A Justiça Restaurativa, também designada de cultura da paz, é constituída por meio de procedimentos que aspiram à conciliação entre vítimas e agressores em crimes menos ofensivos.
O alvo da Justiça Restaurativa é promover o diálogo entre infrator e vítima. É conduzir o infrator à reflexão sobre as consequências lesivas produzidas por sua conduta delituosa à pessoa da vítima e a si mesmo, abalando também o contexto social, e oferecer a ambos uma chance de dar às suas condições de vidas outro rumo e dessa forma contribuir para a pacificação social.
A vítima, por sua vez, terá oportunidade de superar o trauma causado pelo delito e de se livrar da amargura que, em regra, tende a se transformar em ódio (doença emocional), que poderá se tornar crônica, infiltrando-se na mente e irradiando para os pensamentos e sentimentos. Esse ódio, quando contido, represado, pode provocar muitas doenças (inclusive câncer) e desencadear outras patologias. Quando não administrado adequadamente, esse tipo de sentimento redunda quase sempre em tragédias, fato que a sociedade infelizmente parece já estar se acostumando a ver todos os dias nas manchetes da mídia populista.
Os sentimentos merecem maior atenção dos pais, educadores e poder público porque o crime, em regra, é o resultado de um trauma gerado por algum tipo de sentimento que foi banalizado, não tratado.
Nosso interesse na Justiça Restaurativa consiste no fato de que ela não objetiva apenas a reparação do dano ou da ofensa, mas também a busca de uma solução do conflito pelo diálogo, cujo objetivo é desfazer a cultura da guerra, da revanche, da vingança e construir uma pacificação que começa de dentro para fora, sarando feridas psicoemocionais, sem, no entanto, deixar de questionar a eficácia da aplicação da medida punitiva prevista para a infração (ato infracional ou infração penal) cometida e garantir sua aplicação. Dentro deste contexto, a medida punitiva (o castigo proporcional) é pedagógica e altamente terapêutica.
O ponto forte e importante na Justiça Restaurativa (JR), na nossa avaliação, é o seu compromisso de persuadir o infrator da necessidade de mudança por meio da reflexão e análise do seu comportamento destrutivo e conduzi-lo ao entendimento da sua conduta delituosa e, assim, permitir-lhe a oportunidade de mudanças que darão ao seu destino outra dimensão. É justamente nesse ponto que a JR se ajusta como luva à Educação Restaurativa.
Não vejo outra saída para a violência que temos presenciado, principalmente entre jovens de baixa renda, que não a via da Educação Restaurativa. Nos programas de restauração de pessoas dependentes em SPA e ou delinquentes, que dirijo a mais de três décadas, recorri às praticas restaurativas intuitivamente, como acredito que tenha acontecido com milhares de outras pessoas no Brasil e no mundo.
Diálogo, arrependimento, perdão, disciplina, garantia da reparação da lesão ou do crime são os elementos fundamentais da JR, que tem alcançado êxito e propiciado o retorno da harmonia na comunidade de origem da ofensa ou do delito.
O que denomino de Educação Restaurativa é a utilização de um conjunto de ensinamentos (conhecimentos) que pertencem a outras disciplinas, formando um conteúdo multidisciplinar, novo, cujo objetivo é atender o ser humano como um todo, visando e focando no equilíbrio mental, psicoemocional, espiritual e também físico da pessoa da vitima, do ofensor e da própria comunidade.
Dentro deste contexto também são utilizadas as técnicas da Inteligência Emocional e o estudo das diferentes faces que formam a personalidade. Estas informações ensinadas ao ser humano lhe permitirá reforçar seus talentos e exercer o controle na gestão dos seus impulsos e ter domínio sobre as emoções, base das grandes tragédias. Entretanto, em minha opinião dentro do contexto da JR, não há tempo hábil nem espaço físico apropriado para uma reflexão mais profunda indispensável para analise e cuidados dos traumas mais profundos com vistas a suas soluções, fato que seria perfeitamente possível dentro da Educação Restaurativa que, ao invés de ser uma sequência predeterminada de procedimentos administrativos como acontece na JR teríamos melhores condições de analisar e trabalhar mais profundamente os conflitos existenciais e suas causas dentro de um ambiente escolar através da imprescindível ajuda multidisciplinar dando ênfase a disciplina como matéria da grade do currículo da ER sem no entanto esquecer as matérias humanistas.
Também faz parte desse currículo restaurativo, na formação do SER, princípios espirituais tais como o amor, tolerância, alegria, paz, generosidade, benignidade, bondade, constância, mansidão e domino próprio. O conjunto desses ensinamentos humaniza o Ser Humano. Transformar vidas de perversos e pervertidos.
É possível! Por mais que, para muitos, pareça uma proposta repulsiva e até fantasiosa.
Como já alertei, a JR vem sendo utilizada com êxito na reconciliação de vítimas e agressores em crimes menos ofensivos. Entretanto, em razão da experiência e intenso diálogo com colegas que atuam na mesma área, estou convencida de que a JR poderá ser utilizada também com êxito na maioria das modalidades de crimes, incluindo o delinquente adulto, desde que dentro do âmbito da Educação Restaurativa que oferece maior oportunidade em razão do leque de disciplinas e saberes que utiliza e da maior disponibilidade de tempo investido na capacitação de um novo modelo de viver e existir.
Acredito que a dificuldade de expansão da JR no país é uma questão cultural que precisa ser enfrentada. O brasileiro entende que justiça é vingança, revanche, punição extrema, dentre essas hipóteses, a justiça com as próprias mãos, a pena de morte e torturas fatos hoje incentivados pela mídia populista e admitidas pela nossa sociedade (nesse sentido, Zaffaroni e L.F. Gomes).
Também acredito que dentro do contexto escolar haja mais motivação que tem influencia direta na autoestima para aprendizagem de novo modelo de vida. A palavra presídio pelas suas próprias práticas já estigmatiza para sempre a todos quantos um dia passar por ele. Estamos ouvindo ruídos de que novos modelos de presídios serão construídos para abrigar infratores presos dependentes em SPA. Paradoxo? Diante da nova posição conferida ao dependente químico e das mudanças que advirão em razão da reforma do Código Penal é o que nos sugere à primeira vista a proposta dos referidos presídios.
Em minha opinião estamos precisando mesmo é focar na ressocialização, em especial da criança e do adolescente que sempre esteve bem aquém do que é proposto pela lei razão pela qual estamos presenciando deformações sociais e convivendo com um patamar de mortes inaceitáveis.
A ressocialização é um direito do preso menor ou maior garantido pela lei. A pena é uma punição sim, é a resposta do Estado, que detém o direito de punir, a quem descumpri a lei, mas sem o caráter pedagógico continuaremos a permitir barbáries e promover o que denomino de “O Holocausto Brasileiro”.
Estou certa que essa cultura vem ganhando espaço cada vez mais, devido à banalização do Governo com os Programas de Políticas Públicas de Ressocialização, por décadas inoperantes, verdadeiro instrumento de reforço à reincidência.
O objetivo principal do Estado deveria ser, não apenas a punição, mas a conscientização sobre o erro e a busca incessante e adequada da ressocialização e da inclusão do recluso na sociedade. O Governo, entretanto, se deixa levar pela pressão da sociedade (poder econômico) e também pela mídia populista e deixa de cumprir seu papel primordial de gerir para o bem de todos a parcela da nossa liberdade que lhe foi cedida com o objetivo exclusivo de que fosse assegurando o bem de todos sem fazer acepção de pessoas.
A inexistência de uma ressocialização operante tem sido a causa dos desmandos, torturas, e mortes, muitas mortes de crianças e adolescente o que denomino de “ O Holocausto Brasileiro” e precisa ser resolvido como prioridade para que possamos nos declarar uma democracia.
Sei que esse assunto é evitado e causa desconforto, porém entendo que essa bandeira precisa ser levantada e priorizada e de sua resolução aproveitará um país inteiro. Um coisa é certa: o Governo precisa cumprir seu papel sem se pautar pelo que acha os poderosos e a mídia populista para fazer cessar as mortes.
Parafraseando J. Kennedy: “o segredo do sucesso eu não sei, mas o da derrota é querer contentar a todos.” Enquanto o Governo não fizer sua parte e deixar de querer satisfazer apenas a vítima, jamais alcançaremos um patamar aceitável de mortes principalmente do infanto-juvenil.
Conceição Cinti, colunista JusTocantins - 19/09/2012