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12 de set. de 2008

(Notícias Comentadas) Aspectos jurídicos da Justiça restaurativa

Inicialmente, cumpre-nos situar a Justiça restaurativa nos modelos de resolução dos conflitos penais em uma divisão elaborada por Luiz Flávio Gomes, um dos precursores do movimento no Brasil, e García-Pablos. São três as divisões:

(a) dissuasório clássico, fundado na implacabilidade da resposta punitiva estatal, que seria suficiente para a reprovação e prevenção de futuros delitos. A pena contaria, portanto, com finalidade puramente retributiva;

(b) ressocializador, que atribui à pena a finalidade (utilitária ou relativa) de ressocialização do infrator (prevenção especial positiva). Acreditou-se que o Direito penal poderia (eficazmente) intervir na pessoa do delinqüente, sobretudo quando ele estivesse preso, para melhorá-lo e reintegrá-lo à sociedade;

(c) consensuado (ou consensual) de Justiça penal, fundado no acordo, no consenso, na transação, na conciliação, na mediação ou na negociação (plea bargaining).


Dentro do modelo consensuado, distinguimos, ainda, dois sub-modelos bem diferenciados:

(a) modelo pacificador ou restaurativo (Justiça restaurativa, que visa à pacificação interpessoal e social do conflito, reparação dos danos à vítima, satisfação das expectativas de paz social da comunidade etc.)

(b) modelo da Justiça criminal negociada (que tem por base a confissão do delito, assunção de culpabilidade, acordo sobre a quantidade da pena, incluindo a prisional, perda de bens, reparação dos danos, forma de execução da pena etc., ou seja, o plea bargaining). É a marca registrada do modelo norte-americano de Justiça criminal, que é conhecido como plea bargaining. Permite acordo sobre todos os aspectos penais (sobre pena, sobre a definição do delito, perda de bens, forma de execução da pena etc.). O acusado assume responsabilidade pelo injusto cometido (ou seja: aceita sua culpabilidade) e a negociação se faz entre ele, seu defensor e o representante do Ministério Público. (GARCIA-PABLOS DE MOLINA e GOMES, L. apud GOMES, Luiz Flávio. Justiça Penal Restaurativa. Disponível em http://www.wiki-iuspedia.com.br. Acessado em 14/04/2008).

Feitas as distinções, nos ateremos ao modelo pacificador, restaurativo, objeto precípuo do texto.

A Justiça Restaurativa visa, essencialmente, ao processo de restauração de um trauma individual e social (MARTINS, Vinícius Lopes. Evoluções do Direito: A Justiça Restaurativa. Disponível em http://jornalrecomeco.blogspot.com/2007/08/justia-restaurativa.html. Acessado em 14/04/2008).

Ora, o cerne da Justiça está na paz social. E restaurativo, proveniente da palavra restaurar (do latim restaurare), vem significar, segundo Aurélio, consertar, reparar, restabelecer, restituir, recuperar (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999).

Conforme aponta Vinícius Lopes Martins, "desde meados do século XX, a crítica sociológica aponta a existência de funções ocultas que acabam por liquidar os supostos fins de prevenção (geral e especial) atribuídos ao direito penal e à justiça criminal como um todo". Assim, a evolução do sistema de justiça busca dar "respostas concretas àquelas questões cruciais que eclodiram com a crítica sociológica e que tanto perturbam a consciência do operador do direito, sem, entretanto, recair num minimalismo ou abolicionismo" (MARTINS, Vinícius Lopes. Evoluções do Direito: A Justiça Restaurativa. Disponível em http://jornalrecomeco.blogspot.com/2007/08/justia-restaurativa.html. Acessado em 14/04/2008).

O magistrado Leoberto Narciso Brancher explica que há, de um modo geral, "o reconhecimento de que o sistema punitivo tradicional concentra-se excessivamente nos papéis de atores estatais (policial, promotor, juiz) e na figura do acusado (e seu advogado) (...) que se ocupa de reconstituir para então punir". E as principais conseqüências encontradas no seio social são "a amplificação dos conflitos e a reverberação da violência" (BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça Restaurativa: a Cultura de Paz na Prática da Justiça. Disponível em http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/JUST_RESTAUR/VIS%C3O+GERAL+JR_0.HTM. Acessado em 14/04/2008).


Nesses moldes, a vítima fica à margem do processo e, em regra, não há preocupação com os danos materiais e, principalmente, com os danos psicológicos produzidos pela infração, nem na vítima, nem em sua comunidade afetiva e, muito menos, na comunidade afetiva do próprio infrator, todos alvos reflexos do delito.


Ao observar a problemática, os teóricos buscaram uma forma de pacificação social que não objetivasse tão somente a retribuição e/ou ressocialização do infrator. Ademais, essa última, a despeito do que se pensou inicialmente, não tem sido atendida. Basta observarmos a realidade carcerária do país, que está à beira do colapso completo. A prevenção não vem sendo alcançada.

Assim, chegamos à Justiça restaurativa, a qual procura uma "resposta efetiva e incisiva ao problema criminal, mediante a compreensão e apreensão das reais causas dos conflitos, participação ativa dos atores sociais (infratores, vítimas e comunidade), integração da emoção e demais formas de subjetividade no processo restaurativo, máximo atendimento das expectativas sociais e ampliação dos resultados possíveis de um acordo restaurativo, sempre com respeito aos direitos e garantias fundamentais do ser humano e segundo um ideal de cooperação, solidariedade e emancipação humana" (MARTINS, Vinícius Lopes. Evoluções do Direito: A Justiça Restaurativa. Disponível em http://jornalrecomeco.blogspot.com/2007/08/justia-restaurativa.html. Acessado em 14/04/2008).

Nela, os envolvidos não se reportam a um terceiro que se supõe capaz de decidir o conflito, mas assumem pessoalmente a responsabilidade de elaborar uma solução de consenso, a qual respeita igualmente as necessidades de cada um. Vinícius Martins afrma que passamos da Justiça piramidal à Justiça circular. Tem-se, portanto, a restauração verdadeira da paz social. Os "princípios éticos da Justiça Restaurativa permitem compreender que a desconstrução dos mecanismos tradicionais da justiça, ao menos na sua versão preponderantemente punitiva, passa a representar não só uma opção política viável, mas também um horizonte desejável para o futuro das instituições do Estado Democrático de Direito, dos Direitos Humanos e da Democracia" (MARTINS, Vinícius Lopes. Evoluções do Direito: A Justiça Restaurativa. Disponível em http://jornalrecomeco.blogspot.com/2007/08/justia-restaurativa.html. Acessado em 14/04/2008).

Esse posicionamento traz um "empoderamento dos indivíduos e da comunidade a eles relacionadas, além de um valioso exercício de inteligência emocional que reverte em aprendizagem de uma nova prática democrática, a democracia deliberativa, bem representada pela organização de um círculo no qual todos comparecem em condições de absoluta igualdade ao invés de submissos a alguma forma de assimetria hierárquica" (BRANCHER, Leoberto Narciso. Justiça Restaurativa: a Cultura de Paz na Prática da Justiça. Disponível em http://jij.tj.rs.gov.br/jij_site/docs/JUST_RESTAUR/VIS%C3O+GERAL+JR_0.HTM. Acessado em 14/04/2008).

No Brasil, mediação é, na atualidade, a forma predileta de resolução de conflitos da chamada Justiça restaurativa (SICA, Leonardo. apud GOMES, Luiz Flávio. Justiça Penal Restaurativa. Disponível em http://www.wiki-iuspedia.com.br. Acessado em 14/04/2008).

E, segundo o professor Luiz Flávio Gomes, "deve ser dirigida por terceiros imparciais (mediadores profissionais)" onde o objetivo se encaixa perfeitamente nos moldes da Justiça restaurativa, que é "a integração social de todos os envolvidos no problema, a preservação da liberdade, a ampliação dos espaços democráticos dentro da Justiça penal, redução do sentido aflitivo e retributivo da pena, superação da filosofia do castigo a todo preço, restauração do valor da norma violada, da paz jurídica e social etc."(grifo nosso) Porém, adverte o jurista que "a mediação não pode ser concebida como uma panacéia porque parece válida apenas para alguns delitos (normalmente de média gravidade), excluindo-se os fatos de alta ou altíssima potencialidade lesiva" (GOMES, Luiz Flávio. Justiça Penal Restaurativa. Disponível em http://www.wiki-iuspedia.com.br. Acessado em 14/04/2008).

15/04/2008-11:00

Disponível em: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080414172130986

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Livros & Informes

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  • AMSTUTZ, Lorraine Stutzman; MULLET, Judy H. Disciplina restaurativa para escolas: responsabilidade e ambientes de cuidado mútuo. Trad. Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
  • AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de; CARVALHO, Salo de. A Crise do Processo Penal e as Novas Formas de Administração da Justiça Criminal. Porto Alegre: Notadez, 2006.
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