Programas substituem punição por responsabilização em São Paulo; modelo começa a ser adotado no Rio de Janeiro.
Por Thiago Borges para Infosurhoy.com—17/01/2012
Um vídeo com entrevistas a especialistas em justiça e educação e pessoas envolvidas com círculos restaurativos é um dos recursos do Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP) no treinamento de estudantes para mediar conflitos na escola. (Cortesia de CECIP,Turner Produções e Núcleo Bartolomeu)
SÃO PAULO, Brasil – Programas de justiça restaurativa têm contribuído para diminuir a violência em escolas públicas do estado de São Paulo.
A estratégia procura entender a versão de cada envolvido em um conflito em vez de apenas punir agressores ou ofensores.
“Quando uma pessoa é punida, normalmente não é convidada a fazer o exercício de reconstrução daquela relação”, diz Monica Mumme, coordenadora do Núcleo de Educação para Paz do Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP), uma ONG parceira da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo na iniciativa. “E os atos (de violência na escola) podem ser recorrentes de uma série de necessidades não compreendidas.”
Os próprios professores e alunos são responsáveis por mediar os desentendimentos entre outros membros do corpo estudantil.
Os agentes de mudança – como são chamados os mediadores – provocam a reflexão entre os envolvidos em determinado conflito, podendo incluir até os indiretamente afetados pelo confronto, como um amigo de ambas as partes que fica em situação constrangedora por conta da briga.
“A gente acredita que conflito faz parte das relações humanas”, aponta Monica. “A questão é como resolvê-los.”
Uma escola que tem de 1.000 a 1.500 adolescentes pode se tornar um barril de pólvora se seus desentendimentos não forem bem geridos, completa Monica.
No estado de São Paulo, as escolas aderem voluntariamente ao programa de justiça restaurativa. Equipes formadas por 10 integrantes da comunidade escolar são capacitadas para se tornarem agentes de mudança em cada instituição de ensino.
Cerca de 70 escolas estaduais e municipais já adotaram práticas de justiça restaurativa nas cidades de São Paulo, São Caetano do Sul, São José dos Campos, Barueri e Guarulhos.
Luta pelo diálogo
Cristina Inês Calasso é educadora há 32 anos. Em 2006, ela ganhou mais uma função na escola: ajudar a solucionar conflitos.
A professora de história e geografia era vice-diretora de uma escola em Heliópolis, maior favela da cidade de São Paulo, quando aceitou participar do programa de justiça restaurativa.
“Na escola há tantos conflitos porque lá se reúnem pessoas da mesma idade e formação familiar”, aponta Cristina. “É lá que elas extravasam as angústias que trazem de casa.”
Um dos casos que Cristina ajudou a resolver foi a antipatia de uma turma de alunos do período noturno com relação à uma professora.
A maioria dos estudantes saía de casa às 5h da manhã para trabalhar. À noite, se sentiam desrespeitados por uma docente que entrava de cabeça baixa na sala, sem cumprimentar ninguém, recorda Cristina.
A ONG Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP), que atua em escolas de São Paulo desde 2006, está treinando 250 estudantes e 50 educadores para espalhar a Cultura de Paz no Rio. O vídeo “RAP da Justiça” (foto) é um dos recursos de treinamento. (Cortesia de CECIP,Turner Produções e Núcleo Bartolomeu)
Como retaliação, os alunos chegaram a colocar cola na cadeira da professora.
Durante a mediação feita por Cristina, a professora ofendida explicou que havia se mudado havia pouco tempo do interior para a capital. Ela estava sozinha na cidade e cumpria três turnos de trabalho. À noite, estava tão cansada, que não conseguia se dedicar aos alunos.
Após o círculo restaurativo, os conflitos cessaram.
“Eu me preparo para ter força e falar as palavras certas no momento certo”, diz Cristina.
Em 2010, a Secretaria de Educação decidiu instituir oficialmente nos quadros da rede de ensino a função de professor mediador. Em 2011, 2.100 docentes já exerciam a atividade – entre eles Cristina, na Escola Estadual Dr. Murtinho Nobre, no bairro do Ipiranga.
Processo de longo prazo
A maior dificuldade para a adoção da justiça restaurativa em ambiente escolar é conseguir mudar a visão dos próprios professores, segundo Sheila Bazarin, coordenadora das oficinas de pedagogia da diretoria de ensino Centro-Sul.
“Temos que trabalhar muito com nossos professores para que entendam que a responsabilização é melhor que a punição”, explica Sheila. “Por isso fazemos 22 encontros de capacitação por ano.”
Sheila é responsável por implantar o programa em uma área com 73 escolas estaduais. Dessas, 15 já aderiram à prática, e a meta é alcançar outras 15 esse ano.
“Uma vez que as pessoas têm consciência do que seu ato causou para as outras, elas não voltam mais a fazer”, diz.
Escolas municipais do Rio adotam programa
A rede de ensino municipal do Rio de Janeiro está se preparando para adotar oficialmente a justiça restaurativa. O projeto “Jovens e seu potencial criativo na resolução de conflitos” do CECIP está treinando cerca de 250 adolescentes entre 15 e 17 anos e 50 educadores para atuar como difusores da Cultura de Paz em 50 escolas municipais do Rio.
“Estamos trabalhando na contratação de pessoal, fazendo o levantamento de dados e a sensibilização das escolas para que queiram aderir ao projeto”, explica Flavia Fassi Samel, outra coordenadora do CECIP.
Com o apoio da comunidade escolar, os jovens irão atuar para transformar as unidades e seu entorno em um lugar de convivência pacífica, segura, de respeito à diversidade e sem preconceito, completa Flavia.
*Nelza Oliveira contribuiu do Rio de Janeiro, Brasil.
Infosur.