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3 de fev. de 2009

Artigo: Os Direitos Humanos e a Justiça Restaurativa

O tema Justiça Restaurativa é emergente, e tem suscitado debates sobretudo nas últimas décadas, inclusive no Brasil. E o interesse por essa prática advém da urgência em viabilizar, com eficácia, a paz, a dignidade e a restauração dos laços estilhaçados quando do cometimento de uma infração penal, ao passo que busca fomentar a discussão sobre o acesso à justiça.

Também, é cediço que o sistema prisional tem se revelado um fracasso e ineficiente em responder, em algumas situações, de maneira satisfatória, o crime, as expectativas e necessidades da vítima, infrator e da comunidade, o que torna necessário buscar um sistema complementar, denominado justiça restaurativa.

Nesse sentido, visualiza-se a necessidade de mudança na administração da justiça, e o paradigma restaurativo dá suporte a essa mudança, tendo em vista os seus valores e princípios humanizantes na tarefa de aproximar a comunidade da justiça, em um percurso de consagração da dignidade humana e reconhecimento dos direitos humanos.

Então, é preciso fomentar a discussão sobre o paradigma restaurativo na perspectiva de resgatar os valores intrínsecos da justiça nas relações violadas pelo comportamento humano.

O modelo restaurativo constitui uma justiça dialogal, participativa entre os envolvidos no conflito, orientado à reparação, visando restaurar a relação entre as partes, dando enfoque aos danos ocasionados, atendendo na medida do possível às necessidades da vítima, do infrator e da comunidade, o que torna possível aproximá-la da justiça.

No Brasil, há projetos em andamento, com experiência em Porto Alegre-RS, iniciada em 2002 na Vara da Infância e da Juventude, em Brasília-DF e São Caetano do Sul-SP.

Vale frisar que, a essência do paradigma restaurativo reside em promover o diálogo e resolver o conflito de forma colaborativa, permitindo às partes (vítima, infrator e comunidade) a restauração do equilíbrio das relações sociais.

Trata-se, enfim, da confrontação voluntária das partes envolvidas no conflito, com a mediação de um facilitador, numa tentativa de suprir as necessidades emocionais e materiais das vítimas e, ao mesmo tempo, fazer com que o infrator assuma a responsabilidade por seus atos, mediante um acordo restaurativo, ensejando até mesmo o seu amadurecimento pessoal(1). Caso as partes não optarem pelo procedimento restaurativo, segue o processo normal da justiça tradicional.

O encontro restaurativo permite à vítima e ao infrator compartilharem, direta ou indiretamente, as suas histórias e descobrirem um meio de reparar os prejuízos. A participação dá a cada participante voz nos procedimentos e nos resultados. E por meio das indenizações, os infratores tentam compor o prejuízo causado por suas ações. A reintegração permite à vítima e ao infrator tornarem-se membros contribuintes da sociedade(2).

Lembrando que, o processo restaurativo é um instrumento disponível para certos casos, como por exemplo, nos crimes de menor potencial ofensivo, nos atos infracionais sujeitos ao ECA, exceto nos casos de homicídio, latrocínio, estupro(3).

Dessa forma, como nova forma de aplicar a justiça, em razão dos valores que carregam o inovador paradigma restaurativo, de dignidade e respeito mútuo, bem como dado o seu emprego crescente e sua eficácia na resolução de conflitos até porque oferece soluções adequadas a criminalidade, questiona-se a necessidade de uma regulamentação específica para essa matéria.

Nessa esteira, o paradigma restaurativo tem sido definido como uma forma complementar à Justiça Criminal, abordando a questão criminal a partir da perspectiva de que o crime é uma violação nas relações entre as pessoas, e que, por causar um mal à vítima, à comunidade e ao próprio autor do delito, todos esses protagonistas devem se envolver num processo de restauração de um trauma individual e social.

E como já mencionado, diante da ineficácia instrumental do sistema atual para solucionar determinados conflitos, tendo em vista o enorme crescimento da população carcerária, chegando a reincidência na taxa de 80%, urge encontrar um outro caminho de acesso a justiça para resolver as controvérsias com eficiência, chamado Justiça Restaurativa.

O paradigma restaurativo é fruto da necessidade em atender com eficácia a aplicabilidade da justiça, distribuindo-a de modo que não legitime a desigualdade social, oferecendo aos indivíduos a oportunidade de conhecerem os seus direitos e os mecanismos pelos quais podem reclamar a sua violação.

Ainda, é importante mencionar que as práticas restaurativas estão vinculadas a princípios jurídicos, entre os quais, inclui o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo este fundamento da existência das práticas restaurativas, pois as mesmas têm a finalidade de devolver aos envolvidos a dignidade de ter acesso a uma ordem jurídica justa e a manutenção de uma sociedade saudável, experimentando as partes a reintegração na comunidade.

Nessa seara, a justiça restaurativa é uma maneira de enfatizar os direitos humanos, dando respostas mais adequadas ao infrator e não apenas de caráter positivado e às vítimas uma justiça mais eficaz.

A justiça dialogal visa devolver à vítima a segurança, a dignidade, bem como o senso de controle. E aos infratores o senso de responsabilidade e a esperança de reinserção social a partir da reparação dos danos e da correção de suas atitudes.
Vislumbra-se a Justiça Restaurativa como instrumento transformador do sistema numa tentativa de reestruturação e reconstrução dos direitos humanos para o efetivo exercício da cidadania, tendo por fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana.

Assim, pode-se afirmar que a relação existente entre a Justiça Restaurativa e os direitos humanos reside no fato de que, sendo a dignidade reconhecida pela Constituição Federal e esta é um direito humano, e tendo ela uma definição elástica que se adequa à realidade, e na JR significa proteger a satisfação dos interesses e necessidades das partes, bem como o respeito entre os envolvidos a ter acesso a uma justiça eficaz para a coesão social, este paradigma vem restaurar as relações sociais a partir da consagração da dignidade humana.

Notas:

(1) Cf. VITTO, Renato Campos Pinto de. Justiça Criminal, Justiça Restaurativa e Direitos Humanos. In: SLAKMON, Catherine; VITTO, Renato Campos Pinto de; PINTO, Renato Sócrates Gomes (Org.). Justiça Restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2005. p. 43.
(2) Cf. PARKER, L. Lynette. Justiça Restaurativa: Um Veículo para a Reforma? In: SLAKMON, Catherine; VITTO, Renato Campos Pinto de; PINTO, Renato Sócrates Gomes (Org.). Justiça Restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2005. p. 248.
(3) Cf. Instituto Latino Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Deliquënte (Ilanud). Sistematização e Avaliação de Experiências de Justiça Restaurativa. Relatório Parcial, 2005. p. 50. Disponível em: www.ilanud.org.br. Acesso em: 5 ago. 2008.


Lorena Fernandes Almeida Prudente acadêmica de Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná Câmpus Maringá. fernandes_lorena@hotmail.com.

O Estado do Paraná, Direito e Justiça, 17/11/2008.

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Livros & Informes

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