Desafio histórico do sistema judicial, a autocomposição pacífica dos conflitos, graças às ferramentas da tecnologia da informação, ganhou um aliado poderoso na Justiça Federal e pode se transformar num novo paradigma de ‘‘justiça direta’’, sem intermediários. No final de novembro, em Porto Alegre, a direção da Justiça Federal do Rio Grande do Sul lançou o seu Sistema de Conciliação Virtual — um dispositivo de software criado a partir do e-Proc V2, o processo eletrônico concebido e adotado na Justiça Federal da Região Sul.
Neste primeiro momento, o dispositivo — um programa que opera em ambiente virtual — visará os processos de execução fiscal ajuizados pelos conselhos de fiscalização profissional. O ambiente tem um fórum privado, com senhas, que permite às partes negociarem valores e chegarem a um acordo. Tudo feito de forma simples, direta, democrática e tecnologicamente segura, para garantir que os ‘‘donos da lide’’ cheguem a uma composição de forma rápida e satisfatória. Um dos objetivos é evitar a penhora de bens, que acaba empacando a execução.
A funcionalidade do sistema foi inspirada no trabalho desenvolvido pelo juiz Eduardo Didonet Teixeira, coordenador de conciliação da Justiça Federal catarinense, que esteve presente na cerimônia do lançamento e explicou sua operacionalidade. O objetivo final, garantiu, é facilitar o diálogo entre autor e réu, sem a interferência do Judiciário. O passo-a-passo do novo sistema consta na Resolução 125, assinada pela presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, desembargadora Marga Inge Barth Tessler, no dia 22 de novembro.
A coordenadora de implantação do Forum de Conciliação Virtual, Ingrid Schröder Sliwka, juíza titular da 5ª Vara Federal de Porto Alegre, lembrou que o executado poderá dialogar abertamente, e sem intermediários, o que facilita o envio de proposta para quitação do débito. Caso seja aceita, a sugestão dará origem a um termo de acordo que, assinado digitalmente, será automaticamente anexado ao processo — tudo de forma simples, ágil e eletrônica.
Conciliação sem presença física
O desembargador federal Paulo Afonso Brum Vaz, coordenador do Sistema de Conciliação na 4ª Região (Sistcon), afirmou que a nova ferramenta está alinhada com a ideia do processo virtual, que há tanto tempo vem sendo desenvolvido na Justiça Federal da Região Sul, e não se limita mais com as necessidades presenciais.
“Estamos trabalhando nessa linha de propiciar um melhor aproveitamento do tempo para as partes e advogados e também para nós, do Judiciário. É um projeto bastante aguardado, que dependia do desenvolvimento da ferramenta de TI, que agora está finalizada”, afirmou Brum Vaz.
Embora a autocomposição envolva, no seu início, demandas dos conselhos profissionais, ações monitórias e execuções de títulos judiciais, logo abarcará a área previdenciária. ‘‘Eu sei a dificuldade que é trabalhar com ações previdenciárias on line, pelo chat, não é fácil. Teremos dificuldade, mas fiz questão deixar tudo preparado para um futuro breve’’, antecipou.
Na verdade, para o presidente do Sistcon, a ferramenta pode ser adaptada para qualquer tipo de demanda, sem nenhum tipo de limitação. ‘‘Estamos começando de uma forma um pouco mais limitada, mas com a perspectiva de ampliar não só para o previdenciário, mas para todas as áreas e para todas as demandas do Poder Judiciário.’’
Além da direção, servidores e magistrados da Justiça Federal do RS, participaram do lançamento da ferramenta representantes do Conselho Regional de Farmácia (CRF/RS), do Conselho Regional de Enfermagem (Coren/RS), da Caixa Econômica Federal (CEF) e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
No final de novembro, a reportagem da ConJur conversou com a juíza Ingrid Schröder Sliwka, que trabalha com execução há 13 anos e coordena a implantação do Forum.
Veja a entrevista:
ConJur – Como se deu o start desta conciliação virtual?
Ingrid Sliwka — Este processo foi gestado com base na realidade da execução fiscal. O juiz que o idealizou, dr. Eduardo Didonet Teixeira, trabalha com conciliação. Depois que ele compartilhou a ideia com os juízes da execução fiscal, começamos a desenhar o processo neste foco – executivo fiscal. Rapidamente, a gente viu que o interesse e a aplicabilidade poderiam ser customizados para a ideia da execução do título extrajudicial e para a ação monitória, que é aquela questão do exequente ou do autor buscando a satisfação do crédito que não está no título executivo. Então, ampliamos para esse primeiro desenho essa ideia de conciliação.
ConJur — Este processo começa a operar a partir de dezembro?
Ingrid Sliwka — Sim, a partir de dezembro. A ideia é que os interessados firmem o quanto antes o termo de adesão. A ideia vem da constatação de quanto mais longo o processo, mais difícil a solução da demanda. Assim, quanto mais rápido o seu andamento, maior o interesse e melhores condições fáticas de se alcançar a resolução.
ConJur – Como se trata de um programa de conciliação pré-processual, é preciso informar às pessoas que isso é possível. O conselho profissional tem obrigação de convocar o devedor?
Ingrid Sliwka – A assinatura do termo de adesão já começa a cumprir esta finalidade. A partir daí, o autor ou exequente estará se comprometendo a requerer, em todos os processos que ajuizar, um pedido de autocomposição por meio do fórum de conciliação. Ou seja, quando o executado ou réu receber a carta ou mandado de citação, ele terá 10 dias para fazer esta opção conciliatória. A ciência no varejo vai ser feita processo por processo e, claro, tem que haver uma campanha do Judiciário. De qualquer forma, no projeto, a conciliação está prevista mesmo para os processos que tenham iniciado antes da promulgação da Resolução 125.
ConJur — Está confirmada a campanha de esclarecimento?
Ingrid Sliwka — Sim, haverá uma campanha institucional. As pessoas serão informadas de que existe mais uma via conciliatória, mais uma oportunidade para que elas mesmas possam conversar e criar sua solução, se aproximar e ter essa dimensão de outra via compositiva, diferente da tradicional com intermediação.
ConJur — E qual o papel do advogado neste processo?
Ingrid Sliwka — Continuará com o seu papel de subsidiar a parte, de velar pela administração da Justiça. Ele só não será intermediário neste diálogo, nos moldes do regramento imposto pelo Código de Processo Civil (CPC) para um processo formal que tramita no Judiciário. Essa ideia compositiva é de diálogo entre as partes. E, por isso, o diálogo nunca contaminará o processo no sentido de prejuízo daquele que eventualmente dialogou sem advogado. O conteúdo do fórum de conciliação é privativo das partes e só influirá no destino do processo se o acordo for exitoso.
ConJur — O juiz pode derrubar a autocomposição se uma das partes sair prejudicada na negociação?
Ingrid Sliwka — A ideia da mediação não é analisar o conteúdo da conversação entre as partes. Entretanto, quando se chega a um acordo, este vai ser submetido ao juiz, para homologação. Parece indicativo que, se houver um acordo que gere a não-satisfação de um direito indisponível, o juízo provavelmente tenderá a não homologá-lo. É importante reforçar que a ideia não é de tirar o processo da Justiça, é de compor. E ele não é um pré-processual em que não haja registro. Na prática, é uma chance de conversar sem ter aquela necessidade de agendar pauta, de constituir advogado. Enfim, me parece que a questão de eventual acordo extremamente desfavorável vai ser sopesada pelo juízo no momento de homologar ou não aquele acordo.
Conjur – O Ministério Público Federal foi ouvido neste processo de autocomposição virtual?
Ingrid Sliwka — Neste primeiro momento, não, porque ele foi idealizado por juízes de execução fiscal, concebido para processos executivos fiscais em que não há participação do MP — a menos que haja uma parte incapaz. Claro que isso, eventualmente, há de ser sopesado até num momento de homologação de acordo, para apurar se é necessária a intervenção ministerial. A nossa instituição é democrática e está sempre aberta a sugestões, aperfeiçoamentos, a ideias que possam contribuir para que esta forma de conciliação seja realmente satisfatória para todos os interessados.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 23 de dezembro de 2012