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5 de mai. de 2010

Mais penas alternativas podem ser um caminho

Prestação de serviço comunitário já beneficiou mais de 11 mil apenados no Rio Grande do Sul
Maurício Macedo
Com os presídios lotados, os magistrados não encontram mais espaço para determinar a prisão de condenados pela Justiça. Em algumas celas do Presídio Central, por exemplo, 40 detentos ocupam o espaço que deveria ser destinado a apenas oito. Por fatos com este, a maior cadeia do Estado recebeu o triste título de a “pior penitenciária do Brasil”.

O juiz Sidinei Brzuska, designado para fiscalizar as casas prisionais da Região Metropolitana de Porto Alegre, confirma que esta situação faz com que os apenados não recebam o tratamento adequado dentro do sistema. “Misturamos presos perigosos com não perigosos, reincidentes com não reincidentes, condenados com provisórios, e colocamos tudo num presídio, muitas vezes sob o domínio de facções criminosas.”

O resultado disso, segundo ele, é a reincidência no crime. “A sociedade aqui fora, ao fim e ao cabo, acaba pagando essa conta”, conclui.

Na visão do magistrado, o simples cumprimento de requisitos básicos da Lei das Execuções Penais poderia alterar esta situação. “A mídia noticiou como funcionam presídios da Espanha e da Inglaterra. Muitas pessoas ficaram maravilhadas. Ora, temos uma legislação prevendo exatamente isso há 25 anos e que não é cumprida”, comenta.

Mas há outro caminho que também pode ajudar a superar o entrave da superpopulação carcerária: investir mais fortemente na aplicação de penas e medidas alternativas como forma de punição. Essa diretriz foi definida na 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública.

Delegados de todos os cantos do País apontaram como prioridade a criação de um Sistema Nacional de Penas e Medidas Alternativas, no âmbito do Poder Executivo, para estruturar e aparelhar os órgãos da Justiça Criminal. Priorizar a Justiça Restaurativa e a mediação de conflitos também está entre as propostas.

No Rio Grande do Sul, desde junho de 2001 funciona no Tribunal de Justiça a Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas (Vepma). É nela que são julgados processos envolvendo crimes de menor gravidade, cujas penas previstas são inferiores a quatro anos de reclusão – desde que não tenham sido praticados com violência ou grave ameaça a outra pessoa. Como exemplo, a Vepma analisa crimes ambientais e de trânsito, furto, roubo, estelionato, lesão corporal, homicídio culposo, desacato, porte ilegal de arma ou consumo de substâncias entorpecentes.

Em todo o País, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), mais de 671 mil brasileiros estavam cumprindo penas e medidas alternativas no final do ano passado. Não há uma estatística estadual, mas somente nas entidades que fazem parte do Fórum da Rede Social de Penas e Medidas Alternativas de Porto Alegre já passaram mais de 11 mil condenados realizando tarefas de prestação de serviços à comunidade (PSC). Atualmente, mais de 880 indivíduos cumprem este tipo de punição na Capital. Outros 700 processos estão na fila, esperando julgamento na Vepma.

A PSC consiste na realização de atividades gratuitas, em entidades sem fins lucrativos conveniadas com o Poder Judiciário, na proporção de uma hora por dia de condenação. Além de ser mantido em liberdade, o prestador de serviços tem a oportunidade de conviver com pessoas e realidades diferentes, aprendendo, refletindo e contribuindo para a melhoria da comunidade.

Mas a vara – terceira do País especializada em penas alternativas – não determina apenas a PSC como penalização. Dependendo do crime, o condenado pode receber uma pena pecuniária (pagamento de multa em dinheiro), perder bens e valores, sofrer uma interdição temporária de direitos ou limitações de final de semana.
O responsável pela Vepma, o juiz Clademir Missagia, acredita que a saída para a crise do sistema prisional passa pelas chamadas “alternativas penais”. O magistrado tem a expectativa de que o Estado crie uma Central de Medidas e Penas Alternativas para consolidar este tipo de ação no Rio Grande do Sul.

Lembra ainda que os valores arrecadados na Vepma são transferidos para entidades assistenciais. A Cruz Vermelha, por exemplo, recebeu R$ 70 mil. “Vamos tratar de abrir outros editais para o repasse de recursos ainda neste ano”, afirma.

Além disso, os atores envolvidos com as alternativas penais reivindicam maior destinação de verbas para garantir a infraestrutura necessária à execução das penas – incentivo à realização de cursos educacionais e profissionalizantes para os apenados e também ações de geração de renda.

Usando outras palavras: políticas públicas que promovam a inclusão social e a cidadania de detentos e egressos do sistema prisional. Uma delas é alterar a legislação para garantir os direitos políticos, como o voto e a liberação da Certidão Negativa Criminal – o que poderia facilitar o acesso ao mercado de trabalho.

Como abrir portas para apenados e ex-detentos

Evitar a volta ao mundo do crime é o principal objetivo do Fórum da Rede Social de Penas e Medidas Alternativas de Porto Alegre. O grupo reúne 130 organizações (públicas, privadas e não governamentais), que oferecem uma nova chance a quem foi condenado por um delito leve. “Tentamos apresentar uma alternativa de dignidade para que a pessoa possa entrar ou regressar ao mercado de trabalho”, explica o coordenador Gustavo Bernardes, da ONG Somos Comunicação, Sexualidade e Saúde.

Segundo ele, as penas alternativas trazem um resultado mais positivo do que o encarceramento. “De qualquer forma, a pessoa condenada acaba ficando marcada pelo resto da vida. Isto faz com que a letra fria da lei, que fala em pena proporcional ao delito, seja mera ficção jurídica”, critica o coordenador.

Além de tentar ajudar o egresso do sistema prisional, o fórum tem uma série de propostas que visam à reintegração social de ex-apenados. “É preciso que haja uma divisão de responsabilidades. Hoje em dia, toda essa questão de buscar alternativas para quem vem do sistema prisional está concentrada no nosso fórum e no Poder Judiciário. Temos que trazer também o Executivo e o Legislativo para o centro das discussões. Só assim poderemos criar uma política pública permanente.”

Como ajudar, de forma prática, ex-detentos a voltarem ao convívio social? “Precisamos incentivar as empresas a contratar quem saiu do presídio, dando uma nova chance a esse pessoal. O governo do Estado poderia apresentar um projeto de lei privilegiando essas empresas em licitações de obras públicas, por exemplo”, sugere.
Este tipo de iniciativa é vista com bons olhos pelo juiz Erivaldo Ribeiro, ex-auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Conforme o Jornal do Comércio mostrou na primeira reportagem desta série, alguns estados já contam com leis de incentivo à mão de obra de egressos do sistema prisional.

Reincidência é menor entre condenados em liberdade

Uma pesquisa do Grupo Candango de Criminologia – ligado à Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) – mostra que o índice de reincidência entre réus condenados a medidas alternativas é quase a metade do percentual dos que cumprem pena privativa de liberdade. Conforme o estudo, apenas 24,2% dos apenados que receberam suspensão condicional acabam voltando a praticar delitos.

Enquanto isso, entre os condenados ao regime semiaberto, o índice dos que acabam deliquindo novamente é de 49,6%. Já no regime fechado, o indicador é ainda maior: 53,1%.

A coordenadora do estudo da UnB, Fabiana Barreto, destaca que a intenção foi verificar o tipo de sanção adequada. “A pesquisa chama a atenção para um problema social: como fazer a ressocialização de ex-detentos.”
Fabiana afirma ainda que agora “existe uma evidência científica de que pessoas submetidas à pena de prisão têm uma maior tendência a reincidir” no crime.

O coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RS, Ricardo Breier, comenta que isso se deve ao “contágio criminal”. “Sabemos que os presídios são controlados por facções criminosas. Então, o resultado só pode ser esse quando colocamos um condenado por um delito leve junto a bandidos experientes”, explica.

De acordo com a lei, penas alternativas só podem ser aplicadas em casos de crimes de menor potencial ofensivo, praticados sem violência. Por causa disso, os pesquisadores da UnB analisaram processos de furto e roubo, no Distrito Federal, entre 1997 e 1999. O levantamento se estendeu por um período de dez anos depois da abertura do processo, verificando desde o recebimento da denúncia até a execução da pena.


Fonte: Jornal do Comércio. 05/05/2010

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Livros & Informes

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  • AGUIAR, Carla Zamith Boin. Mediação e Justiça Restaurativa. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
  • ALBUQUERQUE, Teresa Lancry de Gouveia de; ROBALO, Souza. Justiça Restaurativa: um caminho para a humanização do direito. Curitiba: Juruá, 2012. 304p.
  • AMSTUTZ, Lorraine Stutzman; MULLET, Judy H. Disciplina restaurativa para escolas: responsabilidade e ambientes de cuidado mútuo. Trad. Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
  • AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de. A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006.
  • CERVINI, Raul. Os processos de descriminalização. 2. ed. rev. da tradução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
  • FERREIRA, Francisco Amado. Justiça Restaurativa: Natureza. Finalidades e Instrumentos. Coimbra: Coimbra, 2006.
  • GERBER, Daniel; DORNELLES, Marcelo Lemos. Juizados Especiais Criminais Lei n.º 9.099/95: comentários e críticas ao modelo consensual penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
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