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27 de jun. de 2008

Artigo: Violência doméstica: críticas e limites da Lei Maria da Penha

Por Ana Lucia Sabadell, Doutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade do Saarland (Alemanha). Mestre em Direito Penal (Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha) e em Criminologia (programa Erasmus da União Européia). Professora dos Cursos de Graduação e Mestrado em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba. Membro fundador do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa (IBJR).


A partir da IV Conferência da Mulher, realizada em Pequim em 1995, foi introduzido o conceito de empoderamento (empowerment) para tratar da problemática da violação dos direitos humanos das mulheres. Isto significa “potencializar” a participação das mulheres em igualdade de condições com os homens na vida econômica e política e no processo de tomada de decisões, propiciando melhorias nas condições de vida de ambos os gêneros. Tendo o empoderamento um caráter transformador, na medida em que são satisfeitos os interesses das mulheres ocorre também uma modificação nas relações de gênero.

A violência contra a mulher, em todas as suas formas, incluindo-se aqui a discriminação, é um empecilho para o processo de empoderamento e conseqüente desenvolvimento humano da figura feminina. De fato, desde finais dos anos de 1980 teóricas feministas ligadas a órgãos internacionais vêm trabalhando com o enfoque denominado gênero em desenvolvimento (GED), propondo um novo modelo de desenvolvimento sustentável e igualitário, centrado na pessoa, que tem como pré-requisito a redistribuição do poder nas sociedades modernas. Trata-se de um enfoque que mantém estreita ligação com a idéia de empoderamento das mulheres, entendido como aumento de poder para, poder com e poder desde (em contraposição ao poder patriarcal sobre a mulher). Esta seria a estratégia e o objetivo do desenvolvimento. Trata de um novo modelo de desenvolvimento.

O Brasil é membro da ONU e da OEA e, como signatário de diversos tratados internacionais - incluindo-se os específicos sobre direitos das mulheres -, encontra-se na obrigação de legislar e tomar todas as medidas adequadas para coibir a violência contra a mulher. Nesse sentido é que deve ser entendida a aprovação da lei 11.340 de 2006, que ficou conhecida como a Lei Maria da Penha. Trata-se de uma lei que apresenta avanços e retrocessos no tratamento da violência doméstica. Por um lado, a lei afirma a necessidade de conceder-se um tratamento multidisciplinar à matéria, fato este que não deixa de ser um reconhecimento sobre os limites que possui o direito - e em especial o direito penal -, para solucionar conflitos sociais graves. Como uma “boa carta de intenções” afirma-se a necessidade de desenvolver medidas educativas (art. 8.º) para combater a violência doméstica, incentivando-se inclusive a realização de pesquisas. No âmbito jurídico, as propostas também não se limitam à esfera penal. Isto constitui, sem dúvida, um avanço em termos de legislação em matéria de direitos humanos.

Realmente o direito penal pode oferecer muito pouco às mulheres que são diariamente agredidas por seus atuais ou ex- maridos, namorados e familiares mais próximos. Porém, mais importante do que punir é educar. Há mais de uma década venho insistindo que a problemática da cultura machista (em termos científicos denominamos de patriarcado) só pode ser combatida por meio de uma mudança social de valores e para isso a educação constitui o elemento mais importante. É preciso mudar mentalidades.

Ocorre que realizar uma tal mudança não constitui uma tarefa fácil. Homens e mulheres estão conjuntamente envolvidos (e educados) em um ambiente culturalmente machista, onde ainda predomina o desrespeito à mulher. Como promover uma tal mudança social?

Por esse motivo, a luta contra a violência doméstica é muito mais complexa do que se possa imaginar. Questões tão sutis como a propagando do carro ou da cerveja, onde imagens femininas são veiculadas para estimular a venda, nos indicam, infelizmente, que a mulher continua sendo vista como objeto de barganha, de compra e venda. E se pensamos na cultura do corpo perfeito, do botox e do silicone, perceberemos que ser mulher significa “manter intacta” a sua propriedade, de forma que essa sempre pareça bela e atrativa aos olhos masculinos. Quando um ser humano é tratado como objeto, o respeito desaparece e a violência começa a ser percebida como normal.

Os reflexos da cultura patriarcal podem ser percebidos na lei 11.340 e também na própria atuação do poder judiciário em matéria de violência doméstica. Há muitos anos venho insistindo ser necessário dar “voz” às vítimas. Tanto a definição de violência doméstica como os métodos de intervenção e solução do conflito, no âmbito jurídico, necessitam levar em consideração a perspectiva e as necessidades das vítimas.

Infelizmente, no que tange às inovações em matéria penal, o legislador optou por silenciar as mulheres. A Lei 9.099/95 antes aplicada aos casos de lesão corporal leve e ameaça, com o advento da lei 11.340, passou a ser expressamente proibida em situações de violência doméstica. Em palavras simples. Em 1995, visando facilitar o acesso à Justiça, foi criada uma lei que permitia a realização de acordos (com a interrupção do processo penal) para delitos castigados com pena não superior a dois anos. Muitas mulheres que chegavam à delegacia da mulher (vítimas de violência doméstica), sofriam agressões (lesão corporal leve, ameaça) castigadas com pena inferior a 2 anos de prisão. Por isso, apesar da Lei 9.099 não ter sido criada com o intuito de “resolver” o problema da violência intrafamiliar, acabou se transformando em um instrumento empregado na solução desse problema. Ocorre que devido à falta de preparo do operador jurídico (que insisto desconhece a problemática do patriarcalismo), surgiam sentenças que indicavam a ineficácia social da lei. Juízes ordenavam, como forma de solução de conflitos, aos maridos o pagamento de cestas básicas, compra de flores para as esposas, oferecimento de jantares e até tinta para a impressora do tribunal!

Obviamente, pode-se dizer que, via de regra, os acordos proferidos no âmbito de aplicação da Lei 9.099, não satisfazem a necessidade nem das vítimas nem agressores e nem da sociedade (pensando-se em termos de prevenção de conflitos). Porém, essa constatação não anula a especificidade de gênero da resposta penal. Que acordos são forçados, que os corredores dos tribunais mais parecem um mercado, em um alucinado “quem dá mais”, é fato conhecido - inclusive denunciado em trabalhos científicos -, pelos operadores do direito envolvidos com a aplicação da Lei 9.099.

As decisões em relação aos casos de violência doméstica apenas indicam que o operador desconhece a realidade com a qual trabalha, que está afundado junto com a vítima e seu agressor numa cultura machista, sendo incapaz de perceber a gravidade da situação que lhe é apresentada por meio do conflito jurídico.

Porém, no caso da lei 9.099, a vítima podia sempre “desistir” da ação e a pena era uma ameaça que “podia” não ser cumprida. O legislador no caso da lei 11.340 decidiu aumentar a pena máxima (apesar de ter diminuído a mínima, adotando um simbolismo pueril) e dificultar a possibilidade de renúncia da ação. Só será esta última admitida “em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o ministério público” (art.16). Ora, é muito comum que a mulher desista da ação. E isso não ocorre só no Brasil, em diversos países de primeiro mundo estudos indicam que a vítima muitas vezes opta por “reatar” com o seu agressor. Sem querer examinar neste pequeno artigo quais são as causas (psicológicas, educacionais, religiosas e econômicas) que levam às mulheres a “voltarem” para os braços de seus agressores, é necessário chamar atenção para o desejo expresso pela vítima. Como já disse diversas vezes, a mulher que apanha não deseja, via de regra, ver o seu companheiro (incluindo aqui o ex) preso. Não é isso o que ela busca quando se socorre do sistema de justiça penal, ela apenas quer que ele deixe de bater. E isso é mais claro ainda quando a mulher tem filhos com seu agressor. Que história ela vai contar para os filhos?

Mas o legislador penal diz a ela que seu interesse não conta. E o mesmo lhe diz o juiz, o promotor (incluindo aqui certos setores do movimento feminista), enfim, todas as instâncias do sistema penal. Então, a mulher abandonada à sua própria sorte afasta-se do sistema de justiça penal. De fato, alguns estudos já indicam uma diminuição no número de “denúncias” feitas pelas mulheres nas DDMs. Se o legislador brasileiro fosse mais sério e realmente fizesse estudos preparatórios - inclusive de caráter comparativo -sobre o impacto de normas em matéria de violência doméstica, provavelmente teria aprendido com a experiência de outros países que a lei penal mais rígida leva apenas ao afastamento da vítima.

Para finalizar quero insistir no machismo associado à falta de preparo do operador jurídico em matéria de violência doméstica e o ilustro comentando três situações. No Habeas Corpus N.º 2007.00.2.003672-2C (Primeira Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal), datada de 17 de maio do corrente ano, o tribunal opta pela concessão do recurso, contrariando decisão de uma juíza da Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, que se negava em aceitar a renúncia da vítima, mesmo tendo sido esta interposta no prazo legal. Em 28 de junho deste mesmo ano, a Segunda Turma Criminal deste mesmo tribunal, em HC N.º 20070020040022 (relator Nilsoni de Freitas) decide em sentido contrário! O pedido é o mesmo que ensejou o HC anteriormente citado, mas dessa vez o tribunal entende que “na busca da concretização dos fins propostos pela Lei 11.340/2006 prevalece o interesse público traduzido na coibição de violência doméstica”. E nessa busca opta por impedir que a vítima exerça o seu direito de renúncia. Sem entrar em uma discussão dogmática, quero apenas salientar que tanto a negativa da juíza no primeiro caso, como a negativa do tribunal no segundo caso, indicam, do ponto de vista jussociológico o total o desconhecimento do operador jurídico em relação ao tema da violência doméstica. Não existe o interesse da vítima, mesmo quando a lei expressa taxativamente quais são os seus direitos.

Em segundo lugar, a alegação de alguns juristas e magistrados acerca da suposta inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha. Um dos argumentos suscitados é a violação do princípio da igualdade entre os sexos, posto que teria sido concedido tratamento diferenciado para o réu quando se trate de lesão corporal com emprego de violência doméstica (vítima mulher). Ocorre que no caso da lesão corporal prevista no art.129, § 9.º, do Código Penal, a nova lei (11.340/2006) não autoriza ao juiz a concessão do sursis processual prevista no art. 89 da Lei 9.099/95. Apontaria aqui três argumentos, que nos reportam a questão da antinomia, para uma reflexão séria sobre o tema. Em primeiro lugar a lei mais nova (11.340) revoga a anterior se isso for expressamente previsto na própria lei. Nesse aspecto, a proibição do emprego da Lei 9.099/95, quer nos “goste” ou não é válida. Em relação ao argumento de discriminação de gênero, este também não convence. A lei 11.340 não fala em homem agente, mas em quem maltrata. Agora se quem bate na prática é o homem, problema dele! Por isso, não se pode aplicar o argumento da violação do princípio da igualdade entre os sexos (CF art.5.º I).

Também acho que o legislador não está violando o princípio da igualdade geral (art. 5.º Caput), tratando de duas maneiras diferentes (sursis ou não) pessoas condenadas à mesma pena. Ocorre que o legislador achou que a violência doméstica, por razões exaustivamente debatidas, é muito mais reprovável do que o ato de bater em um desconhecido na rua. Com base nessa ponderação estabeleceu tratamento mais severo. Como contrariar essa previsão do legislador? O tratamento de um problema específico pode levar ao legislador a ponderar sobre a necessidade de criar mecanismos de intervenção diferenciados, justamente para assegurar os direitos da parte mais “fraca”. A igualdade impõe tratar os iguais de forma igual, mas a situação de Paulo que bate em sua esposa Carla não é igual à situação de João que bate ocasionalmente em outra pessoa em uma briga de bar. Logo não se aplica aqui a idéia da igualdade.

Mas porque juristas renomados e juízes cuidadosos adotam tais posições, tão facilmente criticáveis? Provavelmente isso se deve à presença sutil mas efetiva da cultura patriarcal. Com isso quero dizer que o problema outrora identificado quando da aplicação da Lei 9.099/95, sentenças descabidas e sem nenhuma relação com o problema da violência doméstica, ainda persiste na atualidade. É preciso entender que para combater a violência doméstica, no meio jurídico, se faz mister preparar magistrados, advogados e promotores a lidar com a problemática de gênero., este é o desafio que se apresenta.


Fonte: SABADELL, Ana Lucia. Boletim do Instituto de Ciências Penais, Belo Horizonte, v. 7, n. 85, março 2008, pp. 5-7.

Artigo: O princípio Binários no Direito Penal Moderno e no Abolicionismo

Autor: Salete Oliveira
publicado em: Conversações Abolicionistas - uma crítica do sistema penal e da sociedade punitiva, IBCCRIM e PEPG, 1997.


O som do vento pode assumir diferentes formas, cabíveis em uma única voz, catalizadora de mil vozes. Refiro-me aqui às possíveis interpretações que Elias Canetti (1987) propõe aos símbolos que caracterizam a massa. O fogo, múltiplo, insaciável, destruidor e propagador, igual em todas as suas partes, é seu símbolo por excelência. Este fogo que atua como se vivesse, direcionado pelos sopros do vento, também se apaga. A água, seu oposto, cai em forma de chuva. Embora sua direção fundamental seja a queda, antecipada sempre por massas de descarga, seus deslocamentos sutis são provocados pelo vento.

O vento está e não está. Sua ausência em si caracteriza as massas invisíveis. Sua presença não é palpável por ele mesmo para além de sua voz. No entanto, esta ausência se faz presente no efeito que provoca em outros corpos. O símbolo do vento propicia a noção imagética do processo de julgamento, substantivando o que significa aceitarmos a existência do tribunal em nossas vidas.

Neste sentido, a reflexão acerca da apuração de ato infracional atribuído a adolescentes através de seus depoimentos e de seus responsáveis perante o juiz, procura mostrar como estas falas, as mil vozes, independente de seu conteúdo, são regularmente desqualificadas favorecendo a internação em detrimento da liberdade, pela voz uníssona que direciona de antemão o sentido da meta privilegiada pela prática do procedimento.

Sendo assim, cabe pontuar as linhas de continuidade do direito medieval no direito penal moderno e no saber do exame, demonstrando como a prática judiciária penalizadora, ao mesmo tempo que retraduz o princípio binário, dissolve-o em nome de seu próprio procedimento. Contudo, os estudos do abolicionismo da pena, ao mesmo tempo em que fazem a crítica ao modo como é tratado o princípio binário no direito penal moderno, introduzem este mesmo princípio em sua proposta de forma diversa do sistema penalizador. Os abolicinistas sinalizam que é possivel a convivência das mil vozes, contestando sua dissolução em uma única voz que prescreve a direção a ser seguida. A proposta da abolição da pena para adolescentes no Brasil, portanto, pode ser antes de mais nada uma saudável brisa que vem arejar o presente como sinal de bons ventos sob uma nova mentalidade.

1. OS ADOLESCENTES

A defesa dos direitos de crianças e adolescentes balizada pela atual aplicação que a Justiça faz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reserva aos adolescentes, chamados infratores, a parcela de sociabilidade que lhes cabe, sob a forma de restauração da personalidade "quase perdida", baseada no saber científico acoplado à sentença jurídica, aquela que se diz capaz de instruir para suprir as deficiências na sociabilidade.

Estes adolescentes experimentaram situações que os colocaram frente a circunstâncias de convívio autoritário e, por conseguinte, foram também se sociabilizando autoritariamente, submetidos a uma educação na qual preponderou o "sim" ou o "não" e que se mostrou para eles, na maioria das vezes, como possibilidade única para lidar com o outro, seja no âmbito público ou privado.

Diante de uma justiça penalizadora, seus atos não deixarão de ser compreendidos como práticas criminosas. Quando são colocados em julgamento, deparam-se com a figura da autoridade que assume visibilidade a partir da vestimenta de juízes, promotores e advogados: terno e gravata para os homens, e para as mulheres, o seu correlato feminino, o tailleur.

É certo que não precisavam chegar até o tribunal para distingüir figuras que, em seu cotidiano, são rapidamentes identificadas como os "homens de bem". Mas este vestuário "pacífico" tem seu contraponto na farda militar, que, por um lado, é símbolo visível — apesar de haver outros códigos — que identifica de imediato a polícia como aquele que está a serviço da defesa dos "homens de bem", representando um risco para esses adolescentes e, por outro, torna-se objeto de desejo para muitos desses adolescentes, funcionando como elemento simbolizador que aglutina esteticamente força e poder.

Quando o adolescente adentra no espaço do tribunal, a vestimenta austera é um dos elementos de visibilidade que demarca algumas extensões dessa instituição com a qual ele se depara como território da autoridade por excelência. A disposição espacial dos objetos e das pessoas transcreve a racionalização utilitária do minúsculo, ao operacionalizar taticamente o "cálculo da anatomia política do detalhe" do direito penal moderno.

Este cálculo econômico e político do detalhe, no entanto, baliza a penalização para além do ato cometido. Na verdade, estes adolescentes não são penalizados pelo que fizeram, mas pelo que podem vir a fazer. A "inquisição" a que são submetidos não percorre apenas atos, pessoas e objetos, mas vasculha almas, tratadas pelo direito penal como formas desabitadas que devem estar a serviço do procedimento.

Quando inquiridos pelo juiz, o padrão das falas dos adolescentes apresentou-se sob a forma de confirmação do ato infracional ou conduta: dos 75,6% de confirmações, 64,2 foram totais e 11,4% parciais. A atipicidade apresentou-se sob forma de negação da imputação que lhes era atribuída, perfazendo um total de 21,0%.

Ao confrontar o depoimento dos adolescentes com os tipos de infração, percebe-se que tal padrão em geral se repete, sendo que, no atentado violento ao pudor, os depoimentos dos adolescentes se distribuem de maneira uniforme entre as três possibilidades: confirmação total, parcial ou negação. Constata-se a mesma regularidade para a tentativa de estupro e para o estupro consumado, apontando para a inexistência de um padrão único, ou geral, para o depoimento dos adolescentes em relação às infrações sexuais.

Frente às infrações contra a vida e o patrimônio, a tendência é a confirmação, seja total ou parcial, com exceção da tentativa de roubo, que concentra a negativa.

Cabe aqui explorar alguns termos que podem ser apreendidos nas falas desses adolescentes, o que implica interrogar a "confirmação" como o padrão dos depoimentos.

O ato de confirmar a acusação passa pela referência à confissão, em que não só os atos praticados, como toda a conduta enquanto história de vida, estão ligados à idéia de pecado cometido ou ao risco de cometê-lo. À noção de pecado conjuga-se o sentimento de culpa cristã exercitada pela sociabilidade do castigo e instaurada como certeza mística. Condiciona-se, desta maneira, o resgate da vida ao perdão, como tributo imprescindível, que pode também ser dado em nome da honra como em um processo no qual o adolescente não só confirma o homicídio, justificando-o como a forma encontrada para vingar a morte de seu amigo, como também se apresenta perante à autoridade, pois afirma que "quem faz coisa errada aqui na Terra, aqui mesmo paga". Justifica-se assim a prática judiciária penalizadora, que intervém racionalmente espelhando a providência divina.

A confirmação pode também ser vista como um ato de alguém que se encontra sob pressão, a qual é acentuada — para além do fato cometido ou não — pela visibilidade da autoridade que assume a figura do juiz. E esta aura de "poder" se prolonga por todo o espaço físico da instituição que julga estes adolescentes.

O medo pode assumir as mais variadas formas, desde o receio imediato até o receio projetado para um tempo mais distante, no sentido da interrogação: "o que vai acontecer comigo?" Esta é uma das possíveis formas para se interpretar o fato de que nos 21 processos referentes a homicídio, dezenove adolescentes confirmaram o ato, ou seja, a infração atribuída a eles atenta contra a vida e, em uma cultura judaico-cristã, isto significa ter infringido um dos mais importantes preceitos que constituem o Decálogo cristão, o quinto mandamento: "Não Matarás". A confirmação pode ser apreendida, ainda, como uma postura de resignação, na medida em que negar não vale a pena porque nunca lhe dariam ouvidos. Isto indica a percepção do descrédito da justiça frente à palavra desses adolescentes, já que esta é desqualificada perante os olhos da lei. O ato de confirmação dos adolescentes pode ainda ligar-se ao fato de saberem que a "pena" é pequena, refletindo a própria racionalidade da economia política da pena que permeia o processo penalizador que procura interceptar suas liberdades.

Outra referência do padrão de confirmação aparece sob a possibilidade que esses adolescentes vêem de permanecer vivos, ainda que institucionalizados. Se por um lado a dinâmica institucional da penalização e do confinamento incide sobre o indivíduo através de mecanismos de mortificação do corpo e da alma administrados, por outro, revela-se como uma via de prolongamento de vida do corpo físico.

"A Justiça nada mais é, para eles, que um meio para permanecer vivo, escapando do extermínio. Para tanto, ser réu é uma chance a mais para continuar vivendo, permanecendo integrado no mercado ilegal através do sistema penitenciário." (Passetti, 1995:22). A presença de falas de adolescentes que negam o ato infracional sugere a interpretação de que realmente não cometeram o ato que lhes é atribuído, ou então, o medo que faz confirmar pode se reverter no medo que leva a negar. Pode, ainda, estar apontando para a possibilidade de um ato de resistência desses adolescentes frente à prática penalizadora. Assim, para além do fato, cometido ou não, importa que através da rebeldia respondam mais uma vez com uma conduta inesperada, pois o que se observa é a sujeição frente à visibilidade da autoridade. Ao invés disso, a negação assume uma postura de desacato perante o juiz e as evidências.

2. OS RESPONSÁVEIS

Importa entender os atos destes adolescentes como reprodução do autoritarismo que os sociabilizou através de uma rede de relações que atravessa a família, a qual, por sua vez, reproduz a margem de excesso produzida e tolerada pelo controle e, simultaneamente, legitima os mecanismos de sujeição pela via intervencionista, todas as vezes em que a margem de tolerância pública é ultrapassada pelo excesso insuportável do privado.

Em nome da preservação do privado, o público alarga suas fronteiras e transforma a garantia da dita defesa da integridade pessoal em elemento legitimador da interceptação dos indivíduos que desestabilizam a ordem instituída.

Os pais ou responsáveis recebem o mesmo tratamento dispendido aos adolescentes, uma vez que a família é o locus da sociabilidade primária, e toda vez que seus filhos põem em "risco" a ordem pública passam a ser inquiridos pela prática judiciária atual, que concretiza apenas formalmente o acompanhamento paterno indispensável a esses adolescentes, como prevê o ECA, ao preconizar o desenvolvimento de crianças e adolescentes no ambiente familiar.

O depoimento dos responsáveis frente às principais infrações não teve, à primeira vista, um padrão definido, ou talvez, caberia interpretar que o percentual dos responsáveis que defendem os adolescentes (34,2%) se sobrepõe ao dos que consentem (23,9%), ao dos que são abertamente favoráveis à internação (18,8%) e ao dos que não acusam (17,1%).

No entanto, as falas que consentem constituíram uma postura confirmadora do ato ou conduta atribuídos ao adolescente de forma explícita ou dissimulada. Mesmo não explicitando verbalmente o desejo de internação do adolescente, consentem legitimamente por meio da neutralidade. Desta maneira, o percentual das falas que consentem conjugado ao percentual das falas abertamente favoráveis à internação perfaz 42,7%, o que indica uma tendência dos responsáveis a se sujeitarem à tutela estatal.

As falas que não acusam ocupam nuances intermediárias entre o "defende" e o "consente", pois, se por um lado não se posicionam abertamente de forma contrária à internação, por outro, apesar da falta de um posicionamento mais radical, não podem ser interpretadas como falas que legitimam o confinamento de seus filhos.

Os depoimentos que defendem os adolescentes demonstram três regularidades.

A primeira consiste na presença de um desejo aberto, deliberado e contundente de manter os filhos junto ao convívio familiar, que passa por uma sutileza amistosa que positiva a presença do filho em suas vidas. Os pais que defendem seus filhos, longe de vê-los como extensão de sua propriedade, os vêem como parte inerente a suas próprias vidas.

A segunda regularidade valoriza os filhos e culpabiliza as companhias, acreditando antes de mais nada na palavra do filho. Ao justificarem a conduta do adolescente a partir do meio que o cerca, estes pais, ou responsáveis, ainda que positivem a palavra do filho, apontam uma postura correlata à da prática judiciária penalizadora, que opera pela idéia de contágio e legitima um discurso que se pauta pela prerrogativa da higienização da moral pública.

A terceira regularidade consiste na defesa por meio da positivação da obediência do filho perante a autoridade paterna. Tal positividade dada ao elemento da obediência retraduz para o âmbito da família o mesmo padrão de comportamento que é esperado em qualquer instituição disciplinar que tem por objetivo docilizar corpos e mentes.

Pode-se concluir, portanto, que as falas dos responsáveis que defendem os filhos frente à prática penalizadora revelam a maneira pela qual esta desapropria os indivíduos de seus problemas concretos, retirando-lhes a autonomia e impedindo que, através de seus próprios atos, possam decidir sobre suas vidas e manter seus filhos junto ao seu convívio. Há, portanto, uma ação externa mediadora que intervém na realidade de cada família, esquadrinhando os graus de aptidão regular que devem refletir o dito padrão estruturado. Qualquer conformação ou conduta estranha a este padrão é motivo para a desqualificação e dissolução da autoridade paterna.

A fala de consentimento, por sua vez, reproduz a valorização da obediência, oposta à rebeldia dos filhos, fornecendo já elementos explícitos para que tal obediência seja restaurada fora do âmbito da família. Assim, mesmo sabendo que o adolescente "volta pior do que antes", a fala consente com o confinamento, colocando seus filhos na FEBEM, seja pelas mãos da razão, seja pelas da religião.

A fala favorável à internação acentua a positividade da obediência em detrimento da presença da rebeldia e correlaciona a desobediência à delinqüência, tal qual o faz a prática judiciária penalizadora que se norteia pela correlação pobreza-delinqüência. As falas dos responsáveis que são favoráveis à internação, bem como aquelas que consentem pela neutralidade, apontam para o aspecto de sujeição dessas famílias à tutela do Estado, a qual aparece introjetada na educação disciplinadora dada aos seus filhos como forma de educá-los pelo temor, tal qual o ideário da prevenção geral.

3. O PRINCÍPIO BINÁRIO E O NOME DO UM

Quando inquiridos sobre a "verdade", para além do fato cometido, o que os adolescentes dizem passa a ser mediado pela "racionalidade binária", ao serem colocados novamente e, desta vez, no âmbito da justiça, frente ao "tudo ou nada".

O saber do exame (Foucault, 1973), incorporado pelo direito penal moderno, não opera, tal qual o modelo de saber do inquérito, sobre a pesquisa da verdade, mas trabalha todo o tempo na construção de uma verdade acerca desse sujeito transgressor caracterizado pela figura do delinqüente ou criminoso. Não se trata mais, portanto, da pessoa do infrator ou da noção de infração — noção inaugurada pelo saber do inquérito — mas do investimento de um saber técnico-científico sobre a edificação da personalidade delinqüencial desses adolescentes que se caracteriza como o pressuposto para a sua própria existência.

No entanto, da mesma maneira que o saber do exame estabelece linhas de continuidade com o saber do inquérito, ainda que se trate de modelos de saber diferenciados, torna-se possível detectar como o saber do exame e o direito penal moderno comportam características de um outro modelo de saber, exercitado durante a Idade Média, que qualificava o sistema da prova judicial.

O sistema da prova judiciária feudal, segundo Foucault, contém em sua estrutura quatro características básicas: 1- sua forma binária; 2- seu objetivo final como vitória ou fracasso; 3- sua automaticidade; e 4- sua forma de operar o direito através da força (devendo-se ressaltar que ela é uma operadora do direito e não da verdade, pois através de uma ritualização se designa o mais forte como aquele que tem razão).

O regime da prova não pressupõe a pesquisa da verdade, mas opera por uma estrutura binária, na medida em que o indivíduo está posto diante de um duplo do qual não há saída, pois ao renunciar à prova perde de antemão, e ao se submeter a ela vence ou fracassa, não havendo outra alternativa.

Havia quatro tipos de provas: o de importância social, o do jogo verbal, o mágico-religiosa do juramento e o da prova corporal.

Cabe aqui explorar a reflexão em torno da prova de importância social e corporal como possibilidades para se levar a discussão ao limite.

O jogo da importância social, quando redimensionado para o caso dos adolescentes chamados infratores, traz como regra a desqualificação da família como sendo capaz de manter o adolescente junto ao seu convívio, de maneira diversa do que prevê o ECA, justificando mais uma vez a intervenção do Estado como grande tutor da sociedade.

A aplicação que a prática judiciária faz do ECA transforma o depoimento dos responsáveis em algo muito semelhante ao primeiro tipo de prova medieval, a da importância social, colocando os pais em uma situação frente ao duplo "tudo ou nada", tal qual a imposta aos adolescentes, em que, independentemente do conteúdo das falas, vão ser vistos freqüentemente como incapazes. No entanto, a família também já se transformara em um pequeno tribunal, que em nome da inexistência do diálogo amistoso exerce a força e, potencializando a autoridade, reproduz o autoritarismo.

A prova corporal, por sua vez, baseava-se em submeter o indivíduo a uma luta contra seu próprio corpo: "(..) como o ordálio d’água, que consistia em amarrar a mão direita ao pé esquerdo de uma pessoa e atirá-la na água. Se ela não se afogasse, perdia o processo, porque a própria água não o recebia bem e, se ela se afogasse, teria ganho o processo visto que a água não a teria rejeitado." (Foucault, 1973: 46-47).

As linhas de continuidade do regime da prova com ressonância na modalidade de saber do exame exercitado pela prática penalizadora podem ser evidenciadas, ainda, na análise dos depoimentos dos adolescentes na presença do juiz em que pouco importa o que digam, frente a diferentes imputações, pois regularmente a internação é aplicada.

Esta regularidade nada mais é do que uma retradução da prova corporal, revestida, agora, pelo tecido bio-psico-social respaldando e fornecendo legitimidade científica à sentença do juiz. São estes corpos, de saberes técnicos diversos, compondo o corpo legal do procedimento contra os corpos dos indivíduos que transgrediram a norma, tratados impessoalmente como se fossem o mesmo corpo. Se no ordálio o indivíduo estava posto frente a uma luta com seu próprio corpo, da qual não havia saída, estes adolescentes hoje defrontam-se com a batalha de seu corpo contra a extensão deste que não lhe pertence e que ao mesmo tempo lhe é imputado em forma de procedimento.

Se no regime da prova o que estava em jogo não era a verdade, mas a regularidade do procedimento, no saber de inquérito a questão era e é saber a verdade. No saber do exame o que está em jogo é construir uma verdade para este sujeito. Pode-se arriscar dizer que da mesma forma que o direito penal moderno absorveu o princípio binário, reduzido à expressão "tudo ou nada", dissolveu esse mesmo princípio no procedimento impessoal como unidade da verdade.

O significado etimológico da palavra binário comporta o sentido de adjetivo e de substantivo. Enquanto adjetivo é aquele que tem "duas unidades, dois elementos e, enquanto substantivo, significa "conjugado".

Os pensadores do abolicionismo interpretam-na de duas formas distintas, quando inserida no contexto de crime e de situação problema, respectivamente: a dicotomia exercitada pelo direito penal moderno e a possibilidade do acordo entre indivíduo-indivíduo fora do âmbito da punição.

Percebe-se que o direito penal dicotomiza o adjetivo, entendido como dois elementos em relação, instaurando um regime de força em que um deve se sobrepor ao outro , que seria correlato a uma verdade única capaz de anular a construção de qualquer outra, como se a primeira também não fosse o produto de práticas sociais.

Além disso, a prática penal moderna dissolve o substantivo "conjugado", as mil vozes dos envolvidos, em um único elemento, a voz uníssona do procedimento, subvertendo a própria etimologia. Rege-se pela gramática para prescrever, por sua autoria, o corpo (Estado) que sujeita corpos concretos (indivíduos) que, frente ao Estado, nada mais são do que sua própria extensão. A concretude da sujeição assume visibilidade na racionalidade instrumental do procedimento.

Os atos desses adolescentes, entretanto, não assumiriam conotação criminosa se, como propõem os abolicionistas, fossem vistos a partir da noção de situação-problema. De forma diversa ao direito penal, o abolicionismo vem recuperar a noção binária enquanto princípio generoso de acordo indivíduo-indivíduo, no qual o duplo não funde corpos, não os desapropria e, muito menos, transforma-os em representações. São corpos substantivos, com suas marcas sim, mas num tempo e espaço concretos fora do território do confinamento e do campo da punição.

O tribunal, seja ele qual for, é a expressão do uno por excelência. Seu pressuposto já demarca de antemão a dissolução das partes em um e grande parte da sociedade aplaude sua existência, acreditando que tal instituição é uma garantia a mais para o exercício da democracia, quando clamam seu limite, a pena de morte.

No entanto, sua legalização é redundante frente ao tribunal, pois se ele existe em si mesmo e para si mesmo, seu procedimento democrático deve ser interrogado no interior de seu próprio discurso, já que o sistema penalizador, do qual o tribunal é parte inerente, mortifica indivíduos e coloca em risco até mesmo a continuidade da vida biológica.

Cabe, portanto, contestar a existência do tribunal, enquanto visibilidade da reprodução de pequenas ou grandes posturas fascistas pulverizadas no cotidiano e que, na maioria das vezes, pretendem se mostrar abertamente democráticas e transparentes; no entanto, reduzem a convivência em territórios lisos e esquadrinhados, estabelecendo novas fronteiras em nome da defesa de direitos, que não toleram o outro porque fora do mesmo e, em seu exterior, só cabe o extermínio, explícito ou não. Sendo assim, nada mais conveniente do que o eufemismo, retraduzindo o extermínio, por um termo neutro e aparentemente democrático: procedimento legal formal.

Bibliografia

Canetti, Elias. Masa y Poder, Madri, Alianza Editorial, 1987.

Foucault, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas, Rio de Janeiro, PUC-RJ, 1973.

Passetti, Edson (coord). Violentados: crianças, adolescentes e justiça. São Paulo, Imaginário, 1995.


Núcleo de Sociabilidade Libertária - Nu-Sol
Texto extraido de http://www.nu-sol.org. Acessado em: 27/06/2008.

Artigo: A invenção do crime e a abolição da punição

O discurso abolicionista

O abolicionismo penal afirma Louk Hulsmann, um dos seus principais formuladores, é um movimento social e acadêmico. Procura envolver pessoas e organizações solidárias à liberdade e interrogar os efeitos provocados pelas sucessivas reformas penais modernas que não solucionam os sucessivos problemas acumulados no interior do sistema penalizador.

O final da Segunda Guerra anunciou o abolicionismo penal com o surgimento da escola da defesa social com Felippo Gramatica, na Itália, mas ele ganhou só amplitude a partir dos anos 1970, como efeito das revoltas de 1968 — ano apontado com propriedade por Antonio Negri, como data fundamental para a compreensão de nossa história e que possui a mesma relevância de 1789 e 1848. Foi o ano das rupturas com as grandes dominações e que repôs o anarquismo no debate político, desdizendo seu suposto final localizado na guerra civil espanhola. George Woodcock, em 1986, premido pelos acontecimentos, redigiu um novo prefácio ao seu Anarchism, a history of libertarian ideas and movements, de 1962, e sublinhou também a vida e a atualidade do anarquismo.

O investimento titânico de Michel Foucault voltando-se para os micropoderes, o redimensionamento apontado por Gilles Deleuze acerca da subjetividade e a aproximação de publicações anarquistas de reconhecimento internacional, atestam as várias dimensões que o libertarismo vem assumindo.

Diversos autores também ressaltam que mesmo não apresentando um projeto de sociedade, 1968 sinalizou para o fim do socialismo autoritário com 20 anos de antecedência e se viu prensado por políticas repressivas em escala crescente na Europa e nas Américas, ancoradas no boom conservador dos anos 1970, com a crise do welfare-state.

O abolicionismo penal é um pensamento que opera no campo da polivalência tática dos discursos. Congrega no seu interior pensadores de perspectivas libertárias como Hulsmann, mas também marxistas do calibre de Nils Christie e Thomas Mathiesen. Afirma o esgotamento das reformas penais levando ao limite as constatações desde Beccaria, no século XVIII — que apontavam para ineficiência da reclusão — até Foucault desvendando a intrincada conexão entre saberes delinqüenciais e policiais. Dialoga com as vertentes despenalizadoras que privilegiam a diversificação da aplicação de penas como redutores à prisão e não deixa de interrogar que subjacente a esta política de direitos humanos permanece inalterada a criminalização de comportamentos supostamente inaceitáveis. Sabemos, desde Hegel, que não há penalização que não esteja correlacionada à história e que somos obrigados a concluir em favor dos condenados frente à obtusa, longa e moralista cerimônia de promulgação de sentenças, a corrupção policial e a morosidade administrativa sempre exigindo reformas para melhor funcionar com eficiência e rapidez.

A história do sistema penal é a história das injustiças contra presos, dos erros judiciários, da economia das penas, da transformação da vítima em testemunha, das múltiplas revisões. Nela quase nunca está em jogo a justiça para a vítima. Não se investe no seu ressarcimento mas na perpetuação do sistema de vinganças transformando-a em testemunha, parte do inquérito que alimenta e retroalimenta o sistema punitivo custoso e sempre em expansão. A vítima é testemunha num sistema de altos custos para o Estado no qual os principais beneficários permanecem sendo os burocratas.

O sistema penal moderno dirige-se para o controle dos diferentes, produto de uma sociabilidade autoritária capitalista ou socialista, sob a democracia ou nazismo, que não suporta aqueles que pretendem interceptar e que anunciam, segundo Antonin Artaud, verdades que são insuportáveis para a sociedade. São loucos, miseráveis, pobres, prostitutas, homossexuais, crianças e jovens infratores, grupos religiosos, raças e até populações.

Os luddistas ingleses, em 1812, foram vítimas preferenciais da framebreaking bill (que estendia a pena de morte aos pobres quebradores de máquinas). As prisões modernas encarceravam sob a inspiração do modelo panoptista de Jeremy Benthan e os loucos eram elevados à condição de doentes mentais nos manicômios. Os hospitais tranformavam-se em máquinas de cura e os socialistas apareciam com voz e veto instabilizando a ordem filantrópica que desaparecera com o fim dos Hospitais Gerais no final do século XVIII. No Brasil o Hospício Pedro II na metade do século XIX, as penitenciárias e os recolhimentos para menores que inaugurariam o XX viriam disciplinar o que passava a ser impossível para a filantropia. Não tardaram a aparecer campos de concentração no Amapá para anarquistas, como o de Clevelândia, no governo de Arthur Bernardes no início dos anos 20, muito antes dos campos nazistas que foram familiares aos norte-americanos para japoneses e aos soviéticos para dissidentes, até mesmo a aparição dos campos de extermínio chineses que foram espelho para os nazistas.

A sociabilidade autoritária moderna não suporta o diferente, porta um projeto moralizador com base na concepção de prevenção geral que pretende normalizar a sociedade suprimindo, reeducando e integrando os perigosos. Em nome da racionalidade ou da religião, ela estabelece o tráfego intenso entre fé e razão em função de uma moral do rebanho. Não foi apressada a constatação de Nietzsche em Genealogia da moral, ao afirmar que a democracia seria a mais fecunda das religiões da razão no século XX — o século de Marx, Freud e Nietzsche. Foi um século que começou com a realização do sonho do socialismo centralizado como meio para a justiça social e foi encerrado com a confirmação da democracia como moderna religião da massa; acreditou-se na psicanálise como pacificadora dos desejos e do inconsciente e convivemos com o conformismo e as insatisfações étnico-religiosas, centros deflagradores de inconscientes autoritários. 1968 colocou o século em xeque. Desnorteados, muitos desamparados saíram em busca do paradigma perdido, incensando a democracia como valor universal, a importância da prevenção geral para a segurança e a política, exigindo políticas especiais de repressão e educação, e nada mais fazendo que dinamizar novos setores eletrônicos de controle, internos à prisão ou de defesa frente aos supostos agressores.

Pensar a justiça social e redução da pobreza, com ou sem privatização, com maior ou menor intervenção estatal apenas dinamizou os setores repressivos com a privatização de prisões, proliferação de atendimentos filantrópicos de prevenção por organizações não-governamentais e a disseminação de uma compaixão cívica aureolada por uma consciência empresarial despenalizada de parte dos tributos dispensados ao recolhimento público.

O abolicionismo penal não se furta ao diálogo com o humanismo de final de século norteado por esta ética da fraternidade. É seu interlocutor privilegiado questionando os limites das políticas humanistas pois interessa-lhe saber como dar reparos às vítimas e compreender os infratores envolvidos em situações-problema tidas como delituosas. A noção de situação-problema é fundamental porque nos orienta para entender a maneira pela qual infrator e vítima são colocados cara a cara, evitando-se a reconstrução das técnicas da prova e do inquérito como verdades jurídicas. Vários estudos tem mostrado que colocar vítima e agressor frente a frente é um método mais eficiente na redução de reincidências entre adolescentes, além de ser uma forma de barateamento dos custos do Estado. Conclui-se que é mais barato para o Estado indenizar a vítima do que sustentar um preso na cadeia.

O abolicionismo penal está interessado na vítima e no agressor reduzidos, respectivamente, pelo sistema penal à condição de testemunha e réu. Tem como principal objetivo conjugar a crítica ao direito penal — ao princípio punitivo e à correlata tese da prevenção geral —, com um movimento social capaz de suprimir os encarceramentos como forma de controle social. Não acredita que o fim das prisões seja uma das utopias da sociedade justa e igualitária e pretende mostrar que é possível suprimi-la a qualquer momento. O abolicionismo não se pretende utópico e tampouco admite ser tratado como trapaceiro ou irresponsável.

Nada nos impede de notar que a história das invariantes estatísticas prisionais apontam para uma certa estabilidade destoando dos registrados aumentos de população. As escalas ascendentes e descendentes, quando ocorrem, relacionam-se a efeitos de repressão moral ou político-cultural circunstancial. Curiosamente, nos últimos tempos, quando se investe em disseminação de direitos, ela tem aumentado independentemente dos programas de diversificação das penas. Hoje em dia a reclusão prisional ajusta-se à reforma eletrônica das prisões e às chamadas políticas de tolerância zero que respondem à moral conservadora de segurança que exige eficiência burocrática.

Imagina-se que se chegará a um ponto em que toda infração será comunicada à autoridade policial, que esta, imediatamente, acionará o encaminhamento ao judiciário, e que este, em tempo record será capaz de julgar e penalizar o criminoso. Esta utopia da sociedade de controle desconhece que existe uma sociedade sem penas, não só porque há a ocorrência da cifra negra (a diferença entre infrações denunciadas na polícia e aquelas efetivamente julgadas com rapidez pelo direito penal) mas porque boa parte das infrações são equacionadas pelos envolvidos sem a necessidade das formalidades jurídicas do justo. O que esta utopia esconde é que não se reconhece mais a prisão como lugar de ressocialização e futura reintegração social a transforma em depósito de corpos para os quais os únicos investimentos estão na redução da possibilidade de fuga a zero e mantê-los sob o rigoroso sentenciamento com base no aumento da pena. A sociedade reconhece que ela não sabe o que fazer com os infratores ao mesmo tempo que imagina a diversificação da pena como meio de ampliação da prevenção geral. Exige-se que o indivíduo diferente se conscientize que será apanhado e é só isto que interessará ao sistema penal. Desaparece a preocupação com o futuro do infrator; a pena de morte se reescreve com a eternização do confinamento.

As prisões para adultos e jovens agora se inscrevem no espetacular e lucrativo ramo da indústria eletrônica, com seus ships e códigos de barra, para vigiar internos e controlar os que vivem em liberdade vigiada ou semi-liberdade gerando com isso uma complexa modernização na concepção de campo de concentração. Nils Christie o mostrou em Indústria do controle do crime, ressaltando que os subúrbios tendem a se transformar nestes novos campos de concentração habitados na maioria das vezes pelos defensores principais da repressão, os próprios e intolerados diferentes.

A justiça como sinônimo racional de revanche sangrenta ainda não foi superada. Invertendo os supostos da prevenção geral — posto que ela se destina, pela ameaça da aplicação do castigo, a uma maioria que não a incorpora —, pelo de situação-problema, eliminamos a idéia de ontologia do crime para beneficiar o princípio da conciliação. Estão em jogo os dispositivos suplementares de solução que envolvem o uso da terapia (observadas as pertinentes anotações de Foucault acerca dos riscos de se substituir a prisão pela terapêutica), a educação (em sentido amplo de sociabilidade diferenciando-se de instrução cujo limite é a laborterapia) e a compensação (o que não implica em transformar o agressor em escravo da vítima). Isto exige que o recrutamento de juízes ocorra também entre os trabalhadores, que evitem a arrogância e que prescindam de técnicos instrumentalizados por uma competente e neutra avaliação técnica, sobrecarregados de valoração preconceituosa.

O abolicionismo penal exige que os intelectuais indiquem a situação das instituições e associem-se aos encarcerados pretendendo dar um basta ao lucrativo espetáculo das denúncias. Nele não cabem intelectuais profetas, mas parceiros. Exige-se que os meios de comunicação de massa dêem atenção às situações-problema e que se divulgue entre os diferentes a condição paradoxal de ser ao mesmo tempo os alimentadores do sistema penalizador e suas principais vítimas.

Ettiene de La Boétie, no século XVI, foi o primeiro a desafiar-nos a romper com a servidão voluntária, este ato de consentimento com base na obediência aos mandos e desmandos dos soberanos. Alertava-nos que apenas uma decisão corajosa contra o UM, ignorando-o, por si só já mostrava as condições para a afirmação da soberania individual. O escrito rebelde do jovem La Boétie ainda povoa os que preferem a sociedade sem soberanos, vivendo-a e não desejando-a como utopia. Sendo então possível uma sociedade sem soberanos para que serve uma instituição de reclusão para adolescentes? Afinal, não há mais como negar que a existência da prisão independe do regime político.

No final do século XVIII, William Godwin, escreveu o principal libelo anti-prisional moderno no interior de seu livro Justiça política identificando as procedências sócio-econômicas dos principais habitantes das prisões assim como o sofisticado circuito de reformas que promove o sistema penal. Para ele a prisão era inaceitável por explicitar a continuidade entre ricos e pobres, os diferentes, os supostamente perigosos. Godwin não via a prisão como lugar de educativa reflexão crítica moral do indivíduo frente a um suposto delito justamente julgado, de ressocialização ou de futura integração social; ela era apenas um lugar de aprimoramento de delinqüentes e de acelerada corrupção. Deste ponto de vista a prisão para adolescentes é inaceitável pois através da educação e o diálogo devemos investir na possibilidade de suprimir ao máximo as punições, não deixando de ter em mente que sempre haverá infelicidade e imprevistos porque inexiste uma bondade absoluta nos homens. Todavia são as exceções que nos trazem maiores desafios educativos que justificativas para a existência, ampliação e constante reiteração da prisão.

Desde La Boétie e Godwin sabemos da existência de uma sociedade sem soberanos e sem penas que já existe no interior da sociedade autoritária em que vivemos. A prisão não educou ou integrou e no final do século XX, a tolerância com reclusões para adolescentes é mais do que expressão de uma moral do inaceitável; é também o atestado que o Estatuto da Criança e do Adolescentes que pretende garantir a formação do futuro cidadão é letra morta ou acoberta a política de abandono dos corpos. Resta saber se a sociedade sem soberanos conseguirá desviar a rota de um mundo que se apresenta atualmente com pretensões universalizantes de democracia, direitos e segurança, desde que não se perca de vista a crítica formulada por anarquistas e marxistas desde o século XIX, que caracteriza a política de direitos como política de interesses, separação, distinção e confinamentos.

O anarquismo pretende abolir o Estado e o abolicionismo o sistema penal. Ambos são críticas a uma sociedade autoritária pautada pelo exercício da soberania centralizada e hierarquizada. Investem numa sociabilidade libertária que suprime verticalizações, propõe a amistosidade das relações com base na diferença, pluralidade e desobediências posto que não há um absoluto para liberdade que não se realize historicamente como totalitarismo. Não se busca utopias pois a sociedade sem soberano já existe assim como a sociedade sem penas. Basta que as pessoas reparem!

O abolicionismo penal é um estilo de vida.


Núcleo de Sociabilidade Libertária - Nu-Sol
Texto extraido de http://www.nu-sol.org. Acessado em: 27/06/2008.

26 de jun. de 2008

Relator defende pena alternativa e cobra ação da sociedade




O relator da CPI do Sistema Carcerário, deputado Domingos Dutra (PT-MS), defendeu há pouco a aplicação de penas alternativas, seguindo o princípio da Justiça restaurativa, em que o causador do dano repara os prejuízos causados à vítima. "Sabemos que a prisão não previne a reincidência. A Justiça restaurativa combate o crime pela reparação dos danos", afirmou.

O relator observou que o Poder Judiciário não tem confiança nas penas alternativas, por conta da dificuldade de fiscalização do cumprimento delas. No entanto, Dutra recomendou o uso da tecnologia no acompanhamento e fiscalização, o que, segundo ele, pode ser feito a baixo custo e com total eficiência.

Dutra ainda cobrou a participação da sociedade na discussão e busca de soluções para o sistema carcerário. "As melhores condições dos presídios servirão para preservar a segurança da sociedade, com a diminuição dos índices de reincindência e ressocialização dos detentos."

A reunião da CPI, que discute o relatório final de Domingos Dutra, ocorre no plenário 13.


Agência Câmara, Tempo real - 25/06/2008 16h30 .

Artigos sobre Justiça Restaurativa - Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, n. 49

Estou organizando seções sobre Justiça Restaurativa na Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal.

Na edição n. 49, vol. 9, abril/maio 2008, foram publicados quatro artigos sobre Justiça Restaurativa, a saber:


- Justiça Restaurativa e Segurança Pública - Marcos Rolim, pp. 159-177. Para ler o artigo clique aqui.

- Reflexões sobre a Compatibilidade do Modelo Restaurativo com o Sistema
de Justiça Brasileiro - Renato Campos Pinto de Vitto, pp. 199-209. Para ler o artigo clique aqui.

- Justiça Restaurativa e Alteridade – Limites e Frestas para os Porquês da
Justiça Juvenil - Afonso Armando Konzen, pp. 178-198. Para ler o artigo clique aqui.

- A Cultura da Transcendência - Gustavo Korte, pp. 210-225. Para ler o artigo clique aqui.



Os artigos também estão disponiveis no site do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa (IBJR) - seção artigos, acesso em: www.ibjr.justicarestaurativa.nom.br

Livro: Manual de Sociologia Jurídica




Título: Manual de Sociologia Jurídica - Introdução a uma Leitura Externa do Direito
Autora: Ana Lúcia Sabadell
4.ª edição – 316 páginas
Ano de Publicação: 2008
Categoria: Sociologia Jurídica
ISBN: 978-85-203-3263-4


Sinopse:

Fiel ao compromisso de oferecer aos que estudam o Direito uma reflexão crítica sobre o sistema jurídico e sua realidade, bem como suas transformações, esta nova edição aborda várias questões fundamentais e traz referências bibliográficas, dados estatísticos atualizados e análises de sentenças dos tribunais brasileiros.
Após discorrer sobre as diversas escolas jurídicas, examina, dentre os temas mais importantes: eficácia do Direito papel das normas consenso social poder Estado e controle social problemas e métodos de pesquisa estratificação social sociologia da aplicação do Direito e suas definições sociológicas. Especial destaque merece o estudo sobre a posição das mulheres no Direito. Ao final de cada capítulo, a seção "Para ir mais longe", serve para indicar textos para o aprofundamento em temas específicos.

Comunicado Final do Encontro sobre a dimensão jurídica na pastoral prisional

A Mensagem de João Paulo II, por ocasião da “Jornada do Jubileu dos Cárceres”, de 24 de Junho do ano 2000, constitui um “Marco para um Plano de Pastoral Penitenciária”, e referência indispensável para quem pretender elaborar um verdadeiro Plano de acção pastoral nas Prisões. Muito se tem reflectido sobre este documento, e sempre se encontram novidades que ajudam e interpelam, para suscitar uma intervenção renovada dos Cristãos nos planos da Pastoral Penitenciária. É também nela (nº 5) que se faz um apelo aos Juristas para que se sintam “chamados a reflectir sobre o sentido da pena e a abrir novas fronteiras para a colectividade”. Se toda a Comunidade tem uma responsabilidade neste campo da Pastoral, por maioria de razão os Juristas Católicos se devem sentir envolvidos na elaboração de planos e na sua concretização, por se tratar de um campo que lhes diz particularmente respeito.

A Coordenação Nacional da Pastoral Penitenciária (Comissão Episcopal da Pastoral Social) tem vindo a fomentar encontros com Juristas Católicos, no sentido de se fixarem campos de actuação concreta na sua área específica, tão significativa quando se fala da pastoral deste sector da vida da Igreja. Os Juristas, pela sua preparação académica e pelo seu natural “envolvimento” social e profissional, são postos perante questões a que podem dar um contributo indispensável.

Por isso, no dia 21 de Junho, na Casa de Vilar – Porto, se reuniram Juristas do nosso País, a convite do Coordenador Nacional da Pastoral Penitenciária, a fim de se encontrarem processos de envolvência e intervenção, que ajudem a resolver ou a minimizar as problemáticas específicas deste sector da vida da Sociedade. Para esclarecer, formar e ajudar na reflexão estiveram dois especialistas de Espanha – Cármen Segóvia Bernabé, Coordenadora Europeia da Área Jurídica da Pastoral Penitenciária, e Padre Dr. José Luís Segóvia Bernabé, Coordenador Nacional da Área Jurídica da Pastoral Penitenciária – que partilharam saberes e experiências, que consolidam e entusiasmam no serviço que se pretende.

A Pastoral Penitenciária Católica engloba os três Sectores: Prevenção, Prisão e Reinserção, que se subdividem e interpenetram com as três Áreas: Religiosa, Social e Jurídica. Especificamente a Área Jurídica, no Sector da Prevenção, visa colaborar, no sentido de dar forma jurídica a processos de renovação, conversão e crescimento responsável de pessoas e grupos; colaborar na adequação do sistema penal à dignidade da Pessoa; animar e colaborar na revisão do sistema penitenciário, e na implementação de penas não privativas da Liberdade. No Sector da Prisão, colaborar na adequação das estruturas penitenciárias e na revisão da legislação penal; favorecer, esclarecendo, na sociedade civil, autoridades, juristas e colectividades, o sentido da pena e tentar abrir novos horizontes; implementar, desenvolver e apoiar as dinâmicas para uma verdadeira e eficaz Justiça Restaurativa. No Sector da Reinserção, facilitar contactos regulares dos Presos com os seus familiares e próximos, estimular a capacidade de ajuda reintegradora das estruturas, e acompanhar os que saem da Prisão na sua nova reinserção social.

Os Juristas têm consciência de que a sua acção e intervenção de ajuda, junto dos seus Constituintes, não termina no Julgamento, mas continua durante o tempo do cumprimento de pena, seja ela de reclusão ou de regime de especial liberdade; o acompanhamento, que vise uma autêntica inserção/reinserção social, é motivo de presença continuada e de verificação e ajuda, para a certificação da preparação efectiva, em ordem a uma inserção capaz no mundo familiar, laboral, social e jurídico. Ao Jurista Católico pede-se que esteja ao serviço dos mais frágeis, dos mais pobres, na defesa dos direitos humanos dos presos; de modo a que nas Prisões esteja o menor número possível de pessoas, que estejam o menor tempo possível e que, quando saírem, saiam com preparação, com certezas de futuro e com grande esperança.

A Mediação Penal, que está as ser implementada em vários países e estados, em ordem ao exercício de uma eficaz Justiça Restaurativa, foi tratada como uma intenção de grande mobilização de Juristas, Legisladores, Governos e Sociedade em geral, para que se torne realidade também entre nós; o perdão, a reconciliação, o encontro, terão de ser tidos como os caminhos que levam à responsabilização e à paz.

Entendemos que as Equipas de Pastoral Penitenciária de cada Estabelecimento, Paróquia e Diocese devem integrar sempre Juristas, e que estes estejam em rede de informação permanente com outros Juristas, para melhor reforçarem o seu papel de ajuda no plano da Área Jurídica, tal como se pretende; eles fornecerão meios de informação e de formação tanto a Reclusos, como Famílias, Visitadores, Capelães e Sociedade.

Os Juristas presentes tomaram melhor e mais aprofundada consciência, em diálogo alargado, e com o contributo que nos deixaram os Especialistas convidados, da necessidade da sua relação com a problemática da reclusão e dos Reclusos, e de tudo quanto se relaciona com este capítulo da Pastoral Penitenciária Católica; foram anunciadas algumas publicações de livros, artigos de opinião, blogues, que facilitarão uma maior e melhor partilha, útil para todos os que dedicam tempo e esforço neste serviço tão necessário como urgente.

Pela importância das temáticas reflectidas, entende-se que Encontros deste género devem ser repetidos, e abertos, a nível nacional, a todos quantos queiram entrar nesta entusiasmante e abrangente dinâmica da Pastoral Penitenciária; a Área Jurídica é vista como urgente e desejada nos seus desenvolvimentos, pela indispensável ajuda que traz a quantos estão comprometidos nestas dinâmicas.

A notícia e conclusões desta jornada vão ser comunicadas às Dioceses, Capelães e Visitadores Católicos, e divulgadas na Comunicação Social, de modo a que todos assumam, como sua, a urgência de convidar e integrar Juristas de boa vontade nas diversas Equipas de trabalho, na Área da Pastoral Penitenciária, nos diversos níveis de trabalho desta pastoral.

Os temas reflectidos neste e noutros Encontros, serão amplamente partilhados e dialogados no Encontro Nacional de Capelães e Visitadores ligados às Capelanias, a realizar em Janeiro do próximo ano, como é habitual.

Porto, Casa de Vilar, 21 de Junho de 2008

Pe. João Gonçalves


Disponível em: http://www.agencia.ecclesia.pt/noticia_all.asp?noticiaid=61558&seccaoid=9&tipoid=180. Acesso em: 26/06/2008.

Livro: Não Violência na Educação




Características:

Título: Não violência na Educação
Autor: Jean-Marie Muller
Editora: Palas Athena
1ª Edição - 2007
Livro em português
ISBN: 8572420614


Sinopse:

Este livro faz parte das iniciativas promovidas para a Década Internacional para uma Cultura de Paz e Não-Violência para as Crianças no Mundo (2001-2010) e foi originalmente publicado pela Unesco. Nele Jean-Marie Muller, filósofo francês, fundador e diretor do Instituto de Pesquisas sobre a Resolução Não-Violenta de Conflitos, sugere uma abordagem muito prática de como resolver os confrontos violentos nas escolas. Diz ele que a cultura da violência já está instalada em nossas sociedades e é diariamente reforçada por todos os meios de comunicação. Quando uma criança toma o brinquedo de outra, nossa sociedade vê como perfeitamente natural que a segunda avance e o arranque de volta. Ou tome outro brinquedo em retaliação, ou ainda que bata no colega. No entanto, como aponta o autor, a contra-violência gera apenas mais violência - a primeira criança vai sentir-se agredida e também ela retribuir, levando a uma possível escalada de violências que não beneficia nenhum dos participantes e pode até causar a destruição do brinquedo originalmente disputado. Já a não-violência é vista como algo utópico, contrário até à natureza humana agressiva e competitiva. No livro, o professor Muller define violência não como agressividade, esta sim natural da nossa espécie, mas como a ameaça à vida ou à integridade do outro. A violência é um desrespeito básico pelo humano no outro, que o torna uma coisa a ser usada ou explorada ou destruída.

Artigo: Justiça Restaurativa em Debate

Por Neemias Moretti Prudente


PALAVRAS-CHAVE: Justiça; restauração; conflitos.

SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 Evolução do movimento restaurativo; 2 Tecendo uma definição; 3 Bases para utilização de programas restaurativos; 4 Justiça Tradicional versus Justiça Restaurativa; 4.1 Justiça Tradicional – características; 4.2 Justiça Restaurativa – características; Considerações finais; Referências bibliográficas.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Debate é uma discussão amigável entre duas ou mais pessoas que queiram colocar suas idéias em questão ou discordar das demais, sempre tentando prevalecer a sua própria opinião ou sendo convencido pelas opiniões opostas. Geralmente, debates são longos, e raramente se chega a alguma conclusão; porém, é uma prática considerada saudável, em que uma pessoa pode ver vários lados de uma mesma questão, tendo em mente a troca de idéias sem que haja ofensas para ambos os lados.

A pretensão deste artigo, longe de exaurir a questão, é apresentar e suscitar um debate acerca da Justiça Restaurativa, como uma nova forma de reação à infração penal, porquanto implica um processo de diálogo entre as partes – infrator, vítima e comunidade – tendente fundamentalmente a reparar o dano (sentido lato) ocasionado pela infração e restaurar a relação entre as partes.

1 EVOLUÇÃO DO MOVIMENTO RESTAURATIVO

As raízes do modelo restaurativo, baseado na comunidade e na vítima, originam-se dos tradicionais métodos aborígenes de resolução de conflitos, sendo o modelo dominante de justiça criminal ao longo da maior parte da história humana, já que o paradigma punitivo atual, orientado à prisão e com fins retributivos-preventivos, domina a nossa compreensão de crime e justiça há apenas dois ou três séculos1.

Nos anos 70, com a crise do ideal ressocializador e da idéia de tratamento através da pena privativa de liberdade, viu-se o desenvolvimento de idéias de restituição penal e reconciliação do infrator com a vítima e com a sociedade. Houve, então, um debate sobre as alternativas para a Justiça, inspirada no abolicionismo e também fruto do forte movimento vitimológico, surgindo aí o modelo restaurativo, como uma outra forma de resolução de conflitos2.

Assim, a Justiça Restaurativa não nos parece um fenômeno novo, uma nova justiça, mas, possivelmente, uma nova maneira de se fazer justiça, já que indica o ressurgimento de uma abordagem antiga sobre a infração e o conflito.

As primeiras experiências contemporâneas, com práticas restaurativas, se deram em 1976, no Canadá, onde ocorreu o primeiro programa de victim-offender mediation (VOM), quando dois acusados de vandalismo encontraram-se com suas vítimas e estabeleceram pactos de restituição3.

O país pioneiro a introduzir o modelo restaurativo foi a Nova Zelândia, em 1989, que aprovou o Estatuto das Crianças, Jovens e suas Famílias (Children, Young Persons and Their Faimlies Act), rompendo radicalmente com a legislação anterior e que visava responder ao abuso, ao abandono e aos atos infracionais. A responsabilidade primária pelas decisões sobre o que seria feito foi estendida às famílias, que receberiam apoio em seu papel de prestações de serviços e outras formas apropriadas de assistência. O processo essencial para tomada de decisões deveria ser a reunião de grupo familiar, que visava incluir todos os envolvidos e os representantes dos órgãos estatais responsáveis (bem-estar infantil para casos de cuidados e proteção e a polícia nos casos de infrações)4.

Em 1990, participantes de uma conferência internacional sobre mediação aplicada a processos de justiça penal na Áustria, Bélgica, Finlândia, Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Grécia, Holanda, Noruega, Escócia e Turquia deram-se conta da Justiça Restaurativa5.

A partir daí, multiplicaram-se as experiências e práticas restaurativas e, atualmente, temos várias experiências, modelos e marcos jurídicos de Justiça Restaurativa e práticas similares na África do Sul, Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Escócia, Estados Unidos, Finlândia, França, Noruega, Nova Zelândia6.

Em decorrência destas experiências e de tantas outras pelo mundo, o Conselho Econômico e Social da ONU compôs a Resolução nº 2002/12 – Basic principles on the use of restorative justice programmes in criminal matters – e concitou os Estados-membros a apoiarem o desenvolvimento e a implementação de pesquisa, capacitação e atividades para implementação de projetos com esta vertente7. O documento se baseia na Declaração de Viena, em que a Comissão de Justiça Criminal e Prevenção de Criminalidade da ONU define os principais conceitos de justiça restaurativa e sugere a abertura de um debate mundial sobre o tema8.

Foi neste contexto que despontaram iniciativas no Brasil, entre elas, há experiências-piloto em Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e São Caetano do Sul.

Em Brasília/DF, o projeto piloto opera no Juizado Especial Criminal. Em princípio, é feita uma triagem dos casos em que poderão ser aplicados a justiça restaurativa. Esta seleção começa na delegacia de polícia com a colaboração do delegado e de seus agentes. Ao receber os “termos circunstanciados de ocorrência”, o promotor, junto ao magistrado, propõe às partes em audiência preâmbular a participação nos círculos restaurativos. Caso as partes aceitem, o processo fica suspenso até o relatório do círculo, onde, havendo composição das partes, dentro dos limites legais, este acordo é homologado e o processo arquivado. Basicamente, o procedimento é feito da seguinte forma: entra-se em contato com o infrator e com a vítima, que precisam estar dispostos a participar do procedimento. Então se promove o círculo restaurativo entre as partes interessadas. Vale ressaltar que não há presença do promotor e dos magistrados nos círculos. O procedimento é aberto, moldando-se de acordo com a necessidade e a legalidade, para que da melhor forma possível se possa chegar ao objetivo: promover a composição das partes9.

Em Belo Horizonte/MG, o “Projeto Mediar” foi idealizado no âmbito da Polícia Civil, na sede da 4ª Delegacia Seccional Leste. O Projeto Mediar está sendo aplicado, preliminarmente, em uma área restrita a circunscrição da 5ª Delegacia Distrital de BH que compreende quatorze bairros. O procedimento se dá através da mediação policial, sendo aplicado em pequenos conflitos e infrações penais que tenham como motivo questões de relacionamento entre seus protagonistas (ex.: lesões corporais, ameaças, crimes contra a honra, maus tratos, relações familiares e de vizinhança, contravenções como as de perturbação do sossego ou da tranqüilidade alheia). O foco principal do Projeto Mediar se concentra na redução e no monitoramento dos conflitos. O projeto conta com parceiros que permitem um maior aprimoramento técnico dos mediadores, como também a construção de um modelo policial de mediação de conflitos que tenha base teórica. O projeto não se restringe a operatividade da mediação policial apenas para policiais. Permite a participação de estagiários, profissionais liberais e até pessoas da comunidade. A possibilidade de reparação do dano é o objetivo principal em todo o processo. Mesmo sendo um procedimento informal, os acordos são legitimados, em documentos assinados pelas partes envolvidas e pelos mediadores. Por ser voluntário, nada obsta que haja desistência, a qualquer fase, ou até mesmo, a aplicação concomitante com o procedimento legal. Não há intimação e sim, “convite de mediação”, onde são detalhados os pormenores da sistemática da mediação policial de conflitos10.

Em Porto Alegre/RS, a experiência gaúcha trabalha em dois frontes: o primeiro é antes do magistrado aceitar a representação, onde é proposto o círculo restaurativo, e o segundo quando na execução da sentença, a equipe multidisciplinar que acompanha o jovem infrator delibera quando ele estará pronto para participar do círculo restaurativo. O propósito restaurativo está alicerçado em três bases: impossibilidade de revitimização; volun­tariedade e capacidade de responsabilidade do infrator11.

Em Recife/PE, deu-se início a um projeto piloto de justiça restaurativa, informalmente, perante o 1º Juizado Especial Criminal de Recife. O projeto conta com a ajuda dos Distritos Policiais, que, averiguando o caso concreto e verificando que pode ser resolvido pela mediação, encaminha os “TCC” para os núcleos e estes são encaminhados para uma equipe de seis mediadores que, em abordagens restaurativas, revezam-se na utilização das técnicas da mediação transformativa/restaurativa. Experiência que conta com apoio, acompanhamento e avaliação de equipe interdisciplinar12.

Em São Caetano do Sul/SP, trabalham-se três vertentes: Preventivo-Escolas: círculos restaurativos em escolas com a participação de pais, professores e aluno; Preventivo-Comunidades: círculos restaurativos em comunidades onde líderes comunitários e os habitantes discutem problemas e propõe soluções para conflitos de vizinhança, violência doméstica, brigas de adolescentes, conflitos entre pais e filhos etc.; Judicial: na audiência, o magistrado e o promotor propõem a participação da vítima e do transgressor no círculo restaurativo. Se aceito, e o resultado for positivo, o relatório é encaminhado ao Ministério Público para depois ser homologado pelo juiz de Direito13.

Vasconcelos ressalta que a ausência de legislação que efetivamente introduza essas práticas no âmbito do processo penal tem acarretado insegurança e instabilidade às experiências em apreço14.

Neste sentido, contamos com um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados, PL 7006/2006, propondo alterações no Código Penal, no Código de Processo Penal e na Lei dos Juizados Especiais Criminais visando regular o uso facultativo e complementar de procedimentos de justiça restaurativa no sistema de justiça criminal, em casos de crimes e contravenções penais15.

No dia 17 de agosto de 2007, em São Paulo, no Auditório da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, foi fundado o Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa (IBJR), uma organização não governamental que congrega professores, pesquisadores, psicólogos, advogados, publicitários, jornalistas, pedagogos, defensores públicos, sociólogos, membros do Ministério Público e da magistratura, médicos, estudantes, entre outros, visando difundir e dar suporte às práticas restaurativas16.

2 TECENDO UMA DEFINIÇÃO

A definição do que seja justiça restaurativa encontra-se em construção, por ser um paradigma recente, que só pode ser captado em seu movimento ainda emergente17.

Justiça restaurativa é um novo conceito de solução de conflitos, constituindo um novo paradigma, que reformula o modo convencional de definir crime e justiça, com grande potencial transformador do conflito na medida em que intervém de modo mais efetivo na pacificação das relações sociais18.

Este movimento define justiça a partir de três posturas básicas: 1) infrações são atos lesivos a pessoas e relacionamentos acima de tudo; resultam em danos a vítimas, famílias e aos próprios infratores; 2) a justiça deve ser o objetivo essencial do processo legal e deve ser obtida prioritariamente através de reconciliação entre as partes e reparação dos danos advindos da infração; 3) conflitos são mais bem resolvidos facilitando-se o envolvimento de vítimas, infratores, famílias e comunidades19.

A definição mais consensual de justiça restaurativa, até porque contemplada pela Organização das Nações Unidas (ONU), é aquela enunciada na Resolução nº 2002/12, editada pelo seu Conselho Econômico e Social, buscando fomentar princípios básicos para utilização de programas de justiça restaurativa em matéria criminal.

Para tanto, partiu-se das seguintes definições:

• Programa de justiça restaurativa: significa qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir resultados restau­rativos.

• Processo restaurativo: significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, ge­ralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos res­tau­ra­tivos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) ou círculos decisórios (sentencing circles).

• Resultado restaurativo: significa um acordo construído no processo restaurativo. Resultados restaurativos incluem respostas e programas tais como reparação, restituição e serviço comunitário, objetivando atender as necessidades individuais e coletivas e responsabilidades das partes, bem como assim promover a integração da vítima e do ofensor.

• Partes: significa a vítima, o ofensor e quaisquer outros indiví­duos ou membros da comunidade afetados por um crime que podem estar envolvidos em um processo restaurativo.

• Facilitador: significa uma pessoa cujo papel é facilitar, de maneira justa e imparcial, a participação das pessoas afetadas e envolvidas num processo restaurativo.

A Justiça Restaurativa pode ser entendida como uma aproximação, através de um processo cooperativo, que privilegia toda forma de ação, individual ou coletiva, onde as partes interessadas, na determinação da melhor solução, buscam corrigir as conseqüências vivenciadas por ocasião da infração, a resolução do conflito, a reparação do dano (lato senso) e a reconciliação entre as partes20.

O modelo restaurativo se baseia num procedimento de consenso, em que a vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da sociedade afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a cura das feridas, dos traumas e dos danos causados pela infração penal21.

Justiça Restaurativa:

“Oferecer a la víctima la posibilidad de ser restaurado, dar la oportunidad al autor del delito de restaurar las consecuencias del delito, ofrecer al sistema penal la posibilidad de tener en cuenta un acuerdo mediado y voluntario em la toma de decisiones.”22

Renato S. G. Pinto observa que:

“O crime, para a justiça restaurativa, não é apenas uma conduta típica e antijurídica que atenta contra bens e interesses penalmente tutelados, mas, antes disso, é uma violação nas relações entre o infrator, a vítima e a comunidade, cumprindo, por isso, à Justiça identificar as necessidades e obrigações oriundas dessa violação e do trauma causado e que deve ser restaurado, oportunizar e encorajar as pessoas envolvidas a dialogarem e a chegarem a um acordo, como sujeitos centrais do processo, sendo ela, a Justiça, avaliada segundo sua capacidade de fazer com que as responsabilidades pelo cometimento do delito sejam assumidas, as necessidades oriundas da ofensa sejam satisfatoriamente atendidas e a cura, ou seja, um resultado individual e socialmente terapêutico seja alcançado.”23

Mas ressalta Scuro Neto que o paradigma da Justiça Restaurativa “não representa uma panacéia, um remédio para todos os males do modelo retributivo, mas introduz novas e boas idéias”24.

3 BASES PARA UTILIZAÇÃO DE PROGRAMAS RESTAURATIVOS

Retomando a indicação de marcos jurídicos de referência, a Resolução nº 2002/12 estabelece bases para utilização de programas de justiça restaurativa, ressaltando sua adaptabilidade a qualquer dos sistemas jurídicos dos Estados-membros.

Os programas de justiça restaurativa podem ser usados em qualquer estágio do sistema de justiça criminal, desde que haja indícios que sustentem o recebimento de uma acusação formal para que possa ela ser iniciada.

Sica25 apresenta cinco entradas para a justiça restaurativa: I) pré-acusação, com encaminhamento do caso pela polícia; II) pré-acusação, com encaminhamento pelo juiz ou pelo ministério público, após o recebimento da notitia criminis e da verificação dos requisitos mínimos, que, ausente, impõem o arquivamento do caso e devem ser estabelecidos conforme as particularidades de cada ordenamento; III) pós-acusação e pré-instrução, com encaminhamento imediato após o oferecimento da denúncia; IV) pré-sentença, encaminhamento pelo juiz, após encerramento da instrução, como forma de viabilizar a aplicação de pena alternativa na forma de reparação de dano, ressarcimento etc.; V) pós-sentença, encaminhamento pelo tribunal, com a finalidade de inserir elementos restaurativos durante a fase de execução.

O processo é voluntário, no tocante à participação da vítima e ofensor, de modo que caberão as partes optarem pela justiça restaurativa ou pela justiça tradicional. Estes podem revogar o consentimento, unilateralmente, a qualquer momento, durante o processo. Deve haver consenso em relação aos fatos essenciais do caso.

A prática restaurativa em si deve ocorrer preferencialmente em local neutro, reunindo as partes e os facilitadores, com direito à assistência jurídica e, quando necessário, outros auxiliares. Devem ser observadas as garantias processuais fundamentais, que assegurem tratamento justo às partes. No caso de menores, estes deverão, além disso, ter assistência dos pais ou responsáveis legais. Nem a vítima e nem o ofensor deverão ser coagidos ou induzidos por meios ilícitos a participar do processo ou a aceitar os resultados. As disparidades que impliquem em desequilíbrios, assim como as diferenças culturais entre as partes, devem ser levadas em consideração ao se derivar e conduzir um caso no processo restaurativo.

Ressalta-se que, antes de concordarem em participar do processo restaurativo, as partes deverão ser plenamente informadas sobre seus direitos, a natureza do processo e as possíveis conseqüências de sua decisão, bem como garantir sua segurança.

O processo se desenvolve basicamente em duas etapas: uma na qual são ouvidas as partes acerca dos fatos ocorridos, suas causas e conseqüências, e outra na qual as partes devem apresentar, discutir e acordar um plano restaurativo26.

Há que ser resguardado o sigilo de todas as discussões travadas durante o processo restaurativo, e seu teor não pode ser revelado ou levado em consideração nos atos subseqüentes do processo.

Os facilitadores devem, sempre que possível, ser capacitados antes de assumir a função e ter uma boa compreensão das culturas regionais e das comunidades, atuando de forma imparcial com respeito à dignidade das partes, assegurando o respeito mútuo e capacitá-las, por seus próprios meios, ao encontro da solução mais adequada ao caso.

O acordo deve ser voluntário e redigido de forma clara e precisa, e as obrigações, razoáveis e proporcionais, prevendo as formas de garantir o cumprimento e fiscalização das condições nele estatuídas. É de se observar que o plano restaurativo pode estar sujeito à análise judicial antes de sua homologação e por certo deverá influir na definição da reprimenda aplicada no caso concreto27.

Há que se reservar especial atenção para as ações adotadas após a prática restaurativa, posto que o monitoramento de acordo e avaliação do seu cumprimento constituem etapas importantes na consecução dos objetivos do modelo28.

Quando não for indicado ou possível o processo restaurativo, o caso deve ser encaminhado ao procedimento convencional de justiça e ser decidido sem delonga. Em tais casos, deverão, as autoridades, ainda assim, estimular o ofensor a responsabilizar-se frente à vítima e à comunidade e apoiar a reintegração da vítima e do ofensor à comunidade. Lembrando que a impossibilidade de obtenção de um acordo restaurativo não deve ser usada como justificativa para impor uma pena mais severa, ao ofensor, no processo criminal subseqüente.

Scuro Neto assevera que devem ser estabelecidos, inclusive por via legislativa, padrões e diretrizes legais para a implementação dos programas restaurativos, bem como para qualificação, treinamento, avaliação e credenciamento dos facilitadores, administração dos programas, níveis de competência e padrões éticos, salvaguardas e garantias individuais29.

4 JUSTIÇA TRADICIONAL VERSUS JUSTIÇA RESTAURATIVA

As diferenças básicas entre o modelo tradicional de justiça criminal (retributivo) e o modelo de justiça restaurativo são expostas a seguir, para melhor visualização dos valores, procedimentos e resultados dos dois modelos e os efeitos que cada um deles projeta para a vítima, para o infrator e para a comunidade30.

4.1 Modelo tradicional – características:

• Quanto aos valores: conceito estritamente jurídico de crime, visto como um ato contra a sociedade, representada pelo Estado, pela violação da lei penal; o Estado detém o monopólio da justiça criminal, primado no interesse publico; a culpabilidade individual é voltada para o passado; uso do direito penal positivo; indiferença do Estado quanto às necessidades do infrator, da vítima e da comunidade afetada – desconexão; monocultural e excludente; dissuasão.

• Quanto aos procedimentos: ritual solene e público; contencioso e contraditório; a ação penal é indisponível; a linguagem, normas e procedimentos são formais e complexos; os atores principais são as autoridades, representando o Estado, e os profissionais do Direito; o processo decisório fica a cargo das autoridades (policial, delegado, promotor, juiz) e profissionais do direito; unidimensional.

• Quanto aos resultados: foco no infrator para intimidar (prevenção geral) e punir (prevenção especial); estigmatização e discriminação – as penas privativas de liberdade são desarrazoadas e desproporcionais, cumpridas em regime carcerário desumano, cruel, degradante e criminógeno, já as penas alternativas são ineficazes, e, as absolvições, baseadas no princípio da insignificância, realimentam o conflito. Tutelam-se bens e interesses, com a punição do infrator e proteção da sociedade; vítima e infrator isolados, desamparados e desintegrados; a ressocialização é secundária; paz social com tensão.

• Quanto aos efeitos para a vítima: a vítima tem pouquíssima ou nenhuma consideração, ocupando lugar periférico e alienado no processo; não tem participação, nem proteção, mas sabendo o que se passa; praticamente não há nenhuma assistência psicológica, social, econômica ou jurídica do Estado; frustração e ressentimento com o sistema.

• Quanto aos efeitos para o infrator: o infrator é considerado em suas faltas e sua má-formação; raramente tem participação no processo; comunica-se com o sistema por meio do advogado; é desestimulado e mesmo inibido a dialogar com a vítima; é desinformado e alienado sobre os fatos processuais; não é efetivamente responsabilizado, mas punido pelo fato; fica intocável e não tem suas necessidades consideradas.

4.2 Modelo restaurativo – características:

• Quanto aos valores: conceito amplo de crime, visto como um ato que afeta a vítima, o próprio autor e a comunidade, causando lhe uma variedade de danos; a justiça criminal é participativa, primada no interesse das pessoas envolvidas e da comunidade; responsabilidade pela restauração, numa dimensão social, compartilhada coletivamente e voltada para o futuro; uso crítico e alternativo do direito; comprometimento com a inclusão e a justiça social, gerando conexões; culturalmente flexível, respeitando a diferença e a tolerância; persuasão.

• Quanto aos procedimentos: ritual informal e comunitário, com as pessoas envolvidas; voluntário e colaborativo; princípio da oportunidade; procedimento informal com confidencialidade; os atores principais são as vítimas, infratores, pessoas da comunidade, ONGs; o processo decisório é compartilhado com as pessoas envolvidas (vítima, infrator e comunidade); multidi­mensional.

• Quanto aos resultados: foco nas relações entre as partes, para restaurar, abordando o crime e suas conseqüências; pedidos de desculpas, reparação, restituição, prestação de serviços comunitários; reparação do trauma moral e dos prejuízos emocionais restauração e inclusão; resulta responsabilização espontânea por parte do infrator; proporcionalidade e razoabilidade das obrigações assumidas no acordo restaurativo; é prioritária a reintegração do infrator e da vítima; paz social com dignidade.

• Quanto aos efeitos para a vítima: a vítima ocupa o centro do processo, com um papel e com voz ativa; tem participação e controle sobre o que se passa; recebe assistência, afeto, restituição de perdas materiais e reparação; tem ganhos positivos, suprindo-se as necessidades individuais e coletivas da vítima e comunidade.

• Quanto aos efeitos para o infrator: o infrator é visto no seu potencial de responsabilizar-se pelos danos e conseqüências do delito; participa ativa e diretamente; interage com a vítima e com a comunidade; tem oportunidade de desculpar-se ao sensibilizar-se com o trauma da vítima; é informado sobre os fatos do processo restaurativo e contribui para a decisão; é interado das conseqüências do fato para a vítima e comunidade; fica acessível e se vê envolvido no processo; supre suas necessidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de décadas de insucesso do modelo penal tradicional, a tendência mundial está se voltando para alternativas a este modelo, entre eles, surge o modelo restaurativo, que vem atender as necessidades da vítima, do infrator e da comunidade, “através de uma ética baseada no diálogo, na inclusão e na responsabilidade social, com grande potencial transformador do conflito”31.

Aos interessados em buscar uma coisa melhor do que o direito penal tradicional, que atenda a propostas de humanização do sistema penal, a justiça restaurativa é uma alternativa de grande valia, se bem aplicada e direcionada.

Um dos maiores juristas e criminólogos deste século, Juarez Cirino dos Santos, leciona que a verdadeira resposta para o problema da criminalidade é a democracia real, porque nenhuma política criminal substitui políticas públicas de emprego, de salário digno, de moradia, de saúde e, especialmente, de escolarização em massa da população, a única riqueza do Estado, como organização política do poder soberano do povo32 .

Mas, como estamos longe de alcançar a democracia real, que possamos debater e avançarmos com a idéia restaurativa, curando feridas e restaurando relações.

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Notas

1 BRAITHWAITE apud SICA, p. 21.

2 PALLAMOLLA, p. 192.

3 SICA, p. 23.

4 MAXWELL, p. 280.

5 BRAITHWAITE apud SCURO NETO, Modelo de justiça para o século XXI. Revista da Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região, p. 215.

6 SCURO NETO, Op. cit, p. 216.

7 A Resolução 2002/12 se encontra traduzida no site do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa (IDCB). Disponível em: . Acesso em: 21.11.2007.

8 RODRIGUES PINTO, p. 135.

9 ANON. Carta Forense, p. 46.

10 SILVA MELLO, p. 11.

11 ANON. Carta Forense, p. 46.

12 VASCONCELOS, p. 134.

13 ANON. Carta Forense, p. 46.

14 VASCONCELOS, p. 136.

15 O projeto se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em: 21.11.2007.

16 Para mais informações sobre o Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa, acesse: .

17 GOMES PINTO, Renato Sócrates. Justiça restaurativa é possível no Brasil? In: SLAKMON, C.; DE VITTO, R.; GOMES PINTO, R.; (Org.). Justiça Restaurativa: coletânea de artigos. Brasília: Ministério da Justiça e PNUD, 2005, p. 21.

18 NUNES, p. 73.

19 SCURO NETO, Op. cit., p. 217.

20 JACCOUD, p. 169; MCCOLD e WACHTEL.

21 GOMES PINTO, Op. cit., p. 20.

22 PETERS, p. 555.

23 GOMES PINTO, Renato Sócrates. A construção da Justiça Restaurativa no Brasil. O impacto no sistema de Justiça criminal. Jus Navigandi, Teresina. a. 11, n. 1432, 3 jun. 2007. Disponível em: . Acesso em: 23.11. 2007.

24 SCURO NETO, Pedro. Manual de sociologia geral e jurídica. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.102.

25 SICA, p. 29-30.

26 VITTO, p. 45.

27 VITTO, p. 45.

28 VITTO, p. 45-46.

29 SCURO NETO, Pedro. Modelo de justiça para o século XXI. Revista da Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região, p. 221.

30 Essa análise é baseada nas exposições e no material gentilmente cedido pelas Dras. Gabrielle Maxwell e Allison Morris, da Universidade Victoria de Wellington, Nova Zelândia, por ocasião do memorável Seminário sobre o Modelo Neozelandês de Justiça Restaurativa, promovido pelo Instituto de Direito Comparado e Internacional de Brasília, em parceria com a Escola do Ministério Público da União e Associação dos Magistrados do DF, em março de 2004.

31 PENIDO, p. 5.

32 CIRINO, p. 706.


FONTE: PRUDENTE, Neemias Moretti. Justiça Restaurativa em Debate. Revista IOB de Direito Penal e Processo Penal. Porto Alegre/RS, v. 8, n. 47, dez. 2007/jan. 2008, pp. 203-216.

“É chegada a hora de inverter o paradigma: mentes que amam e corações que pensam.” Barbara Meyer.

“Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado opressor.” Desmond Tutu.

“Perdoar não é esquecer, isso é Amnésia. Perdoar é se lembrar sem se ferir e sem sofrer. Isso é cura. Por isso é uma decisão, não um sentimento.” Desconhecido.

“Chorar não significa se arrepender, se arrepender é mudar de Atitude.” Desconhecido.

"A educação e o ensino são as mais poderosas armas que podes usar para mudar o mundo ... se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar." (N. Mandela).

"As utopias se tornam realidades a partir do momento em que começam a luta por elas." (Maria Lúcia Karam).


“A verdadeira viagem de descobrimento consiste não em procurar novas terras, mas ver com novos olhos”
Marcel Proust


Livros & Informes

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