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26 de jun. de 2008

Artigo: O paradoxo da Lei Maria da Penha

Por André Luís Alves de Melo


O caso de agressão à Sra. Maria da Penha pelo seu ex-marido deve ser repudiado, mas o advento da lei 11340/06 acabou por trazer perplexidades e até mesmo dificultar o combate à violência doméstica.

Em primeiro lugar é preciso reconhecer que em geral as mulheres sofrem mais violência física em seus lares do que os homens. Mas pesquisas também comprovam que as mulheres agridem mais verbalmente. É claro que uma agressão não justifica a outra. Entretanto, a lei ora fala em tratamento e ao mesmo tempo busca agravar com prisões, o que é paradoxal.

Nesse sentido, estamos fatiando o Direito e a família em lei do Idoso, da criança, da mulher, da juventude e ao final não se sabe quem irá atuar e qual lei a aplicar como no caso de uma adolescente agredir a sua avó em casa. Seria o ECA ? Seria o Estatuto do Idoso ? Seria a Lei Maria da Penha ? E o processo fica perambulando por Delegacias, Promotorias e Varas sem encontrar um resultado efetivo e correndo o risco de ser anulado.

Questões familiares deveriam ser resolvidas com outra abordagem, inclusive com a participação efetiva de psicólogos e assistentes sociais, bem como agentes comunitários de justiça para acompanhamento dos casos. No entanto, o meio jurídico não vê com bons esse trabalho multidisciplinar, logo prefere criar Varas e mais Varas com plaquinhas de “Varas especializadas” , mas nem mesmo cursos especializados têm os profissionais que atuam nas mesmas.

Em determinado Juizado Criminal foi constatado que 80% dos casos eram brigas entre familiares ou vizinhos, logo uma atuação com o apoio de psicólogos e assistentes sociais em conjunto com agentes comunitários seria o ideal. No entanto, as Instituições jurídicas alegam que não têm verba para isso, mas apenas para se criar mais Varas e Promotorias. Ou seja, reserva de mercado e verbas públicas.

Vejamos a incoerência da lei, a qual prevê a pena máxima doze vezes superior à mínima. Ou seja, de três meses a três anos com o intuito de retirar a competência do Juizado Especial, pois não deseja pena alternativa. Ora, mas como ao final propõe tratamento ? E o pior, cria Varas de Defesa da Mulher apenas para crimes decorrentes de relação sentimental. Mas, e se a agressora for uma filha ou neto ?

Essas Varas “criminais” têm competência cível e criminal, sendo que na prática usam uma vara criminal ( que lida com bandidos ) para resolver questões familiares e cíveis, pois isso é o que tem acontecido. Mas e se o Juiz ou o Promotor forem homens ? Como é que ficaria essa questão em julgamento de implícita natureza sexista.

A lei fala apenas em crimes, logo excluídas as contravenções. Porém, alguns querem dar interpretação extensiva de forma prejudicial ao réu, o que é um absurdo, pois os princípios sempre garantiram a liberdade do acusado. Mas, faremos Inquérito até mesmo para contravenções ? Isso aumentaria enormemente a burocracia e sem eficácia investigativa.

E se não cabe transação penal, caberia suspensão do processo ? Entendo cabível a suspensão, afinal o art. 89 não é especifico ou exclusivo do Juizado Especial, apenas foi colocado na lei 9099/95, por questão de oportunidade legislativa.

Ademais, como se trata de crime doloso cometido com violência contra a pessoa física não cabe pena alternativa, mas cabe suspensão da pena. Ou seja, conclui-se o processo e suspende a pena, o que é muito pior do que a transação penal.

E para piorar, a pena inferior a um ano prescreve em dois anos, e conhecendo a prática judicial todos sabemos que a tendência é condenação próxima ao mínimo legal, logo a possibilidade de prescrição é grande.

E se eventualmente condenado, e não obter sursis da pena, terá que iniciar a pena privativa de liberdade. Ora, e o tratamento ?

Em razão de um caso comovente estamos transformando meras ameaças e discussões em casos de terrorismo jurídico e legal. E em razão da grande quantidade de casos menores, os realmente graves acabam perdendo a possibilidade de serem atendidos.

As próprias vítimas não querem, em geral, a prisão dos seus companheiros, mas que o Delegado, Promotor ou o Juiz dêm um sermão. E assim, ficam nas portas destes órgãos implorando por liberdade dos seus agressores.

A lei atual não protege o homem, o que é de duvidosa constitucionalidade . Aliás, não protege nem mesmo a família, nem busca uma terapia para solucionar o problema, o qual muitas vezes pode decorrer do alcoolismo ou problemas psicológicos. Nem mesmo refere-se ao SUS ou Municípios como eventuais parceiros, sendo que menos de dois mil municípios são sede de Comarca.


Diante disso, o ideal seria que:

1) a Lei estipulasse que TODOS os Municípios deveriam contar com juntas de mediação e conciliação familiar com assistentes sociais, advogados e psicólogos, além de agentes comunitários de justiça e que acompanhariam esses casos de desajuste familiar

2) As lesões leves e contravenções continuariam no Juizado Especial, enquanto as lesões média e grave iriam para a Vara Criminal com possibilidade de prisão. Sendo que se a vítima ficasse internada mais de 24 horas já qualificaria o crime como de lesão média (inovação legal).

3) As transações penais seriam de tratamento ou prestação de serviço, sendo vedada a de multa, prestação pecuniária ou cesta básica. Não há necessidade de proibir a transação, basta proibir algumas modalidades.

4) Estabelecer núcleos de Justiça Restaurativa em todas as cidades do país para atender em casos de violência doméstica.


Acesso em: www.direitomoderno.com

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Livros & Informes

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