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29 de dez. de 2008

Paz no meio do fogo cruzado




Quando irrompeu uma onda de violência no Quênia, após as controversas eleições de dezembro de 2007, um grupo de reconciliadores quakers entrou em ação, no meio do fogo cruzado.



Na primeira semana, começamos por visitar os 2.400 Kykuyus - um grupo étnico que foi nosso público-alvo na área - em um acampamento na escola primária da nossa cidade natal, Lukanda, na região rural do oeste do Quênia. Descobrimos que eles precisavam de mais alimentos do que a Cruz Vermelha havia fornecido. Embora nossos recursos fossem muito limitados, fizemos o possível. Uma centena de cobertores não podia cobrir 2.400 pessoas, e, então, foram dados às crianças e idosos. As crianças pequenas não podiam comer - sem que tivessem diarréia - o milho duro e com inseticidas, então nós lhes demos arroz.



Um provérbio burundinês diz que "um amigo de verdade aparece nas horas de necessidade"; de fato, nossa presença foi recebida com gratidão desde o princípio. Em tempos de conlito, o primeiro passo da pacificação é visitar os afetados pela violência.



O desafio de ouvir os habitantes que promoveram a violência



O segundo passo é ouvir as preocupações das pessoas desalojadas pelos conflitos. Em fevereiro - mês em que a escolha estava sendo reaberta -, as pessoas já tinham sido movidas para um acampamento maior - em uma cidade chamada Turbo, perto de uma delegacia de polícia, a 10 quilômetros dali. Ficou mais difícil visitarmos essas pessoas, mas nós continuamos a fazê-lo semanalmente. Com o tempo, trouxemos quarenta conselheiros quakers voluntários para organizar sessões para ouvir essas pessoas.



A maioria dos conselheiros eram do grupo étnico local Luhya, que também foi um dos grupos que deslocaram os Kikuyu. Cada um deles já havia tido treinamento em atividades de reconciliação, e recebeu treinamento adicional para essas sessões. O objetivo delas era escutar as histórias do que aconteceu com essas pessoas, descobrir suas necessidades e ouvir sobre as suas esperanças e medos em relação ao futuro. Nós fomos as primeiras - e acho que as únicas - pessoas a ouvirem, sem julgamentos, as suas histórias, dificuldades e preocupações.

O terceiro passo é ouvir os perpetradores da violência, os que causaram o deslocamento. Fomos às comunidades das quais as pessoas haviam sido expulsas. De novo, conduzimos o mesmo tipo de sessões, que dessa vez foram muito mais difíceis, já que os habitantes que promoveram a violência era freqüentemente muito hostis. Ouvimos com paciência, não reagindo nem às declarações mais absurdas e preconceituosas. Às vezes, éramos acusados de ser espiões do governo. Contudo, no fim das contas, as pessoas estavam muito agradecidas, pois ninguém mais tinha vindo ouvir o seu lado da história.



O quarto passo é acompanhar as pessoas desalojadas no seu retorno para casa. Em junho, o governo queniano estava exigindo que as pessoas desalojadas retornassem para suas comunidades, mesmo que nenhuma paz ou reconciliação tenha sido feita. Uma vez, quando não estávamos presentes, os retornados foram recebidos com violência, e tiveram que voltar ao acampamento. O representante do governo local nos chamou para ajudar, e a segunda tentativa foi muito mais positiva: a comunidade decidiu que deveria receber seus vizinhos de volta.



Mais de 150 oficinas realizadas nas comunidades mais afetadas de Nyanza e das províncias do norte e oeste do Rift Valley



O último passo é aproximar ambos lados e cicatrizar as feridas da comunidade, para que elas não se tornem a "causa" de uma nova onda de violência no futuro. Para conseguir o envolvimento dos jovens - que tiveram grande participação na violência -, organizamos uma corrida de bicicletas para rapazes que usam suas bicicletas como táxis.



Nós reaproximamos as duas comunidades através da organização de três dias de oficinas de Alternativas à Violência, nas quais foram passadas noções de auto-afirmação, comunicação, cooperação, bem como métodos não-violentos de resolução de conflitos. Participaram membros dos vários grupos étnicos da região.



Iniciamos esse programa em 2003, e treinamos cerca de 20 facilitadores treinados. Decidimos concentrar o nosso trabalho nos jovens perpetradores ou vítimas da violência. Fizemos mais de 150 oficinas nas comunidades mais afetadas das três províncias ocidentais do Quênia - Nyanza, Rift Valley do Norte e Rift Valley Ocidental. Tentamos atingir um conjunto de pessoas o mais variado possível, em termos de composição étnica. Também queremos manter o equilíbrio de gênero. Nós continuamos a fazer essas oficinas em vários lugares, esperando que, quando chegarem as próximas eleições - o quando ocorrer alguma outra crise -, as pessoas locais possam reagir sem violência.



Fomos bem-sucedidos? Não saberemos até que irrompa uma nova crise. Nós aprendemos que é necessário se colocar dentro das comunidades violentas o mais cedo possível, e trabalhar com todos os lados - sendo o mais neutro possível. Assim, podemos fazer acontecer a paz, a reconciliação e a cura.



* David Zarembka é coordenador da African Great Lakes Initiative of the Friends Peace Teams.


Comunidade Segura. David Zarembka 26/12/2008.

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Livros & Informes

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