nesse período, foram 1.333 casos, ou pouco mais de 10% do total registrado na cidade. Normalmente, quem comete infrações mais graves, como nos casos de roubo, é alvo de outras ações, como internação na Fundação Casa. A justiça restaurativa subverte a lógica da punição como forma de combate à violência. Para juízes e promotores da área, encarceramento nem sempre funciona, pois a pena é vista como uma ‘dívida’ a ser paga, e não há reflexão sobre as transgressões.
“A pessoa é presa e não vê sua responsabilidade. Diz ‘vou pagar minha pena e sair zerado’”, afirmou o juiz Egberto Penido. Na 1ª Vara da Infância e Juventude, no Brás (centro), onde atua, ele faz 20 audiências por dia. “O sistema punitivo não tem sido eficaz. Basta ver os altos índices de reincidência em nossos presídios.”
A justiça restaurativa começou a ser aplicada em 2006, em cidades do Estado de São Paulo, no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal. Na capital paulista, iniciou com casos de menor gravidade da Brasilândia, na Zona Norte. Policiais e professores de nove escolas foram treinados com conceitos do modelo ao longo deste ano. Agora, o tribunal e o Ministério Público de São Paulo esperam expandi-lo para outros locais e aumentar o alcance das infrações - poderia ser aplicado em roubos, normalmente em casos sem reincidência.
Consciência
O procedimento da justiça restaurativa começa com uma consulta à vítima do crime. Técnicos do TJ perguntam se ela aceita participar de um “círculo restaurativo”. A reunião é uma espécie de autoanálise com participação do infrator, vítima, parentes e membros da comunidade. O juiz não comparece. Nesse encontro, a vítima conta os prejuízos e traumas causados pela ação. Por sua vez, o infrator tenta explicar suas motivações -seus parentes contam um pouco da história de vida da família
Depois dessa fase, chega-se a um acordo de reparação.
Um jovem acusado de furto pode, por exemplo, ter de devolver o valor subtraído, participar de projetos sociais ou fazer uma campanha de conscientização na escola sobre os perigos da criminalidade.
“Tomar consciência dos seus erros e dos danos que causou ao outro é um processo doloroso”, disse Marcelo Salmaso, juiz em Tatuí, (a 150 km de São Paulo). “Há pessoas que desistem e pedem para serem julgadas normalmente.” Tatuí, utiliza o modelo desde 2013. O método usa o conceito de corresponsabilidade, ou seja, não só o infrator é o “culpado’ por uma transgressão, mas toda a sociedade.
“Se um adolescente faz bullying, ele é o único culpado? Será que a escola fez conscientização? Será que os pais conversam com ele? Será que ele mesmo já não foi vítima?”, afirmou o juiz. Tatiana Callé, promotora da infância em SP, tem esperança de que o sistema reduza a criminalidade. “Muitas vezes, o adolescente vai deixar de praticar infrações mais porque tomou consciência do mal que causou do que pelo medo da punição”, afirmou.
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