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4 de jul. de 2008
Timor-Leste: Ramos-Horta propõe amnistia para a crise de 2006 e criação de Comissão de Diálogo
A proposta de Lei de Amnistia, a que a agência Lusa teve acesso, foi apresentada na terça-feira por José Ramos-Horta na Presidência da República perante representantes de todos os partidos políticos e alguns deputados.
Esta Lei de Amnistia, que ainda não deu entrada no Parlamento, aplicar-se-á, se for aprovada, "aos crimes cometidos no âmbito da crise política-militar" de 2006.
A crise, desencadeada pela expulsão das Forças Armadas de quase 600 efectivos, provocou pelo menos 38 mortos e deixou durante dois anos um décimo da população timorense deslocada das suas casas e comunidades.
A proposta apresentada por José Ramos-Horta prevê uma Comissão de Diálogo Nacional e Reconciliação, nomeada pelo chefe de Estado e com um mandato inicial de um ano, além de vários mecanismos de justiça restaurativa.
As duas vias principais de resolução de conflitos avançadas pela proposta são o processo especial de reconciliação comunitária e a audiência pública de reconciliação.
O processo especial abrange os crimes relatados na Comissão Especial Independente de Inquérito para Timor-Leste (CEII), criada pelas Nações Unidas em 2006, e exclui vários crimes graves, num critério semelhante ao da Comissão de Acolhimento Verdade e Reconciliação (CAVR), que entre 2002 e 2005 analisou os crimes dos 24 anos de ocupação indonésia.
A audiência pública de reconciliação diz respeito a crimes com pena de prisão inferior a cinco anos e segue uma forma processual simples.
Ambos os mecanismos suspendem "quaisquer processos crimes existentes contra o requerente".
A Lei de Amnistia proposta por José Ramos-Horta considera os crimes cometidos entre 28 de Abril e 31 de Dezembro de 2006, incluindo crimes contra a segurança do estado, a ordem pública, a autoridade pública, a vida, a segurança geral das pessoas ou dos bens, o património, ofensas à integridade física e crimes de uso, porte e detenção de arma.
"Muitos dos crimes praticados durante este período têm subjacente uma conflitualidade social que os tribunais não têm meios de compreender ou sequer de captar, espartilhados em regras processuais demasiado formais", lê-se no preâmbulo da proposta de Lei de Amnistia.
"Uma lei de responsabilização, promotora da reconciliação e que faça justiça às vítimas deve ter em conta a conflitualidade e os mecanismos complexos que a geram em tempos de crise, marcadamente diferentes da conflitualidade que se expressa quando a ordem social está mantida", explica a introdução à proposta de lei.
"A presente lei procura ter em conta a conflitualidade social gerada durante o tempo da crise com ocupação de casas, com a expulsão dos antigos ocupantes considerados ocupantes ilegítimos, incêndio de casas e outros bens, ataques entre grupos pela disputa sobre a propriedade da terra e a posse de outros bens imóveis ou como retaliação contra crimes anteriormente praticados", acrescenta o preâmbulo da Lei da Amnistia.
O objectivo, acrescenta o documento, "é responder a esta conflitualidade com medidas alternativas ao modelo judicial pacificadoras da sociedade, respeitando o dever de encontrar a verdade e indemnizar as vítimas".
A proposta de lei, elaborada pelos assessores jurídicos de José Ramos-Horta, assume "os valores da justiça restaurativa".
"A prioridade não é a punição do criminoso (mas) é restaurar a situação da vítima anterior ao crime, tanto quanto possível", segundo a apresentação feita terça-feira aos partidos políticos.
Uma preferência pela mediação e a conciliação entre as partes, a procura de "harmonia social" e a "restituição, sempre que possível, (d)o bem atingido, em conformidade com a lei, a ética e a consciência", orientam os mecanismos propostos nesta Lei de Amnistia.
"Muitos actos de violência e as infracções criminais que lhes correspondem tiveram lugar com um intuito de auto-protecção, que embora censurável porque conduziram a uma escalada de violência, aconselha o seu enquadramento em tipologias particulares", justifica o preâmbulo da proposta de lei.
"A deslocação de um grande número de pessoas e a criação de campos de deslocados deu origem a conflitos entre os moradores dos bairros e os seus novos habitantes que competem por espaço nos mercados para vender os seus produtos, por espaço para construir, por espaço para ser afinal cidadão no país que é de todos", acrescenta o preâmbulo.
"Esta competição tem dado lugar a agressões mútuas, a que os tribunais não podem dar resposta, uma vez que punir os autores dessas agressões provoca mais conflito dentro das comunidades em vez de criar condições para que todos possam conviver em harmonia", diz ainda a proposta apresentada por José Ramos-Horta.
A proposta de Lei de Amnistia surge poucas semanas depois do decreto presidencial de 20 de Maio, Dia da Independência, que reduziu as penas a 94 detidos, cerca de metade da população prisional de Timor-Leste.
O indulto, que abrangeu vários condenados por crimes contra a Humanidade, foi criticado pela Igreja católica timorense e é objecto de uma petição apresentada por um grupo de cidadãos no Tribunal de Recurso.
A proposta de uma Comissão de Diálogo para os crimes de 2006 surge na altura em que se aguarda a publicação do relatório final da Comissão de Verdade e Amizade, sobre os crimes de 1999, e em que o secretariado pós-CAVR procura que o Parlamento timorense, ao fim de três anos, discuta e concretize as recomendações contidas no seu relatório.
PRM.
Lusa/fim
Disponível em: <http://aeiou.visao.pt/Pages/Lusa.aspx?News=200807048516673>. Acesso em: 04 de julho de 2008.
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