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30 de mar. de 2009

Não posso mais ensinar

Sempre que os ânimos se exaltam na Escola Estadual de Ensino Fundamental Rafael Pinto Bandeira, uma possibilidade de diálogo é oferecida aos envolvidos antes de que a violência exploda. Se toparem, os personagens que caminhavam para o conflito vão para o Cantinho do Bem Querer, uma sala destinada ao diálogo, para discutir suas diferenças, apresentar sugestões e, sempre que possível, chegar a um acordo.

– As agressões físicas diminuíram sensivelmente. Os alunos entenderam que existe uma possibilidade diferente de resolver conflitos – diz Clemi Guindani Gonçalves, 59 anos, assistente financeira da Rafael Pinto Bandeira e uma das responsáveis pelo projeto Justiça Restaurativa na escola.

Modelo de conciliação cresce nas instituições de ensino em São Paulo

Desde 2005, a Rafael Pinto Bandeira e outras duas escolas da Capital disseminam a cultura do diálogo para resolução de conflitos. Constituído em formato de círculos restaurativos, que oferecem aos envolvidos em situações de violência física ou verbal a possibilidade de entendimento através da conversa, a iniciativa vai, aos poucos, arrefecendo ânimos.

– A cultura da violência se torna uma linguagem, uma forma de expressão. Os heróis são violentos. A Justiça Restaurativa apresenta uma linguagem de comunicação não violenta. É mais relevante como processo do que como resolução – diz o juiz Leoberto Narciso Brancher, da 3ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, um dos coordenadores do projeto piloto, em parceria com a Justiça Estadual, o Ministério Público, a Secretaria Estadual da Educação e a faculdade de serviço social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

O próximo passo é ampliar, a exemplo do que ocorre em São Paulo, a adesão da Justiça Restaurativa em escolas do Estado. Conforme o juiz Egberto de Oliveira Penido, assessor da presidência da seção de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, além de 15 escolas em São Paulo, 15 em Guarulhos, 13 em São Caetano do Sul, há outras 15 sendo implantadas na capital.

– O envolvimento institucional é muito grande. O nosso principal parceiro é a Secretaria Estadual da Educação – revela Penido.

Ao deixar o hospital, após 10 dias de internação em Porto Alegre, o diagnóstico nocauteou Rejane Maria Sanches:

– Desatei a chorar quando o médico me disse que eu não ia mais enxergar.

Aos 49 anos, cega do olho direito, Rejane era condenada a jamais voltar para a sala de aula, uma de suas paixões.

O incidente que deixou Rejane com a visão pela metade aconteceu no dia 14 de março de 2006, uma terça-feira ensolarada na zona sul do Estado. Professora da 2ª série B da Escola Municipal de Ensino Fundamental Núcleo Habitante Dunas, periferia de Pelotas, a educadora tentava apartar dois brigões mirins – um de 10 anos e outro de oito anos – quando um deles arremessou uma cadeira contra ela.

O assento atingiu o rosto de Rejane e um dos pés perfurou o glóbulo ocular direito da professora, causando uma lesão irreversível. Tudo o que Rejane enxerga com a vista machucada são pequenas e indecifráveis faixas de luz.

– De um dia para o outro, me tornei uma deficiente física. É triste – conta.

Rejane passou a conviver com o preconceito.

– Antes, eu pensava como deviam sofrer os deficientes, sem um braço, uma perna, de cadeira de rodas. Agora, sem um olho, percebo como é duro o preconceito – detalha a professora.

Com a visão imperfeita, viu-se incapaz de voltar à sala de aula. Dois anos e meio foram necessários para que o governo municipal constatasse que Rejane, mãe de Gladstone, 18 anos, e Francine, 14 anos, única dos sete irmãos da família Sanches a alcançar a universidade (cursou magistério e formou-se em Pedagogia), ainda era útil ao serviço público.

Desde junho passado, cumpre expediente no protocolo da Secretaria Municipal da Educação, em Pelotas. Trocou a nobre profissão de alfabetizar crianças pela tediosa rotina de tirar fotocópias atrás de um balcão e conferir contracheques de colegas. Com a voz embargada do outro lado da linha, Rejane suspira:

– Uma das coisas mais bonitas é ver uma criança aprendendo a ler, escrevendo as pequenas frases.

Não alimenta rancor, embora sinta um frio na espinha sempre que volta à Núcleo Habitante Dunas e seja tomada por um temor irracional ao deparar com estudantes na rua.

– Nunca mais vi o menino que me jogou a cadeira. Não importa. Só quero o bem daquelas crianças – diz Rejane.


Zero Hora. 29 de março de 2009 | N° 15922.

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Livros & Informes

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  • AGUIAR, Carla Zamith Boin. Mediação e Justiça Restaurativa. São Paulo: Quartier Latin, 2009.
  • ALBUQUERQUE, Teresa Lancry de Gouveia de; ROBALO, Souza. Justiça Restaurativa: um caminho para a humanização do direito. Curitiba: Juruá, 2012. 304p.
  • AMSTUTZ, Lorraine Stutzman; MULLET, Judy H. Disciplina restaurativa para escolas: responsabilidade e ambientes de cuidado mútuo. Trad. Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
  • AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de. A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006.
  • CERVINI, Raul. Os processos de descriminalização. 2. ed. rev. da tradução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
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