“O juiz deve dar sentenças não para serem vistas pelos tribunais, mas para resolver conflitos.” A afirmação cáustica, acompanhada de relatos sobre a situação de locais nas periferias onde não há presença do Judiciário, é do advogado e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior. Em palestra ministrada no 1º Encontro Nacional de Magistrados de 2ª Instância, ocorrido nesta quinta e sexta-feiras (18 e 19/6) em São Paulo e organizado pelo Tribunal de Justiça paulista, o advogado afirmou que o juiz é responsável pela pacificicação social em regiões de difícil acesso a autoridades.
Reale Júnior afirmou que o Judiciário deveria atuar de forma mais próxima à população das periferias. “Cerca de 70% dos problemas que chegam às delegacias nessas regiões são de ordem social, não criminal”, disse. Segundo ele, o papel dos juízes deveria ser o de mediar esses conflitos. “Quando ninguém dá atenção ao seu problema, a população tende a resolvê-lo com as próprias mãos.”
A Justiça restaurativa é a solução para esse tipo de situação, defende o advogado. “Casas de mediação e ouvidorias resolvem de forma simples. Plantões sociais podem ser feitos e são baratos”, disse. Para ele, no entanto, os Juizados Especiais Criminais, tidos como exemplo de Justiça restaurativa, na verdade apenas disfarçam o problema.
Reale conta que grande parte dos crimes sequer têm a tipicidade avaliada pelos juízes, que já sugerem as transações penais — a substituição de penas restritivas de liberdade por retritivas de direitos e pecuniárias. “A polícia piora a situação ao só expedir termos circunstanciados e não boletins de ocorrência, que a obrigam a investigar. A gaveta da polícia fica vazia, mas a do Ministério Público e dos Juizados superlota”, comparou.
Criada para reduzir a violência doméstica, a Lei Maria da Penha — a Lei 11.340/06 — também não escapou das críticas do ex-ministro. Segundo ele, a queda no número de notícias-crime relacionadas a violência de maridos e companheiros contra parceiras não revela a diminuição da violência, mas apenas que as mulheres têm denunciado menos. “Elas não querem vê-los na cadeia, mas sim que a violência cesse”, disse. O problema, segundo ele, é que a lei não permite que a vítima retire a queixa depois de formalizada, como é possível nos casos de estupro.
Discurso semelhante fez o secretário estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo, Luiz Antonio Guimarães Marrey. Segundo ele, houve protesto de alguns magistrados e membros do Ministério Público designados para trabalhar em fóruns na periferia do estado. “Eles diziam que teriam de passar por favelas e que corriam risco. Fomos checar e vimos que, no caminho, havia apenas casas pobres. Ora, a periferia não é a Suíça!”, afirmou. Marrey, que já foi membro do Ministério Público, afirmou que, no tempo em que era promotor, teve de fazer visitas a presídios, o que faz parte das atribuições da função. “Arrumei algumas confusões, mas cumpri meu dever”, garantiu.
Diante de uma platéia de cerca de 50 magistrados, Marrey fez um apelo aos juízes para que deixem de lado as “sentenças prolixas que dão satisfação pessoal” e passem a decidir de forma mais simples para poder julgar mais processos. Ele também criticou ordens de busca e apreensão coletivas, que não especificam as residências a serem invadidas, assim como os abusos na concessão de autorizações para interceptações telefônicas em massa. “Muitos números entram na lista sem haver uma justificativa. Mesmo assim as ordens são concedidas”, disse.
Marrey também destacou decisões judiciais que interferem na administração pública de forma abusiva. “O juiz não pode cair na tentação de ocupar o lugar do legislador e também do administrador público”, alertou. Segundo ele, as decisões podem obrigar os governos a cumprirem a Constituição e a lei, mas não podem dizer como as autoridades devem fazer isso. “Recentemente, uma liminar foi concedida para que o governo do estado fizesse a guarda de obras de arte apreendidas de um empresário acusado de crimes financeiros, o que é razoável. Mas a decisão obrigava o governo estadual a criar um espaço para a exibição em um dos prédios do Memorial da América Latina, o que não faz sentido”, contou.
Em outro caso, segundo o secretário, a Justiça obrigou a prefeitura de Porto Seguro a cancelar uma festa junina para que o dinheiro fosse gasto no combate à dengue. “Houve até situação em que a administração foi proibida de fechar as laterais de um viaduto porque o espaço deveria ficar aberto para moradores de rua”.
Revista Consultor Jurídico, 20 de junho de 2009
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