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4 de jul. de 2008

Justiça restaurativa: uma solução divertida

Não temos que fazer do Direito Penal algo melhor, mas sim fazer algo melhor do que o Direito Penal...
Gustav Radbruch

Diante dos altos índices de violência e criminalidade que marcam o mundo contemporâneo e, sabedores que o paradigma tradicional — dissuasório e ressocializador — não atende, de maneira satisfatória, às reais necessidades das pessoas envolvidas no conflito criminal, com suas prioridades e interesses, faz-se necessário evidenciar a necessidade de aprimoramento do sistema de justiça, para que a sociedade e o Estado ofereçam não apenas uma resposta monolítica ao crime, mas disponham de um sistema multiportas, com outras respostas que pareçam adequadas diante da complexidade do fenômeno criminal (Prefácio, Justiça Restaurativa: Coletânea de artigos, p. 13).

Assim surge a justiça restaurativa como uma solução divertida — numa perspectiva de política criminal, diversão significa a eleição de uma ou mais opções que se destinem a prosseguir uma via exclusivamente desviada do sistema de justiça “oficial”, na prevenção, gestão e resolução de determinados fatos penalmente relevantes (FERREIRA, pp. 27-28).

Nesse sentido, diversão surge como sinônimo de desjudicialização em sentido amplo, abrangendo não só a transferência de competências de resolução de litígios para instâncias não judiciais, mas também a não submissão para estas últimas de questões que se mantenham a sua margem.

No dizer de Cervini (p. 76) “remeter o problema às partes diretamente afetadas, para que o resolvam com ou sem a ajuda de um organismo externo”.

A justiça restaurativa apresenta-se como um paradigma complementar, que representa uma virada do atual sistema penal, porquanto implica uma nova forma de rea­ção à infração penal, através do processo de diálogo — entre infrator, vítima e comunidade — tendente, fundamentalmente, a reparar o dano (sentido lato) ocasionado pela infração e restaurar a relação entre as partes.

O modelo restaurativo foi dominante na justiça criminal ao longo da maior parte da história humana, já que o paradigma atual, orientado à prisão e com fins retributivos-punitivos, domina a nossa compreensão de crime e justiça há apenas dois ou três séculos.

Na decáda de 70, com a crise do ideal ressocializador e da idéia de tratamento através da pena privativa de liberdade, houve duas propostas por parte da doutrina: um setor advogou por um retribucionismo renovado (teoria do jus desert), enquanto outro propôs uma mudança de orientação no Direito Penal, enfocada no desenvolvimento de idéias de restituição penal e reconciliação entre as partes que, talvez, possam ser considerados como embriões da justiça restaurativa.

As primeiras experiências contemporâneas se deram em 1974, no Canadá, onde ocorreu o primeiro programa de victim-offender mediation (VOM), quando dois acusados de vandalismo encontraram-se com suas vítimas e estabeleceram pactos de restituição.

A Nova Zelândia, em 1989, pioneiramente introduziu o modelo restaurativo na legislação infanto-juvenil, com a edição do children, young persons and their families act.

A partir daí, ambos, teoria e prática, têm se desenvolvido em um movimento global, o que levou, em 2002, o Conselho Econômico e Social da ONU a validar e recomendar a Justiça Restaurativa para todos os países, através da Resolução n.º 2002/12 (Basic principles on the use of restorative jus­tice programmes in criminal matters).

Em 2005, com a Declaração de Bang­kok, reiterou-se a importância de avançar no desenvolvimento de justiça restaurativa.

No Brasil, além de despontar experiências em várias cidades, contamos com um projeto de lei que trâmita na Câmara dos Deputados, PL 7006/2006, propondo alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei dos Juizados Especiais Criminais visando regular o uso complementar de procedimentos de justiça restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções.

Em agosto de 2007, no auditório da escola de direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, restaurativistas de várias partes dos Brasil fundaram o Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa - IBJR, para explorar as bases teóricas e práticas do modelo.

A Justiça Restaurativa introduz novas e boas idéias, como a necessidade de a justiça assumir o compromisso de restaurar o mal causado às vítimas, famílias e comunidades, em vez de se preocupar somente com a punição dos culpados.

A Justiça Restaurativa pode ser definida, até porque contemplada pela Resolução 2002/12 da ONU, como “qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador.”

Trata-se de um processo estritamente voluntário, relativamente informal, a ter lugar preferencialmente em espaços comunitários, intervindo um ou mais facilitadores e podendo ser utilizadas técnicas de mediação, conciliação, reunião familiar ou comunitária, círculos decisórios, para alcançar o resultado restau­ra­tivo, tais como a reparação, restituição e serviço comunitário, objetivando suprir as necessidades individuais e coletivas e responsabilidades das partes, bem assim promover a reintegração da vítima e do ofensor (PINTO, 2005, p. 20).

A introdução das práticas restaurativas no sistema de justiça brasileiro seria uma ótima solução para resolução de conflitos na esfera criminal. Mas tal introdução deve ser acompanhada de amplos debates, com a necessária participação da sociedade civil, fomentando-se a reflexão não só sobre a aplicabilidade do paradigma no País, como a necessidade de monitoramento e avaliação permanente dos programas implementados para que sua incorporação não se converta em mais uma ilusão ou um mero paliativo.

O paradigma restaurativo, se bem aplicado e direcionado, pode constituir um importante instrumento para a construção de uma justiça participativa que opere real transformação, abrindo caminho para uma nova forma de promoção de direitos humanos e da cidadania, da inclusão e da paz social, com dignidade (PINTO, 2005, p. 35).

Notas

CERVINI, Raúl. Os Processos de Descriminalização. Trad. Eliana Granja et all. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

FERREIRA, Francisco Amado. Justiça Restaurativa: Natureza, Finalidades e Instrumentos. Coimbra: Coimbra editora, 2006.

PRUDENTE, Neemias Moretti. “Justiça Restaurativa em Debate”, Revista IOB de Direito Penal e Processo Penal, Porto Alegre, vol. 8, nº. 47, dez. 2007/jan. 2008, pp. 203-216.

SLAKMON, Catherine; VITTO, Renato Campos Pinto de; PINTO, Renato Sócrates Gomes (org.). Justiça Restaurativa: Coletânea de Artigos. Brasília: Ministério da Justiça e PNUD, 2005.


PRUDENTE, Neemias Moretti. Justiça restaurativa: uma solução divertida. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 16, n. 186, p.8, maio 2008.

Nenhum comentário:

“É chegada a hora de inverter o paradigma: mentes que amam e corações que pensam.” Barbara Meyer.

“Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado opressor.” Desmond Tutu.

“Perdoar não é esquecer, isso é Amnésia. Perdoar é se lembrar sem se ferir e sem sofrer. Isso é cura. Por isso é uma decisão, não um sentimento.” Desconhecido.

“Chorar não significa se arrepender, se arrepender é mudar de Atitude.” Desconhecido.

"A educação e o ensino são as mais poderosas armas que podes usar para mudar o mundo ... se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar." (N. Mandela).

"As utopias se tornam realidades a partir do momento em que começam a luta por elas." (Maria Lúcia Karam).


“A verdadeira viagem de descobrimento consiste não em procurar novas terras, mas ver com novos olhos”
Marcel Proust


Livros & Informes

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  • AGUIAR, Carla Zamith Boin. Mediação e Justiça Restaurativa. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
  • ALBUQUERQUE, Teresa Lancry de Gouveia de; ROBALO, Souza. Justiça Restaurativa: um caminho para a humanização do direito. Curitiba: Juruá, 2012. 304p.
  • AMSTUTZ, Lorraine Stutzman; MULLET, Judy H. Disciplina restaurativa para escolas: responsabilidade e ambientes de cuidado mútuo. Trad. Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
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