Dr. Marcelo Gonçalves Saliba
em 26/2/2009
R: A crise do sistema penal tem raízes na modernidade, uma vez que atendeu aos seus projetos, e o sistema penal (e também o Direito penal) tem importância central, ao fixar os projetos da modernidade, encontrando dentro da espiral da razão e ordem importância na sua manutenção, no controle social e dominação. Então, podemos observar que a diretriz dada ao sistema penal passou a representar interesses de classes/grupos dominantes, para mantença de seus interesses econômicos, principalmente. Esta é a principal crise enfrentada pelo sistema na atualidade: o sistema penal, passados séculos, continua a representar o interesse de classes.
2- Em sua dissertação de mestrado (que deu origem à obra), o Sr. assinala a seletividade exercida pelas polícias. O Sr. também afirma que a justiça penal, com fundamento na dogmática jurídica, empresta legitimidade àquela seletividade. Por que a justiça penal não consegue (ou não quer) quebrar essa seletividade? Por que, como se diz, “só pobre vai para a cadeira”?
R: Para muitas pessoas o problema está restrito ao “rico” não ser “preso”, quando em verdade devemos questionar o próprio sistema como um todo. Por qual motivo punir? Por qual motivo aprisionar? Por qual motivo incriminar determinada conduta e outra não? A seletividade, por mais estranho que pareça, faz parte da nossa vida social e sempre dou um simples exemplo: eu sou branco; tenho carro novo; uso roupas de acordo com “padrões normais” Jamais fui abordado em qualquer operação policial. Agora, se a abordagem se dá, preferencialmente, para determinados grupos, isso transmite a falsa ideia de que somente aquele grupo pratica condutas criminosas – determinados bairros em nossa cidade são constantemente objeto de operações policiais. O professor Pedro Bodê (UFPR) faz uma conclusão importante a respeito do assunto: a população aprisionada seria a prova inconteste da “periculosidade” das classes populares. A Justiça não quebra a seletividade por ter se construído com ela e lhe dado, até o presente, legitimidade. O “pobre” vai para a “cadeia” por causa do sistema penal moldado para “blindar” as classes dominantes e direcionar a atuação para as classes dominadas.
3- As leis penais brasileiras constantemente são criticadas, tanto que o Código de Processo Penal está em vias de ser substituído por uma nova codificação. O problema está mesmo nas leis ou na interpretação delas?
R: Nosso sistema legal e nosso sistema judicial necessitam de mudanças, sem dúvida alguma. Novas regras processuais agilizaram o processo penal e novas regras de investigação têm de ser implementadas. A falta de efetividade do sistema processual leva-o ao descrédito e, em última análise, à deslegitimidade. Os legisladores, “produtores” da leis, têm parcela nesta problemática. O intérprete, por sua vez, também é fonte produtora da problemática situação em que o sistema se encontra. Uma visão voltada para os interesses sociais e pessoais (dos seres humanos), em respeito aos envolvidos no conflito, poderia reduzir, em muito, as críticas direcionadas ao nosso sistema.
4- Há vontade política de mudar o sistema penal?
R: Não vislumbro vontade política para implantar um sistema penal diferente do atual, nem mesmo vejo propostas legislativas neste sentido. As propostas atuais navegam num rumo de maior criminalização e maior punição, seguindo linhas traçadas por programas de Lei e Ordem ou Tolerância Zero. Parcela significativa da população acredita ser este o único meio para o controle das relações sociais e eliminação da criminalidade, e as novas leis penais apaziguam os ânimos da mídia e das classes populares sedentas por uma forte resposta estatal.
5- O Sr. defende um novo modelo de justiça penal (justiça restaurativa), pacificador e não punitivo. Como seria esse modelo?
R: O objetivo do meu trabalho é discutir e apresentar um novo modelo de Justiça, voltado para o interesse das partes e das comunidades envolvidas no conflito. Respeitando princípios e regras, as partes são chamadas a debater e discutir a prática delitiva, e a finalidade do procedimento é a restauração. Pessoas capacitadas acompanham todo o procedimento, e o Judiciário pode ser chamado a intervir a qualquer momento. O magistrado dá lugar a um agente e a resposta sancionatória (punitiva) é apenas uma das possíveis respostas a serem aplicadas. Em suma, é um modelo de Justiça que deixa a estrutura forense para se relacionar com as comunidades; é um modelo de Justiça social. No Estado de São Paulo, mais precisamente na cidade de São Paulo, diversas Escolas municipais desenvolvem projetos de Justiça Restaurativa, e diversos países igualmente adotam o sistema. Não há abolição ou fim do sistema penal, mas uma proposta diversa para se tratar o problema.
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