Alexandre Morais da Rosa
Doutor em Direito.
Professor do Programa de Mestrado/Doutorado da UNIVALI.
Juiz de Direito.
Professor de Direito Penal e Processo Penal (UNERJ/PUC-SC).
Mestre em Direito Penal (UNIMEP/SP).
Especialista em Direito Penal e Criminologia (ICPC/UFPR).
Membro fundador e conselheiro do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa (IBJR).
O objetivo deste ensaio é tecer algumas considerações sobre o bullying, sobretudo quando ocorre no âmbito escolar, e apresentar a justiça restaurativa como uma das formas de resolver os conflitos que envolvem a prática do fenômeno.
O bullying é uma prática presente no cotidiano, um problema mundial que todas as sociedades, desenvolvidas ou em desenvolvimento, enfrentam. Embora a maioria das pessoas desconheça o fenômeno, sua gravidade e abrangência, ultimamente este fenômeno tem chamado a atenção e aos poucos está sendo reconhecido como causador de danos e merecedor de medidas para sua prevenção e enfrentamento.
O bullying (termo inglês que significa tiranizar, intimidar) é um fenômeno que pode ocorrer em qualquer contexto no qual os seres humanos interagem, tais como, nos locais de trabalho (workplace bullying, mobbing ou assédio moral, como vem sendo chamado no Brasil), nos quartéis, no sistema prisional, na igreja, na família, no clube, através da internet (cyberbullying ou bullying digital) ou do telefone celular (móbile bullying), enfim, em qualquer lugar onde existam pessoas em convivência(1).
Todavia, é principalmente no ambiente escolar que a prática está mais presente. Ela pode acontecer em qualquer parte da escola, tanto dentro, como fora. Ainda que não tão visíveis quanto agora, este fenômeno pode ser encontrado em toda e qualquer instituição de ensino. A escola, que não conhece o assunto, que não desenvolve programas ou afirma que lá não ocorre bullying, é provavelmente aquela onde há mais situações desta prática(2).
Mas, o que é bullying escolar? Numa definição bastante utilizada no Brasil, o termo bullying “compreende todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder, tornando possível a intimidação da vítima” (3). Segundo Dan Olweus, cientista norueguês, o comportamento agressivo e negativo, os atos executados repetidamente e o desequilíbrio de poder entre as partes são as características essências do fenômeno(4).
Os protagonistas do bullying nas escolas são: os alunos-alvo/vítima (que sofrem o bullying), os alunos-autores/agressores (que praticam o bullying) e os alunos testemunhas/espectadores (que assistem aos atos de bullying)(5).
Entre as atitudes agressivas mais comuns praticadas pelo bully “valentão, brigão, tirano” estão às ofensas verbais (v.g. apelidos ofensivos, vergonhosos), agressões físicas (v.g. bater, chutar, empurrar, ferir, agarrar), e sexuais (v.g. estupro), maus-tratos, humilhações, intimidação, exclusão, preconceitos e descriminação (v.g. em razão da cor, da opção sexual, das diferenças econômicas, culturais, políticas, morais, religiosas), extorsão (v.g. “cobrar pedágio” ou extorquir o dinheiro do lanche), perseguições, ameaças, danificação de mate riais, envio de mensagens, fotos ou vídeos por meio de computador ou celular, bem como postagem em blogs ou sites cujo conteúdo resulte em sofrimento psicológico a outrem(6).
Geralmente a vítima de bullying é escolhida conforme características físicas, psicológicas ou de comportamento diferenciado. O alvo da agressão costuma ser quem o grupo considera diferente (v.g. o gordinho, o magrinho, o baixinho, o calado, o pobre, o CDF, o deficiente, o crente, o preto, o “quatro olho” etc.)(7). As vítimas podem apresentar os seguintes sinais e sintomas, entre eles, baixa autoestima, dificuldade de relacionamento social e no desenvolvimento escolar, ansiedade, estresse, evasão escolar, atos deliberados de autoagressão, alterações de humor, apatia, perturbações do sono, perda de memória, desmaios, vômitos, fobia escolar, anorexia, bulimia, tristeza, falta de apetite, medo, dores não especificadas, depressão, pânico, abuso de drogas e álcool, podendo chegar ao suicídio e até atos de violência extrema contra a escola(8).
Aliás, agressores e vítimas têm grandes chances de se tornarem adultos com comportamentos antissociais, podendo vir a adotar, inclusive, atitudes criminosas(9).
Na escola, o bullying não afeta apenas o agressor e a vítima, mas também as testemunhas, que são alunos que não sofrem nem praticam bullying, mas convivem com o problema e se omitem por medo ou insegurança. Presenciam muitas vezes o abuso, mas calam-se, por que, se delatarem o autor, poderão se tornar as “próximas vítimas”. Daí a omissão, o silêncio. Mas elas terminam por serem cúmplices da situação. Muitas se sentem culpados por toda a vida(10).
Segundo pesquisa divulgada em 2008 pela organização não-governamental Internacional Plan, por dia, cerca de 1 milhão de crianças em todo o mundo sofre algum tipo de violência nas escolas(11). Já Numa pesquisa publicada, também em 2008, pela Faculdade de Economia e Administração da USP – pesquisa feita em 501 escolas com 18.599 estudantes, pais e mães, professores e funcionários da rede pública de todos os Estados do País – pelo menos 10% dos alunos relataram ter conhecimento de situações em que alunos, professores ou funcionários foram vítimas do bullying. A maior parte (19%) foi motivada pelo fato de o aluno ser negro. Em segundo lugar (18,2%) aparecem os pobres e depois a homossexualidade (17,4%). No caso dos professores, o bullying é mais associado ao fato de ser idoso (8,9%). Entre funcionários, o maior fator para ser vítima de algum tipo de violência - verbal ou física - é a pobreza (7,9%). A deficiência, principalmente mental, também é outro motivo para ser vítima(12).
Pesquisas do tipo têm comprovado, enfim, aquilo que os estudiosos do tema têm sustentado há muitos anos: o bullying é prática cotidiana e os seus efeitos podem mesmo ser devastadores. Aliás, o aumento de visibilidade do fenômeno, através dos conhecimentos adquiridos com os estudos, devem ser utilizados para orientar e direcionar a formulação de políticas publicas e para delinear técnicas de identificação e enfrentamento do problema, buscando respostas adequadas que possam reduzir o fenômeno de forma eficaz.
Não há duvida de que esta prática necessita de respostas. As respostas repressoras (como a expulsão de alunos ou recorrer ao judiciário) são validas, mas nem sempre é a solução mais adequada, por isso devem ser evitadas, tanto quanto possível. Assim, devem-se privilegiar mecanismos alternativos/complementares de resolução de conflitos, como a justiça restaurativa.
Imagine a cena: um aluno ofende um colega de sala com um apelido humilhante. Pouco tempo depois, a pedido da vítima, os dois se reúnem na presença de outras pessoas (famílias, professores etc.) e, após das devidas desculpas, é feito um acordo para que o confronto não volte a acontecer. Sem mágoas. Isso é possível? Sim, além de possível tem se mostrado muito eficiente através da implementação da justiça restaurativa nas escolas, entre estudantes e entre os mesmos e os respectivos quadros executivos e administrativos.
As práticas restaurativas nas escolas são centradas não em respostas repressoras e punitivas, mas numa forma reconstrutiva das relações e preparativas de um futuro convívio respeitoso. Os processos restaurativos (mediação, conferências familiares ou círculos) proporcionam a vítima e o agressor, e outros interessados no caso (v.g. familiares, amigos, comunidade escolar), a oportunidade de se reunirem, exporem os fatos, falarem sobre os motivos e consequências do ato, ouvirem o outro, visando identificar as necessidades e obrigações de ambos. A vítima pode dizer que a atitude a incomoda e ele está mal com isso. O agressor entende o que ocorreu, conscientiza-se dos danos que causou a(s) vítima(s) e assume a responsabilidade por sua conduta, reparando o dano e demonstrando como pode melhorar. Em seguida, firma-se, então, um compromisso. Em muitos casos é possível o arrependimento, a confissão, o perdão e a reconciliação entre as partes. O encontro é acompanhado por um facilitador capacitado para esta prática (v.g. professor, aluno, assistente social, psicólogo), que tem como objetivo ajudar as partes a se entenderem, refletirem e chegarem a uma solução para o caso. Enfim, com a justiça restaurativa, escolas aprendem que, em vez de punir, é melhor dialogar para resolver os conflitos.
No Brasil, embora o bullying tenha despertado atenção crescente, ainda são raras as iniciativas e políticas anti-bullying. Para se combater o bullying é necessário que a sociedade (especialmente a comunidade escolar e os pais) reconheça que o bullying existe, é danoso e não pode ser admitido. Todos devem se envolver no problema e, em conjunto, buscarem soluções preventivas e resolutivas para o combate do fenômeno. Uma destas soluções, válidas e eficazes, é a implementação, em todas as escolas, de programas de justiça restaurativa.
Por fim, junte-se a nós e diga não ao bullying!
Bibliografia
DEVOE, Jill F; KAFFENBERGER, Sarah. Student Re ports of Bullying: Results From the 2001 School Crime Supplement to the National Crime Victimization Survey. Statistical Analysis Report. U.S. Department of Education, National Center for Education Statistics. Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 2005.
ESCOREL, Soraya Soares da Nóbrega; BARROS, Ellen Emanuelle de França. Bullying não é brincadeira. João Pessoa/PB: Gráfica JB, 2008. 21p.
FANTE, Cleo. Bullying Escolar: a prevenção começa pelo conhecimento. Jornal Jovem, setembro 2008, n. 11. Disponível em: . Acesso em: 2 outubro 2008.
MONTEIRO, Lauro. O que todos precisam saber sobre o bullying. Jornal Jovem, setembro 2008, n. 11. Disponível em: . Acesso em: 2 outubro 2008.
NETO, Aramis Lopes. Bullying – Comportamento Agressivo Entre Estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, vol. 81, 5 edição, Ed. Porto Alegre – nov. 2005, p. S164-S172. Disponível em: . Acesso em: 15 novembro 2009.
PRUDENTE, Neemias Moretti. Justiça Restaurativa em Debate. Revista IOB de Direito Penal e Processo Penal, Porto Alegre, vol. 8, n. 47, dez./jan. 2008, p. 203-216.
THOMAS, Milene Ferrazza. TIRANIA - Combatendo o ‘bullying’ escolar, Folha de Londrina. Disponível em: . Acesso em: 22 abril 2008.
Sites:
http://www.bullying.pro.br;
http://www.observatoriodainfancia.com.br.
http://www.bullying.com.br.
NOTAS
(1) Cf. MONTEIRO, Lauro. O que todos precisam saber sobre o bullying. Jornal Jovem, setembro 2008, n. 11. Disponível em: . Acesso em: 2 outubro 2008.
(2) Idem.
(3) NETO, Aramis Lopes. Bullying – Comportamento Agressivo Entre Estudantes. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, vol. 81, 5 edição, Ed. Porto Alegre – nov. 2005, p. S164-S172. Disponível em: . Acesso em: 15 novembro 2009.
(4) Cf. OLWEUS, Dan apud DEVOE, Jill F; KAFFENBERGER, Sarah. Student Reports of Bullying: Results From the 2001 School Crime Supplement to the National Crime Victimization Survey. Statistical Analysis Report. U.S. Department of Education, National Center for Education Statistics. Washington, DC: U.S. Government Printing Office, 2005, p. 1.
(5) Cf. MONTEIRO, Lauro. Op. Cit., 2008.
(6) Cf. FANTE, Cleo. Bullying Escolar: a prevenção começa pelo conhecimento. Jornal Jovem, setembro 2008, n. 11. Disponível em: . Acesso em: 2 outubro 2008; MONTEIRO, Lauro. O que todos precisam saber sobre o bullying, 2008.
(7) Cf. THOMAS, Milene Ferrazza. TIRANIA - Combatendo o ‘bullying’ escolar, Folha de Londrina. Disponível em: . Acesso em: 22 abril 2008.
(8) Cf. ESCOREL, Soraya Soares da Nóbrega; BARROS, Ellen Emanuelle de França. Bullying não é brincadeira. João Pessoa/PB: Gráfica JB, 2008, p. 8, 12-14; MONTEIRO, Lauro. Op. Cit., 2008.
(9) Inclusive, numa pesquisa feita na Europa, que acompanhou jovens que, entre 12 a 16 anos, eram agressores, verificou que até os 24 anos, 60% deles tinham pelo menos, uma acusação criminal (FELIZARDO, Mário. O Fenômeno Bullying. Disponível em: . Acesso em: 27 outubro 2009).
(10) Cf. ESCOREL, Soraya Soares da Nóbrega; BARROS, Ellen Emanuelle de França. Op. Cit., 2008, p. 13.
(11) UM milhão de crianças sofrem violência escolar por dia. Disponível em: < http://www.plan.org.br/noticias/conteudo/um_milhao_de_criancas_sofrem_violencia_escolar_por_dia-204.html>. Acesso em: 7 outubro 2008.
(12) Escola é dominada por preconceitos, revela pesquisa. O Estado de São Paulo, 18 de junho de 2009. Disponível em: . Acesso em: 02 novembro 2009.
Alexandre Morais da Rosa
Doutor em Direito.
Professor do Programa de Mestrado/Doutorado da UNIVALI.
Juiz de Direito.
Neemias Moretti Prudente
Professor de Direito Penal e Processo Penal (UNERJ/PUC-SC).
Mestre em Direito Penal (UNIMEP/SP).
Especialista em Direito Penal e Criminologia (ICPC/UFPR).
Membro fundador e conselheiro do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa (IBJR).
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Como citar este artigo: ROSA, Alexandre Morais da. PRUDENTE, Neemias Moretti. Bullying escolar e justiça restaurativa. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 17, n. 207, p. 10-11, fev., 2010.
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