O juiz Sidinei Brzuska, designado para fiscalizar as casas prisionais da Região Metropolitana de Porto Alegre, confirma que esta situação faz com que os apenados não recebam o tratamento adequado dentro do sistema. “Misturamos presos perigosos com não perigosos, reincidentes com não reincidentes, condenados com provisórios, e colocamos tudo num presídio, muitas vezes sob o domínio de facções criminosas.”
O resultado disso, segundo ele, é a reincidência no crime. “A sociedade aqui fora, ao fim e ao cabo, acaba pagando essa conta”, conclui.
Na visão do magistrado, o simples cumprimento de requisitos básicos da Lei das Execuções Penais poderia alterar esta situação. “A mídia noticiou como funcionam presídios da Espanha e da Inglaterra. Muitas pessoas ficaram maravilhadas. Ora, temos uma legislação prevendo exatamente isso há 25 anos e que não é cumprida”, comenta.
Mas há outro caminho que também pode ajudar a superar o entrave da superpopulação carcerária: investir mais fortemente na aplicação de penas e medidas alternativas como forma de punição. Essa diretriz foi definida na 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública.
Delegados de todos os cantos do País apontaram como prioridade a criação de um Sistema Nacional de Penas e Medidas Alternativas, no âmbito do Poder Executivo, para estruturar e aparelhar os órgãos da Justiça Criminal. Priorizar a Justiça Restaurativa e a mediação de conflitos também está entre as propostas.
No Rio Grande do Sul, desde junho de 2001 funciona no Tribunal de Justiça a Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas (Vepma). É nela que são julgados processos envolvendo crimes de menor gravidade, cujas penas previstas são inferiores a quatro anos de reclusão – desde que não tenham sido praticados com violência ou grave ameaça a outra pessoa. Como exemplo, a Vepma analisa crimes ambientais e de trânsito, furto, roubo, estelionato, lesão corporal, homicídio culposo, desacato, porte ilegal de arma ou consumo de substâncias entorpecentes.
Em todo o País, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), mais de 671 mil brasileiros estavam cumprindo penas e medidas alternativas no final do ano passado. Não há uma estatística estadual, mas somente nas entidades que fazem parte do Fórum da Rede Social de Penas e Medidas Alternativas de Porto Alegre já passaram mais de 11 mil condenados realizando tarefas de prestação de serviços à comunidade (PSC). Atualmente, mais de 880 indivíduos cumprem este tipo de punição na Capital. Outros 700 processos estão na fila, esperando julgamento na Vepma.
A PSC consiste na realização de atividades gratuitas, em entidades sem fins lucrativos conveniadas com o Poder Judiciário, na proporção de uma hora por dia de condenação. Além de ser mantido em liberdade, o prestador de serviços tem a oportunidade de conviver com pessoas e realidades diferentes, aprendendo, refletindo e contribuindo para a melhoria da comunidade.
Mas a vara – terceira do País especializada em penas alternativas – não determina apenas a PSC como penalização. Dependendo do crime, o condenado pode receber uma pena pecuniária (pagamento de multa em dinheiro), perder bens e valores, sofrer uma interdição temporária de direitos ou limitações de final de semana.
O responsável pela Vepma, o juiz Clademir Missagia, acredita que a saída para a crise do sistema prisional passa pelas chamadas “alternativas penais”. O magistrado tem a expectativa de que o Estado crie uma Central de Medidas e Penas Alternativas para consolidar este tipo de ação no Rio Grande do Sul.
Lembra ainda que os valores arrecadados na Vepma são transferidos para entidades assistenciais. A Cruz Vermelha, por exemplo, recebeu R$ 70 mil. “Vamos tratar de abrir outros editais para o repasse de recursos ainda neste ano”, afirma.
Além disso, os atores envolvidos com as alternativas penais reivindicam maior destinação de verbas para garantir a infraestrutura necessária à execução das penas – incentivo à realização de cursos educacionais e profissionalizantes para os apenados e também ações de geração de renda.
Usando outras palavras: políticas públicas que promovam a inclusão social e a cidadania de detentos e egressos do sistema prisional. Uma delas é alterar a legislação para garantir os direitos políticos, como o voto e a liberação da Certidão Negativa Criminal – o que poderia facilitar o acesso ao mercado de trabalho.
Como abrir portas para apenados e ex-detentos
Segundo ele, as penas alternativas trazem um resultado mais positivo do que o encarceramento. “De qualquer forma, a pessoa condenada acaba ficando marcada pelo resto da vida. Isto faz com que a letra fria da lei, que fala em pena proporcional ao delito, seja mera ficção jurídica”, critica o coordenador.
Além de tentar ajudar o egresso do sistema prisional, o fórum tem uma série de propostas que visam à reintegração social de ex-apenados. “É preciso que haja uma divisão de responsabilidades. Hoje em dia, toda essa questão de buscar alternativas para quem vem do sistema prisional está concentrada no nosso fórum e no Poder Judiciário. Temos que trazer também o Executivo e o Legislativo para o centro das discussões. Só assim poderemos criar uma política pública permanente.”
Como ajudar, de forma prática, ex-detentos a voltarem ao convívio social? “Precisamos incentivar as empresas a contratar quem saiu do presídio, dando uma nova chance a esse pessoal. O governo do Estado poderia apresentar um projeto de lei privilegiando essas empresas em licitações de obras públicas, por exemplo”, sugere.
Este tipo de iniciativa é vista com bons olhos pelo juiz Erivaldo Ribeiro, ex-auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Conforme o Jornal do Comércio mostrou na primeira reportagem desta série, alguns estados já contam com leis de incentivo à mão de obra de egressos do sistema prisional.
Reincidência é menor entre condenados em liberdade
Enquanto isso, entre os condenados ao regime semiaberto, o índice dos que acabam deliquindo novamente é de 49,6%. Já no regime fechado, o indicador é ainda maior: 53,1%.
A coordenadora do estudo da UnB, Fabiana Barreto, destaca que a intenção foi verificar o tipo de sanção adequada. “A pesquisa chama a atenção para um problema social: como fazer a ressocialização de ex-detentos.”
Fabiana afirma ainda que agora “existe uma evidência científica de que pessoas submetidas à pena de prisão têm uma maior tendência a reincidir” no crime.
O coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RS, Ricardo Breier, comenta que isso se deve ao “contágio criminal”. “Sabemos que os presídios são controlados por facções criminosas. Então, o resultado só pode ser esse quando colocamos um condenado por um delito leve junto a bandidos experientes”, explica.
De acordo com a lei, penas alternativas só podem ser aplicadas em casos de crimes de menor potencial ofensivo, praticados sem violência. Por causa disso, os pesquisadores da UnB analisaram processos de furto e roubo, no Distrito Federal, entre 1997 e 1999. O levantamento se estendeu por um período de dez anos depois da abertura do processo, verificando desde o recebimento da denúncia até a execução da pena.
Fonte: Jornal do Comércio. 05/05/2010
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